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Como ter dignidade?

moradores convivem com esgoto a céu aberto
e os efeitos da falta de saneamento básico

Por Vanessa de Oliveira
Do Diário do Grande ABC
21/02/2016 | 07:00
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Celso Luiz/DGABC:


Saneamento. Serviço que, como o próprio complemento diz, é básico. Só que, para muitas famílias, nem o básico há. Seis cidades do Grande ABC (exceto São Caetano que, desde 2009, coleta e trata 100% do esgoto) integram as estatísticas divulgadas na última semana pelo Ministério das Cidades. O estudo apontou que 7,7% da população de 2,5 milhões de pessoas das seis cidades em 2014, o equivalente a 226.361 habitantes, residiam em áreas urbanas que não eram atendidas por redes coletoras de esgoto.

Para quem não vive em locais assim, o forte odor de água podre é difícil de suportar. Quem mora nessas localidades não apenas inala esse cheiro todo o tempo como convive com vetores de doenças, perdendo dia após dia a saúde, a paz e a dignidade.

Em Mauá, de acordo com a Odebrecht Ambiental, responsável pelo setor, cerca de 7% dos imóveis não têm acesso à rede de esgoto. Considerando que a cidade tem, segundo o Censo 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 125.369 domicílios particulares permanentes, a porcentagem equivale a 8.775 famílias sem o direito garantido. Caso da dona Maria Florencia de Carvalho Araújo, 56 anos, moradora do Jardim Oratório. A Rua José Carlos da Silva, onde mora há 25 anos, não possui asfalto, iluminação e muito menos saneamento. O esgoto que corre em frente à sua casa mistura-se a todo tipo de lixo e entulho, tornando o lugar ainda pior.

Maria vive sozinha, mas está acompanhada todo o tempo por visitas nada desejáveis. “Esse esgoto é viveiro de baratas e ratos. Certa vez, fiz compra e à noite ouvi um barulho na cozinha. De manhã, vi que os ratos haviam feito a festa com os pacotes. Fiquei sem um grão de arroz”, conta ela, mostrando seu aparato para o combate: inseticida e ratoeira.

O prejuízo envolve também a saúde. Quatro meses atrás, o neto de dona Maria, Carlos José, 13, brincava de escorregar em barranco de areia que caía ao lado do esgoto. Uma semana depois, brotoejas começaram a aparecer pelo corpo. Desde então, precisa tomar antibiótico mensalmente – cada caixa custa R$ 180.

“Aqui tem mais rato que gente”, exclama a vizinha e auxiliar de limpeza Maria Ivaneide Gomes de Souza, 46. A filha mais velha, inclusive, já foi mordida no dedo por um roedor. “É humilhante essa situação. Não somos tratados como seres humanos”, desabafou.

Segundo a Prefeitura mauaense, o local está inserido em projeto de urbanização desenvolvido pela administração, com recursos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), do governo federal. A expectativa é que a Rua José Carlos da Silva receba obras ao longo deste ano, inclusive ligação com a rede de esgoto.

Em Santo André, a dona de casa Priscila Simão Souza, 27, é uma dos 10 mil habitantes que vivem sem coleta de esgoto na cidade, estimativa do Semasa (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André). Ela mora no Recreio da Borda do Campo, onde a água podre corre não só do lado de fora da residência, como também no seu próprio quintal. “Tenho dois filhos pequenos (um com 6 anos e um bebê de 6 meses) e sofro muito, ainda mais nesse calor, quando o cheiro e a quantidade de bichos pioram. O saneamento é básico, mas nem um pouco a gente tem”, queixa-se.

Na cidade de São Bernardo, 92% do território é coberto por rede de esgoto, segundo a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), mas a população da Rua Servidão Particular, no bairro Batistini, não faz parte dessa conta. Cansados de esperar por atenção, os próprios moradores improvisaram, há seis meses, encanamento de esgoto para amenizar os problemas. Seis munícipes, entre eles o caminhoneiro desempregado Leonardo Medeiros da Silva, 54, fizeram vaquinha, na qual cada um contribuiu, mesmo com dificuldades, com R$ 180. “Ou você faz alguma coisa, ou fica no meio esgoto. Aqui é no valha-me Deus.”

Área não está entre as escolhas políticas, dizem especialistas

Essencial para o desenvolvimento do País, o saneamento básico não está entre as prioridades dos gestores públicos, avaliam especialistas. E a população tem sua parcela de culpa na situação, segundo o professor de Engenharia Ambiental e Urbana da UFABC (Universidade Federal do ABC), Gilson Lameira. “As pessoas reivindicam transporte, pavimentação, mas muito pouco saneamento, porque não relacionam seus problemas com a falta da coleta e tratamento de esgoto. A área fica largada porque dentro da nossa cultura política, não dá retorno.”

O especialista em Gestão Ambiental e Saneamento Carlos Henrique Oliveira lembra de ouvir a fala “cano enterrado não dá voto, ninguém vê”. Ele destaca a falta de planejamento e capacidade de gestão. “Com planejamento, é possível investir melhor os recursos. E a capacidade de gestão se resolve com indicação de gestores experientes e canais de participação da sociedade.”

O assunto merece atenção especial, já que é questão de Saúde pública. “São muitas as doenças que a ausência de saneamento causam, desde as consideradas fáceis de serem tratadas, como a diarreia, mas que podem levar à morte, principalmente crianças abaixo de 5 anos”, falou o professor da Escola de Ciências Médicas e da Saúde da Universidade Metodista Victor Hugo Bigoli. Estudo da OMS (Organização Mundial da Saúde) aponta que para cada US$ 1 (R$ 4) investido em saneamento, são economizados US$ 4 (R$ 16) com custos de Saúde.

A urgência de ações motivou a adoção do tema pela Igreja Católica na Campanha da Fraternidade 2016. “Falta priorizar o saneamento na divisão da verba pública e combater a má gestão. Quando se decide por realizar alguma obra, ela sempre demora mais que o previsto e muitas vezes utiliza mais recursos que os inicialmente estipulados”, disse o bispo da Diocese de Santo André, dom Pedro Carlos Cipollini.

Prefeituras listam obstáculos para garantir universalização

O Plano Nacional de Saneamento, instituído pela Lei Federal 11.445/07, pretende universalizar o acesso aos serviços de saneamento básico como direito social até 2030. Porém, o objetivo esbarra em variadas dificuldades, segundos as autarquias e prefeituras.

Em Santo André, o Semasa (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André) pontua a dificuldade de obtenção de recursos externos para a execução de projetos, como para os sistemas de esgotamento sanitário de Paranapiacaba, Parque Andreense e Parque América. A cidade coleta 96% do volume de esgoto gerado e 45% são encaminhados para tratamento. A meta é chegar aos 100% em 2022.

Mauá diz que o maior desafio é a conscientização da população na destinação correta do lixo e providenciar a ligação das residências à rede coletora de esgoto. O Executivo destaca que hoje coleta 92% do esgoto e trata 50%, em parceria com a Odebrecht Ambiental, concessionária do serviço. Com a inauguração da ETE (Estação de Tratamento de Esgoto), em dezembro de 2014, a estimativa é que a universalização chegue em 2017.

Em Ribeirão Pires, onde a Sabesp tem cobertura de 91% do município e trata 70% do esgoto, a Prefeitura aponta como dificuldade a topografia. “O esgoto não possui a mesma pressão (da água), necessitando de reservatórios de tratamento espalhados pelos bairros”, argumenta.

Diadema, que segundo a Sabesp coleta 94% do esgoto e trata apenas 30%, tem avançado na questão, salienta o prefeito Lauro Michels (PV). “Eram 15% em 2013”, fala. O que trava universalizar o saneamento é a obtenção de licenciamento ambiental para obras. “É difícil conseguir em áreas de preservação ambiental e Diadema tem muitas”, destaca o chefe do Executivo.

As prefeituras de São Bernardo, onde a Sabesp coleta 92% do esgoto e trata 32%, e Rio Grande da Serra, que coleta 68% e trata 85% do volume coletado, não responderam sobre investimentos. 




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