É possível explicar simplificadamente a taxa de letalidade de uma doença como sendo o percentual de mortes que o agente agressor provoca dentro do número total de diagnosticados, enquanto a taxa de mortalidade se refere à quantidade de mortes que esta moléstia causa em um numérico populacional.
Vê-se que não à toa existe enorme confusão na divulgação desses índices e fica fácil entender que para a Covid-19 (assim como para outras patologias infecciosas) quanto mais uma população é investigada, maior a variação na taxa de letalidade e diante de tantas diferentes estratégias, entre as várias instituições pelo mundo, esse número flutuará grandemente.
Por isso, a estimativa da letalidade proveniente da Covid-19 é bastante variável a depender das fontes, oscilando entre 0,5% até absurdos 25%, contudo, talvez a verdade percentual esteja entre 0,5% e 1,5%.
Os protocolos farmacológicos milagrosos, criados por alguns e divulgados por muitos, se perpetuam à luz destas estatísticas, pois, se um em 100 infectados evolui para óbito (em uma projeção ruim), qualquer agregado de medicamentos, de chás, ou de orações, possui 99% de probabilidade de (pseudo) sucesso no apanhado geral de casos.
Notadamente o antimalárico cloroquina e o medicamento para tratamento de escabiose (sarna humana) e infestação por piolhos, a ivermectina, fizeram parte das esperanças de cura da infecção pelo Sars-CoV-2. O fato de estas drogas, em estudos laboratoriais, demonstrarem proteção celular contra a invasão viral suscitou uma justa expectativa em seus usos terapêuticos nesta doença e deflagrou milhares de estudos por todo o mundo buscando comprovar suas eficácias.
Porém, infelizmente, as conclusões científicas das pesquisas não chancelam a eficácia destas (e outras) drogas e dados recentes atestam que eventualmente podem acarretar a morte de seus usuários. Sabemos agora que a cloroquina pode matar por arritmias e possivelmente por microtromboses, enquanto a ivermectina elimina suas vítimas por destruir seus fígados.
A supracitada probabilidade de 99 a cada 100 diagnosticados sobreviverem à Covid-19, faz todos os dias surgirem novas poções mágicas ditas salvadoras, em um moto-contínuo angustiante e triste, que envolve deduções pessoais cerzidas em vestes políticas.
Mais inexplicável do que enfrentar a ciência por demonstrar a ineficácia terapêutica destes fármacos, é fomentar a utilização destas substâncias para prevenir o contágio, promovendo exposição crônica a agentes químicos baseada em credos próprios e suposições descartadas por meticulosos estudos clínicos.
Afinal, estamos de que lado da trincheira?
Antonio Carlos do Nascimento é doutor em endocrinologia pela Faculdade de Medicina da USP e membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.
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