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Perto dos santos
Do Diário do Grande ABC
06/05/2007 | 07:01
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O Brasil ainda é o País mais católico do mundo, mas está cada vez mais distante do Vaticano. A fé propagada em todo o território nacional não obedece às regras rígidas impostas pela Igreja tradicional. É popular, independente e, principalmente, dedicada ao culto dos santos.

Para os católicos brasileiros, Santo Expedito, Santo Antônio, São Judas e, é claro, Nossa Senhora Aparecida, têm acesso direto a Deus e, por isso, merecem louvor e preces na mesma proporção.

O fenômeno, segundo especialistas no estudo da religião, não é privilégio apenas do Brasil. A América Latina, como um todo, divide pensamento semelhante.

A visita de Bento XVI ao centro do catolicismo nas Américas não acontece por acaso. Sinaliza uma mudança de caminho, uma correção de estratégia diante da fuga de fiéis das paróquias.

O índice atual de católicos no Brasil suscita algumas discussões. A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) trabalha com o percentual de 67%, que não é aceito pelo Vaticano. Recentemente, o Centro de Políticas Sociais da FGV/RJ (Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro) apontou que os fiéis católicos somam 73,8% da população e que o total mostrou-se estável de 2000 a 2003.

A preocupação do alto clero não se resume apenas à quantidade de seguidores, mas também à postura adotada por eles.

O pesquisador de Ciências da Religião da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Afonso Maria Ligorio Soares, comenta que o fiel brasileiro conhece as regras e tem consciência de burlá-las de vez em quando para se manter na religião.

“Eu diria que o católico brasileiro se diz católico porque partilha do mesmo universo simbólico que faz com que nos sintamos brasileiros. Ele sabe que, para manter seu sentimento não é preciso seguir a hierarquia ao pé da letra. Ele ama o papa; mas não o obedece”, diz.

Os motivos da rebeldia nacional se misturam com as próprias necessidades da população. “Há várias causas: a psicologia do colonizado, que se curva, mas não quebra; a catequese superficial, em que foram iniciados nossos antepassados indígenas, africanos e lusitanos; a pluralidade de religiões, que sempre esteve presente entre nós; as reais situações de extrema pobreza, desinformação e violência de que são vítimas boa parte dos cidadãos e que tornam vazios muitos discursos da hierarquia”, completa Soares.

A falta de padres necessários para atender à demanda do rebanho de católicos do País é outro ponto que pode ser colocado em discussão quando o assunto é a prática da fé. A Igreja no Brasil não dá conta de atender bem a seus fiéis, tem cerca de 18 mil padres, enquanto a Itália, por exemplo, conta com 64 mil sacerdotes ou um representante para cada mil habitantes.

Se a vocação religiosa não cresce, a saída deveria ser radical: admitir mudanças e permitir a liberação do sacerdócio a senhores casados, idôneos, com boa formação teológica e espiritual, o que tem pouca chance de ocorrer.

Diante desse cenário, o sociólogo da USP (Universidade de São Paulo) Ligias Nogueira Negrão descreve que o catolicismo no Brasil tem vida própria. “Há um ditado muito conhecido no Nordeste que diz que em nosso País há muita reza, mas pouca missa, muito santo e pouco padre. É o quadro nacional, onde os santos são mais próximos da população, entendem suas necessidades. É uma crença difusa, onde não existe eclesialidade.”

Para Negrão, as religiões presentes no Brasil ajudam os homens e mulheres a lidar com suas incertezas e fugir das tentações. “Em geral, aceita-se que Deus é amor e benevolência, mas luta-se contra o apego à Igreja como instituição. No caso dos católicos, além da devoção aos santos, prega-se também o louvor ao Espírito Santo, que faz parte da Santíssima Trindade, é Deus, mas está mais próximo do povo, pode ser alcançado”, comenta.

O exemplo mais forte do culto nacional aos santos e da desobediência ao Vaticano é padre Cícero. Apesar de não ser reconhecido, ainda, pela Igreja, é festejado com fervor pelos nordestinos, em celebrações folclóricas e de extrema fé. “Ele é o rival de Nossa Senhora Aparecida, mesmo na informalidade e no exílio está dentro da Igreja por imposição popular.”

De acordo com o bispo auxiliar de São Paulo, dom Odilo Scherer, os santos ajudam a compreender melhor o Evangelho e a multiforme santidade do próprio Deus. Dessa forma, os católicos são livres para cultuá-los, desde que sigam o mandamento que coloca Deus acima de todas as coisas.



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