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Dez anos sem Luiz Tortorello

Com visão de marketing e gestão, prefeito foi grande
responsável por colocar São Caetano no mapa mundi

Por Beto Silva
Do Diário do Grande ABC
14/12/2014 | 07:00
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Dia 17 de dezembro de 2004. Morria aos 67 anos Luiz Olinto Tortorello, então prefeito de São Caetano pelo PTB. Após dez anos, o político que misturava a humildade caipira com a rigidez de coronel ainda deixa saudade na população que o elegeu para três mandatos. Tortorello colocou São Caetano no mapa mundi por conta do avanço de duas frentes: qualidade de vida oferecida aos moradores (maior Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil, segundo a ONU) e Esporte (AD São Caetano, que ele fundou há 25 anos, desbravou o continente e ficou conhecida internacionalmente com a campanha na Copa Libertadores da América de 2002).

Foram 11 anos, 11 meses e 17 dias de gestão, suficientes para desbancar, com seu carisma e capacidade administrativa, caciques que dominavam a política da cidade e tinham aprovação popular, como os ex-chefes do Executivo Walter Braido (1965 a 1969, 1973 a 1977 e 1983 a 1988), Anacleto Campanella (1953 a 1957 e 1961 a 1965) e Oswaldo Samuel Massei (1957 a 1961 e 1969 a 1973).

Nascido em Matão, em 15 de abril de 1937, foi um dos poucos políticos brasileiros a transitar pelos três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. Foi advogado, professor e juiz de direito. Vereador em Matão e em São Joaquim da Barra. Deputado estadual em 1987 e 1988. Assumiu a Prefeitura são-caetanense pela primeira vez em 1989 e ficou até 1992. Voltou em 1997 e foi reeleito para seu terceiro e último mandato que começou em 2001, mas não terminou. Deu pitacos de técnico de futebol, ao acompanhar treinos e jogos do Azulão, e foi apresentador de uma TV local.

Chegou a São Caetano por indicação de um familiar, que era escrivão da Polícia Civil no município. Ele via no parente a possibilidade de indicações de serviços advocatícios na área criminal. Trabalhou muito mais do que isso. Dedicou-se ao desenvolvimento da cidade e caiu nas graças do povo.

Em suas mãos, todos os setores avançaram. Da Educação à Economia. Da Segurança ao Social. Da Saúde ao lazer. Foi o prefeito que mais se identificou com a história local. Sua ligação com o município era como batuque e dança. Uma parceria que, previa-se, não teria fim.

Iniciou o processo de municipalização das escolas de Ensino Fundamental. Deu atenção especial à Educação Infantil. Investiu em informático, o que rendeu o título de ‘cidade digital’. Montou uma orquestra filarmônica de referência e alavancou o setor Cultural da cidade. Deu vida a um Conselho de Desenvolvimento Econômico atuante. Baixou a alíquota do ISS (Imposto sobre Serviços), atraiu empresas para a cidade e elevou a arrecadação. Disponibilizou serviços de Saúde de qualidade. Pagou salários extras a policiais militares e equipou a Guarda Civil Municipal. Ofereceu atividades diferenciadas aos integrantes da terceira idade. Voltou os olhos para as entidades assistenciais. Reformou praças. Espalhou monumentos e estátuas por todos os lados.

Montou equipes esportivas imbatíveis em quase todas as modalidades, as quais renderam títulos e mais títulos dos Jogos Abertos do Interior. Também teve a ousadia de fundar um novo clube de futebol profissional na cidade, a AD São Caetano, passando por cima do tradicional Saad Esporte Clube. A criação de um e a extinção ocorreram no mesmo ano: 1989.

Nenhuma área ficou descoberta. A cidade, que já vinha num rumo evolutivo, ganhou ares interioranos aliados aos ventos da modernidade. Com sua visão de marketing e crescimento dos índices sociais, não deu outra: São Caetano foi considerada a melhor cidade do Brasil para se morar.
Com sua capacidade de aglutinação, manteve um grupo político coeso. Não deu chance para o principal rival político, o PT, chegar perto do comando da cidade.

Dono de uma oratória invejável e estilo bonachão inconfundível, Tortorello usava a retórica de palavras simples e frases objetivas para persuadir seguidores. Dos menos favorecidos aos mais abastados. Sua aprovação era superior a 80% da população. Talvez por isso tenha exagerado em algumas atitudes administrativas.

Sua imagem parecia ser blindada. Nada nem ninguém parecia ser capaz de parar a carreira política de uma das figuras mais destacadas que o Grande ABC já teve. O voo mais alto já tinha plano traçado: ser governador de São Paulo. A candidatura já estava acordada para 2006, dois anos após deixar o Palácio da Cerâmica, o qual construiu no início da década de 1990.

Mas seu corpo foi acometido por uma enfermidade que o levou em três meses. Câncer gástrico. Devastador. Sua última internação durou 31 dias ininterruptos. Saiu do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, na tarde do dia 17 de dezembro de 2004 apenas para ser velado e enterrado no dia seguinte.

Quis o destino que Luiz Olinto Tortorello morresse em pleno exercício do mandato (faltavam 14 dias para encerrar a terceira gestão), para nunca ser chamado de ex-prefeito. Será sempre prefeito. Longe de ser perfeito. Diferenciado, sim. Tinha até mordomo.

Dizem que político quando morre vira santo. No início de 2010, seis anos após sua morte, apareceu uma faixa na grade da Capela Santa Rita de Cássia com os dizeres: “Agradeço a Luiz Olinto Tortorello a graça alcançada”.

Queria ser presidente do Palmeiras; criou o Azulão

Luiz Tortorello queria ser presidente do Palmeiras, clube pelo qual era apaixonado, fanático. Ele chegou a fazer reuniões, tentou montar um grupo, conversou com algumas pessoas influentes, mas os italianos que dirigem o antigo Palestra não deixaram a vontade do prefeito virar realidade. Foi então que o político resolveu fundar o próprio clube para ganhar os jogos do Verdão. Surgia ali a AD São Caetano.

A história que ficou hibernada por mais de duas décadas é revelada pelo mordomo James. “Tortorello gostaria de ser presidente do Palmeiras. A italianada não deixou. Ele criou o Azulão para bater no Palmeiras”, conta o servidor.

E, de fato, o esquadrão são-caetanense foi pedra no sapato do alviverde enquanto o prefeito esteve vivo. Foram cinco jogos entre os times no Estádio Anacleto Campanella. Três vitórias, um empate e apenas uma derrota em casa.

O amigo Lalau expõe outro segredo sobre a relação do político com equipe. O mascote do clube, o azulão, surgiu inspirado nas pescarias que Tortorello fazia no Mato Grosso. As margens do rio eram forradas de pássaros dessa espécie. O time ainda não tinha a cor do uniforme estabelecida. Já havia usado branco e vermelho. Numa das primeiras partidas em que os jogadores vestiram azul, logo houve a conexão. “Alguém disse que os atletas enfileirados eram semelhantes aos azulões que apareciam nas pescarias. Tortorello concordou e respondeu: “Está aí, o mascote vai ser o azulão’”, relata Lalau.

James, o mordomo do prefeito, mal sabia a solicitação inusitada que viria em seguida. “Ele pediu para me vestir de mascote e entrar em campo com o time nos jogos. Pouca gente sabe, mas o primeiro mascote do São Caetano fui eu”, conta, às gargalhadas.

Outra passagem curiosa, essa de conhecimento geral, que envolve Tortorello e a “AD”, como gostava de chamar a agremiação foi na criação do clube. Ele deu entrada na papelada na FPF (Federação Paulista de Futebol), mas recebeu resposta negativa, porque a entidade esportiva teria de ter disputado ao menos um campeonato amador no último ano. O prefeito, então, fundiu seu futuro clube com o Jabaquara, do bairro Prosperidade, que há muito tempo disputava a várzea. Logo após conseguir oficializar a Associação Desportiva São Caetano na federação, separou as entidades e o Jabaquara seguiu seu caminho. “Ele era muito inteligente. Sabia usar as artimanhas jurídicas”, afirma Lalau, achando graça.

LIBERTADORES
Onze anos depois de ser fundado e quatro anos antes de Tortorello morrer, a AD São Caetano encantou o Brasil e foi vice-campeão da Copa João Havelange de 2000, como foi chamado o campeonato brasileiro daquele ano. Dois anos mais tarde, o Azulão surpreendia a América ao ser segundo colocado na Libertadores.

Num dos treinos do time nas fases finais do principal torneio sul-americano, Tortorello se reuniu na beira do campo com os jogadores e prometeu um carro para cada um se fossem campeões. Os veículos não saíram do pátio da GM. E o vice-campeonato sempre estará presente na lembrança dos torcedores.

Continuidade da carreira política estava traçada: ser governador de SP

Passados dez anos da morte de Luiz Tortorello, familiares, amigos e pessoas que tiveram íntima relação com ele garantem: o prefeito seria governador de São Paulo. Uma década atrás, porém, o assunto era tabu. Praticamente não se falava publicamente sobre isso.

O tempo passou. Hoje, Antônio de Pádua Tortorello, irmão de Luiz e assessor direto do então chefe do Executivo, o homem dos bastidores das três gestões, garante que já havia partido definido para a empreitada eleitoral. “Estava tudo amarrado. Seria pelo PDT na eleição seguinte (2006). As conversas com o pessoal do partido em Brasília já estavam fechadas.”

“Ele queria e seria governador. Ele dobrava qualquer um”, frisa Wenceslau Teixeira, o Lalau, que veio com Tortorello do Interior para São Caetano. “Vai deixar um vazio para sempre. Ninguém vai substitui-lo”, completa o amigo e compadre, que foi secretário de Serviços Municipais e diretor do DAE (Departamento de Água e Esgoto).

Motorista de Tortorello, Nicomedes Nogueira, o Nico, conta que, na saída do Palácio dos Bandeirantes após um evento oficial, o prefeito confidenciou a ele: “Vai se acostumando que nossa próxima casa será aqui. Mas, infelizmente, não deu tempo”, lamenta. “Quem perdeu foi a política do Brasil”, acrescenta.

O mordomo Florisvaldo Rocha, apelidado de James por Tortorello, também ouviu do patrão a intenção de comandar o Estado. “Chegaram a cogitar de ser senador, mas ele não queria. Dizia que em Brasília ficaria longe da cidade. O sonho dele era ser governador”, salienta.

“Ele seria governador paulista, com certeza. Numa das últimas reuniões que tivemos, em que ele já estava doente, diante de algumas pessoas ele nos disse: ‘Eu vou ser governador. Cuidem da cidade, que eu vou voltar’”, discorre o vereador Jorge Salgado (Pros), um dos aliados mais próximos de Tortorello. O parlamentar ressalta que um dos principais ensinamentos deixados pelo prefeito foi “não ter vaidade, que hoje impera na cidade, infelizmente”. Salgado aponta ainda o espírito benevolente. “Ele queria plantar arroz no Mato Grosso (onde tinha fazenda) e dar para o povo”, lembra Salgado, que levou água de coco e caldo de mocotó ao petebista quando ele estava internado. “Muita gente dizia que ele não estava bem, mas nós sabíamos que naquele momento estava. O que fizemos e o que falávamos era tudo verdade”, reitera.

Quem sabe não desbancaria José Serra (PSDB), vencedor daquela eleição? Nunca saberemos. Certo é que as administrações exercidas em São Caetano e o patamar alcançado pela cidade seriam vitrine da propaganda eleitoral. 




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