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Sobra água, falta gerenciamento

A cidade de Sorocaba, só para citar um exemplo, com seus 600 mil habitantes, consumiu em 2010 cerca de 35,8 milhões de metros cúbicos de água tratada

Por Wilson Marini
24/03/2011 | 00:00
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A cidade de Sorocaba, só para citar um exemplo, com seus 600 mil habitantes, consumiu em 2010 cerca de 35,8 milhões de metros cúbicos (ou 35,8 bilhões de litros) de água tratada. É muita água? Depende a ótica. É preciso contextualizar.

Somente o Aquífero Guarani, a principal reserva de água doce da América do Sul, pode fornecer 43 trilhões de metros cúbicos por ano, o suficiente para abastecer de forma sustentável cerca de 500 milhões de habitantes. Como comparação, dos atuais 186 milhões de habitantes, o Brasil chegaria a 2050 com um total de 220 milhões, segundo projeção do economista Delfim Netto. Num exercício de imaginação, o País poderia ainda dobrar a população depois disso que o aquífero daria conta do recado.

Em seu gigantismo, ele se estende por parte do subsolo de São Paulo e de outros sete Estados brasileiros (Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). Sua área total é de 1,19 milhão de quilômetros quadrados e atinge ainda partes dos territórios do Uruguai, Paraguai e Argentina.

Haja água!

Claro que, por limitação geográfica, apenas uma parte do território brasileiro pode ser beneficiada por este aquífero. Mas existem outras reservas. Os números são expostos dessa forma para se fazer um comparativo em relação à riqueza dos recursos naturais e ao vastíssimo potencial das águas subterrâneas.

Ação humana

Pelo menos no Brasil, o maior problema para garantir o abastecimento de água nesta década não é a limitação de oferta para captação e tratamento, tampouco o desperdício da população ou os vazamentos nas redes. O grande desafio é o gerenciamento eficaz do uso desses mananciais. A contaminação é um dos fatores. Além da falta de tratamento de esgotos, em diversas áreas com densa exploração agrícola de São Paulo o Aquífero Guarani sofre os efeitos de agrotóxicos que se infiltram junto com a água das chuvas. E a crescente perfuração de poços artesianos tem levado a alterações na formação de subsolo que podem levar no futuro a medidas restritivas de uso.

Previsão

A propósito do Dia Mundial da Água, comemorado terça-feira, a ANA (Agência Nacional de Águas) divulgou que mais da metade dos municípios brasileiros poderá ter problemas de abastecimento nos próximos anos. Ao avaliar a oferta e o crescimento de demanda de água no País, a entidade concluiu que o Brasil precisará investir R$ 70 bilhões para assegurar o fornecimento de água tratada até 2025.

A pior situação está no Nordeste, mas no Estado de São Paulo a situação também é crítica: 64% dos municípios têm gargalos de abastecimento, segundo a ANA. Isso significa que se a infraestrutura não acompanhar o crescimento populacional, e consequente elevação do consumo, boa parte da população brasileira terá de conviver com períodos de crise no abastecimento, com racionamento ou simplesmente falta de água nas torneiras. E isso tudo, paradoxalmente, com fartura de água no subsolo.

Esgoto

O cenário é de muita preocupação entre ambientalistas. Em Bauru, o presidente da Organização Não Governamental Desafio de Sustentatibilidade, Kláudio Cóffani, afirmou ao Jornal da Cidade que a falta de tratamento do esgoto da cidade é a principal causa da degradação dos recursos hídricos do município. "Há 50 anos, os rios de Bauru tinham água potável. Agora, são quase 400 mil pessoas produzindo 200 mil litros de urina e 100 mil quilos de fezes todos os dias. Tudo isso é jogado diretamente em nossos rios". O quadro é o mesmo na maioria das cidades paulistas.

Sustentabilidade

Na década de 1990, o geógrafo Tony Allan criou o conceito de ‘água invisível' - aquela que é retirada do planeta, é consumida e ‘não aparece'. Quando se toma uma simples xícara de café, por exemplo, é bom lembrar que ‘gastamos' também 140 litros, segundo o cálculo da água necessária em toda a cadeia produtiva, do plantio na lavoura ao processamento industrial. Um quilo de carne exige 15.497 litros. Uma calça jeans (algodão) pede 11 mil litros. Alertas desse tipo alimentam polêmicas e servem a radicalismos, como a oposição entre vegetarianos e consumidores de carne bovina.

Mas cada vez mais é necessário fazer contas para se avaliar a dimensão dos desafios da sobrevivência humana neste século 21. Nenhum governante possui a solução mágica para assegurar o fornecimento de água nas próximas décadas. Há apenas um consenso: nada mudará em relação à água sem a conscientização da população sobre o seu uso consciente.




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