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O cubismo e a teoria da relatividade
Por Especial para o Diário
19/10/2009 | 07:06
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A nova visão de mundo surgida no início do século 20 com o anúncio de teorias como a da relatividade, do físico alemão Albert Einstein, mexeu com o imaginário popular da época e influenciou até as artes plásticas. Ideias revolucionárias trazidas pelos cientistas serviram de estopim ao movimento cubista, que levou pintores como Pablo Picasso a inventar uma estética multidimensional, mudando os rumos da arte.

A teoria da relatividade despertou grande curiosidade ao ser divulgada em 1905, mesmo entre a população comum. Um conceito derivado dessa teoria é o de que o tempo seria uma dimensão adicional às três dimensões do espaço. Essa impossibilidade de separar espaço e tempo foi formalizada, como teoria, em 1908, em trabalho do matemático lituano Hermann Minkowski (1864-1909), que havia sido professor de Einstein na Suíça, e ficou popularmente conhecida - ainda que de modo inadequado - como ‘quarta dimensão'.

No espaço-tempo com quatro dimensões (a chamada quadridimensionalidade), como a velocidade da luz é sempre igual, a distância e a duração de qualquer evento serão determinadas, para cada observador, conforme a velocidade relativa entre ele e o evento.

Para dois observadores que estejam se movendo em velocidades diferentes, por exemplo, um mesmo evento acontecerá a distâncias e com durações distintas. As diferenças entre os observadores, no entanto, só são perceptíveis se um observador estiver em repouso e o outro estiver se movendo em velocidade próxima à da luz.

NOVAS IDEIAS
Por que conceitos científicos de tão difícil compreensão despertaram tanta curiosidade na população? O mais provável é que a causa tenha sido o clima de efervescência cultural da época, já que, entre o final do século 19 e o início do século 20, uma sequência de avanços alterou radicalmente a vida das pessoas - como a criação dos motores a combustão interna e a diesel; da eletricidade do automóvel e do aeroplano; do telefone e da máquina de escrever. Inovações que levaram, em curto espaço de tempo, ao surgimento das grandes metrópoles, como Londres e Paris.

Foi nesse ambiente que muitos artistas se empenharam para descobrir soluções plásticas que tivessem analogia com os novos conceitos científicos. E entre eles destacaram-se os cubistas, grupo de pintores que dominou a cena artística parisiense entre 1907 e 1914 e que teve como seus principais expoentes o espanhol Pablo Picasso (1881-1973) e o francês Georges Braque (1882-1963).

Mas, como representar, com os recursos artísticos da época, fenômenos que só podiam ser abordados por complexas fórmulas matemáticas? A solução encontrada pelos cubistas, no caso, foi recorrer ao conceito de quarta dimensão. O francês Jean Metzinger (1883-1957), pintor e teórico do cubismo, relata no livro O cubismo nasceu, de 1913, que coube ao matemático Maurice Princet (1875-1973), também francês, expor aos artistas esse conceito: "Com frequência, Maurice Princet juntava-se a nós. (...) era como artista que ele concebia as matemáticas (...). Adorava despertar o interesse dos pintores para as novas ideias sobre o espaço (...) Quanto a Picasso, a rapidez de sua compreensão maravilhava o especialista."

DIÁLOGO ARTE-CIÊNCIA
Para compreender a inovação de estilo na pintura pela introdução da ideia de ‘n' dimensões, é conveniente apresentar um breve histórico da arte cubista, a partir do quadro tido, unanimemente, como a obra fundadora do movimento, As senhoritas de Avignon, pintada por Picasso em 1907. Esse quadro - mais especificamente a figura feminina sentada, no lado direito - foi o estopim que deflagrou a revolução cubista.

Observando essa figura, nota-se que ela está representada de costas, com as pernas abertas e paralelas ao plano da tela, mas sua face está voltada para o espectador. Sob o seu braço esquerdo, que está apoiado no joelho, vê-se parte de um dos seios, indicando que o tórax está representado em ângulo diferente da posição das pernas e do rosto. Assim, três pontos de vista diferentes concorrem para a composição da figura feminina. É como se o artista a tivesse representado a partir de vários ângulos, dando ao espectador a oportunidade de conhecer aspectos que só seriam visíveis caso pudesse se mover em torno da figura ou se ela pudesse ser girada. Impõe-se assim, a noção de movimento como elemento da estrutura da figura.

Dá-se na pintura fenômeno idêntico ao da quadridimensionalidade. Introduzido nos quadros, esse conceito de quarta dimensão foi fundamental na determinação do modo como os cubistas abordaram a partir de então a dimensão temporal em suas obras. A pintura cubista, portanto, é o testemunho do diálogo travado entre arte e ciência nos primeiros anos do século 20, fruto do entusiasmo gerado pela sequência de descobertas científicas ocorridas no período, de tal modo que, segundo o filósofo francês Luc Ferry, "os pintores tinham a sensação de que uma nova era da ciência vinha legitimar uma nova era da pintura". Não há dúvida de que as inovações estéticas do cubismo constituíram os fundamentos daquela que seria a linguagem por excelência da cultura moderna: a linguagem do espaço-tempo. (José Marcos Romão da Silva, da Universidade Estadual Paulista -campus de Bauru)




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