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Ruído do universo chega à TV
Por Thyrso Villela Neto*
11/01/2010 | 07:00
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Quando ligamos a TV e deixamos o aparelho em um canal em que não haja transmissão, um chuvisco aparecerá na tela, e um chiado será ouvido no alto-falante. Certo? Cerca de 1% desse ruído, conhecido como radiação cósmica de fundo em micro-ondas, está presente em todos os lugares do universo, independentemente da direção em que observamos o céu, e viajou desde os primeiros instantes do universo para chegar até nossos aparelhos.

Nas últimas décadas, graças às observações dessa radiação, a astronomia e a física sofreram avanços espetaculares. Mas o que é esse ruído? Como ele foi descoberto? Qual é a importância dele para a astronomia?

A radiação cósmica de fundo em micro-ondas (RCFM) é um ruído de origem cosmológica que pode ser observado hoje em todo o céu. Ela, portanto, chega à Terra vinda de todas as direções do espaço, e pode ser entendida como um ‘fóssil' de uma época em que o universo ainda era muito jovem - muito antes de surgirem as primeiras galáxias.

Retrato da infância - A RCFM é uma das mais poderosas ferramentas de estudo da cosmologia. Nenhum outro dado astronômico revela um passado mais remoto, nem mesmo as observações de galáxias e dos quasares mais distantes.

Os astrofísicos buscam medir propriedades da RCFM para entender o que aconteceu no início do universo. Essas medidas são feitas por experimentos que observam o céu na faixa de micro-ondas, com instrumentos que efetuam essas medidas no solo (em geral, em locais de altas altitudes) ou no espaço (a bordo de satélites, foguetes e balões estratosféricos).

A RCFM tem temperatura de aproximadamente 2,7 kelvin. Como ela é observada em todas as direções, podemos deduzir que a temperatura média do universo hoje é também 2,7 kelvin.

Qualquer perturbação que a matéria tenha sofrido no início do universo foi também sentida pela RCFM, devido ao fato de essas duas componentes terem estado fortemente acopladas. Portanto, é natural pensar que as perturbações (ou variações) na temperatura da RCFM (isto é, desvios do espectro original dessa radiação) possam nos dar pistas sobre os processos físicos que reinaram no universo primordial e que levaram à formação das estruturas de matéria. Essa é uma ideia interessante, porque não temos uma maneira direta de investigar esses processos.

Essas estruturas já estão formadas, e não temos outro acesso ao início do universo a não ser por meio de estudos de pequenos desvios da temperatura na RCFM.

Sensibilidade e precisão - Observações da RCFM só foram possíveis depois de ter sido aperfeiçoada a tecnologia de detecção desse tipo de onda eletromagnética. Essas observações estavam mostrando que a RCFM tinha realmente origem cosmológica, mas faltava a prova definitiva: o retrato do universo primordial impresso nas pequenas flutuações de temperatura da RCFM, que nos revelaria o que teria acontecido com a matéria.

A detecção de flutuações de temperatura da RCFM foi feita em 1992. Essas flutuações são da ordem de microkelvin (milionésimos de grau centígrado). Essa descoberta foi considerada uma das mais importantes da ciência recente e teve profundo impacto na cosmologia, pois, pela primeira vez, revelava como era o universo há mais de 13 bilhões de anos.

Embora notáveis, os resultados dessa detecção apresentavam uma limitação: os dados não permitiam que fossem obtidas informações sobre o processo de formação de galáxias - só foi possível se ter ideia de como eram as grandes estruturas. Por isso, outros experimentos, operando no solo, a bordo de balões e satélites, começaram a medir flutuações de temperatura da RCFM em uma grande faixa de frequências, com grande sensibilidade.

Grandes desafios - Nas últimas décadas, graças às observações da RCFM, a astronomia e, consequentemente, toda a física sofreram avanço espetacular. Os grandes desafios que a natureza nos apresenta - e que no início do século passado estavam ligados ao mundo microscópico - estão hoje relacionados às grandes escalas do universo.

E a RCFM continua nos ajudando a superar esses desafios!

*Thyrso Villela Neto - Divisão de Astrofísica, Coordenação Geral de Ciências Espaciais e Atmosféricas, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (São José dos Campos, SP)




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