Setecidades Titulo Educação
Jovens e protagonistas
Por Daniel Macário
Natália Fernandjes
30/11/2015 | 07:00
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Julgada pela sociedade como consumista e sem perspectivas de futuro, a juventude paulista, em especial aquela que utiliza a rede pública de ensino , mostra que pode ser protagonista quando o assunto é discutir os rumos da Educação. Instigados pelo sentimento de descaso por parte da Secretaria Estadual da Educação, que anunciou em setembro a reorganização da rede sem consultar a comunidade escolar, os estudantes iniciaram protesto pacífico e maduro de ocupação das unidades de ensino. O movimento ganha força a cada dia, ao passo que já chega a 190 o número de escolas ocupadas no Estado, sendo 23 no Grande ABC.

A manifestação, cuja iniciativa é reivindicada pela própria comunidade escolar – adolescentes com idade entre 12 e 19 anos e que, em sua maioria, nunca participaram de protestos –, conta com o respaldo da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) e apoio de entidades como o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto), Central de Movimentos Populares e Umes (União Municipal dos Estudantes Secundaristas). No entanto, a preocupação em não partidarizar a discussão é unânime. “Vários políticos vêm nos procurar para oferecer ajuda, mas não aceitamos porque queremos que seja uma manifestação apartidária. Entrar nessa onda de partido tiraria a credibilidade”, considera o aluno do 3º ano do Ensino Médio da EE José Carlos Antunes, na Vila Luzita, em Santo André, Vitor Ledier, 18 anos.

Auxiliados pelo Manual de Mobilização e Ocupação de Escolas, criado pela Rede Emancipa e seguido pelos estudantes, os jovens se mantêm organizados. A cartilha, inspirada em documento feito por alunos do Chile durante movimento estudantil em 2011/2012, destaca a importância de assembleias para garantir que as decisões sejam tomadas de forma democrática. Além disso, existe a preocupação com o cuidado do espaço, por isso a divisão dos alunos em comissões como limpeza, segurança, comunicação. Outra necessidade é a manutenção de atividades gratuitas para a comunidade, como saraus, oficinas e debates.

Embora tenha como pauta inicial a reorganização, o movimento se propõe a discutir o papel da escola na sociedade e a qualidade da Educação, analisa o coordenador da Rede Emancipa, Rodrigo dos Santos Silva, 20, ex-aluno da EE Filinto Muller, em Diadema. “Já se começa a discutir questões mais amplas, como a eleição de diretores de forma direta (e não nomeados pela diretoria de ensino) e a participação da comunidade escolar no processo de tomada de decisões, o que não ocorre hoje.”

“Fico até emocionada em falar sobre isso. A ocupação das escolas é uma aula de cidadania. Ninguém nos incentivou a estar aqui e hoje estamos fazendo história”, destaca a estudante do 2º ano do Ensino Médio da EE Diadema Rafaela Boani, 16. A unidade foi a primeira do Estado a ser ocupada pelos jovens, no dia 9 de novembro, e já derrubou três pedidos de reintegração de posse. “Pensar que adolescentes com 14, 15, 16 anos estão servindo de exemplo só mostra que somos capazes de fazer tudo o que quisermos. Vamos vencer pelo cansaço”, acredita.

O aluno do 3º ano do Ensino Médio da EE Marta Teresinha Rosa, no Jardim Itapark, em Mauá, Rafael Rachel, 19, compartilha da ideia de que os jovens são capazes de fazer parte de todas as decisões da sociedade e mostra entusiasmo ao falar sobre o assunto. “Esse é só o primeiro passo que estamos dando. Vamos fazer muito mais pelo País.”

HISTÓRIA

Diferentemente dos movimentos estudantis das décadas de 1960 e 1970, que acreditavam na organização de partidos políticos e na tomada do poder para que as mudanças fossem possíveis, a juventude atual crê na transformação da sociedade pela base, a partir da reivindicação dos direitos, destaca a professora do curso de Pedagogia no campo da didática e da Sociologia da FSA (Fundação Santo André) Marilena Nakano. “O descrédito das instituições políticas do País os leva a querer fazer política sem estar no poder.”

Para a especialista, a juventude brasileira, em especial a paulista, já tinha mostrado sua cara em 2013, com o movimento pelo passe livre escolar. “Isso resultou em uma agenda grande de reivindicações, e a Educação é uma delas”, diz.

Doutora em Educação e coordenadora do Núcleo de Trabalhos Comunitários da PUC (Pontifícia Universidade Católica), Maria Stela Santos Graciani acredita no surgimento de um novo sentido para a função da escola no mundo. “O resultado deste movimento é uma juventude operante, com novos valores e perspectivas e capaz de transformar a realidade.”

Após acompanhar de perto seu pai na resistência contra a ditadura militar (1964-1985), a dona de casa Ivone Isabel Santos, 41, se diz surpresa com o atual movimento dos estudantes contra a reorganização escolar. Desde que sua filha decidiu participar, no dia 23, da ocupação da EE Marta Teresinha Rosa, em Mauá, a mãe vem dedicando todo seu tempo para ajudar os alunos. “Achava que nunca mais ia ver essa mobilização de jovens na luta por seus direitos. Isso me emociona.”

Proposta do Estado para reorganização pode terminar o ano com pendências

A pouco mais de um mês do fim do ano, a proposta da Secretaria Estadual da Educação para a reorganização de ciclos ainda gera incerteza para alunos, pais e professores. Com 190 escolas ocupadas, Estado e estudantes continuam brigando na Justiça para definir os rumos do projeto, que será implantado já em 2016.

Desde que o governo apresentou a proposta do fechamento de 93 escolas no Estado, sendo seis no Grande ABC, entidades e comunidade escolar lutam pela revisão do plano. O movimento surpreendeu o secretário de Educação, Herman Voorwald, que se disse aberto a diálogo com alunos.

Para a professora Lisete Arelaro, da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo), os jovens conseguiram forçar o Estado a debater a proposta. “Depois das ocupações, o governo vai precisar rever muitos pontos, incluindo reivindicações sobre estrutura das instituições e método de ensino.”

Quem somos

Nome: Rafael Rachel

Idade: 19 anos

Série: 3º ano do EM

Posicionamento: Apartidário

Futuro: Engenheiro Químico

Mãe: Vendedora

Pai: Mecânico

“As ocupações mostraram o poder que nós, jovens, temos na sociedade e, principalmente, na escola”

Rafaela Boan

Idade: 16 anos

Série: 2º ano do EM

Posicionamento: Apartidária

Futuro: Direito

Mãe: administradora

Pai: adestrador de cães

“Este movimento me fez acreditar que somos capazes de lutar pelo que queremos”

Vitor Ledier

Idade: 18 anos

Série: 3º ano do EM

Posicionamento: Apartidário

Futuro: Arquitetura

Mãe: técnica em enfermagem

Pai: técnico em manutenção

“Sempre tive curiosidade pela política, mas, infelizmente, o tema não é discutido na escola”

Danielle Vieira

Idade: 14 anos

Série: 8º ano do EF

Posicionamento: Apartidária

Futuro: Arquitetura

Mãe: Cabeleireira

Pai: Corretor

“Se a gente conseguir reverter a reorganização, podemos fazer muito mais pelo País”

Rafael Paulino

Idade: 17 anos

Série: 3º ano do EM

Posicionamento: Apartidário

Futuro: Militar

Mãe: funcionária pública

Pai: frentista

“Queremos mostrar que a mudança pode vir de dentro e que é preciso pensar no próximo” 




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