Cultura & Lazer Titulo
Cobaias Humanas
Por Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
14/10/2005 | 08:24
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Mesmo quem dedica ceticismo às questões do destino não duvidaria que Fernando Meirelles, na seqüência do sucesso internacional e das indicações ao Oscar de seu Cidade de Deus, tinha uma vaga reservada no cinema produzido e financiado pelas bandas do G-8. O Jardineiro Fiel é a prova material da inevitabilidade, tanto quanto Diários de Motocicleta e Água Negra são para Walter Salles. Produzido na Inglaterra com um orçamento estimado em US$ 25 milhões e filmado em locações no Quênia, no Canadá, na Inglaterra e na Alemanha, o filme é a estréia de Meirelles no mercado de produção internacional. Se é o primeiro de muitos, ou pérola solitária, só o tempo dirá.

Lá fora, a recepção crítica não poderia ter sido mais acolhedora. Na imprensa norte-americana, O Jardineiro Fiel foi considerado "uma obra-prima de suspense, romance e intriga política"; quando não "um thriller que deslumbra os olhos e estimula o cérebro"; ou ainda "uma pancada emocional que o espectador não esquecerá tão cedo". É importante uma amostragem como essa, porque parte do cinema de Meirelles, em especial Cidade de Deus, consiste em balancear uma tradição formal de além-mar para lidar com ministérios internos (o faroeste e a favela, em termos rasos).

O Jardineiro é adaptação de romance de John Le Carré, escritor que aos 73 anos já forneceu poucas e boas histórias de conspirações internacionais e intrigas para filmes como O Espião que Veio do Frio (1965), A Casa da Rússia (1990) e O Alfaiate do Panamá (2001). No filme de Meirelles, Justin (Ralph Fiennes) trabalha para o governo britânico e se envolve com a ativista Tessa (Rachel Weisz). Ele segue em missão diplomática para o Quênia (África), cujas favelas Meirelles filma com a propriedade estetizante de Cidade de Deus, e ela insiste em acompanhá-lo. Na estadia do casal, Tessa testemunha um assassinato e aparece morta instantes depois. Na correspondência da namorada, Justin descobre um e-mail que sugere a infidelidade da moça. Entretanto, o quebra-cabeças carece de peças para ser concluído. Cabreiro, Justin persegue a verdade sobre a índole de sua amante e acaba por cutucar um vespeiro maior que a viga que o sustenta. A indústria farmacêutica, desculpada por distribuir remédios que controlam a aids em território africano, tem usado a população da periferia queniana como cobaias de medicamentos experimentais.

Meirelles parte de uma intriga pessoal para uma global e procura a prioridade narrativa. Exerce um cinema "fragmentário", cacoete técnico derivado de Tarantino, mas que em O Jardineiro Fiel encontra sua razão de ser num misto de thriller e romance ponderado por flash-backs e por pontos de vista (vide o constante emprego da câmera subjetiva de Justin, operada por Fiennes no set de filmagens). O filme, a propósito, é exatamente isso: um conflito de perspectivas, de testemunhos, dentro do qual as suposições valem mais que as certezas.

O JARDINEIRO FIEL (The Constant Gardener, Inglaterra, 2005). Dir.: Fernando Meirelles. Com Ralph Fiennes, Rachel Weisz, Pete Postlethwaite, Bill Nighy. Estréia nesta sexta-feira no ABC Plaza 5, Shopping ABC 2, Extra Anchieta 6, Central Plaza 8 e circuito. Duração: 129 minutos. Censura: 14 anos.




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