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‘Sou fiel a ideais humanitários’
Por Vinícius Castelli
Do Diário do Grande ABC
28/03/2018 | 07:00
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Nario Barbosa/DGABC


Autora de mais de 20 obras, entre poesia, crônica, diário, ensaio, sendo a primeira delas Lições de Tempo, lançada em 1982, a portuguesa da Ilha da Madeira radicada em Santo André Dalila Teles Veras, 71, é mãe de três filhas, Carolina, Isabela e Alice.

É criadora e principal responsável pela Alpharrabio Livraria e Editora, espaço que nasceu há 26 anos e, mais do que local para compra de livros, se tornou ponto de encontro de amantes da literatura, pensadores e, acima de tudo, de gente que quer e gosta de debater arte e Cultura.

Dalila Teles Veras e o Diário
Dalila lembra-se de o Diário, em 1982, ano em que a escritora publicou seu primeiro livro, Lições de Tempo, ter noticiado a informação. Leitora assídua de impressos, teve seu contato com o jornal antes disso, no ano de 1972, quando mudou-se de São Paulo para Santo André.

Suas principais atividades e todos os lançamentos de seus livros foram noticiados pelo Diário e isso, segundo ela, ajudou muito para divulgar sua obra e seu pensar na região. Mas sua relação com o jornal vai além. Entre os feitos, assinou por quatro anos a coluna Viaverbo, no caderno Cultura&Lazer.

A senhora nasceu em Portugal. Quando veio para o Brasil e o que provocou a mudança de país?
Nasci na cidade do Funchal, capital da Ilha da Madeira. Vim com minha família para o Brasil com 11 anos, em 1957. A Europa, como é de se imaginar, nesse período de pós-guerra, passava por grandes dificuldades econômicas e sociais, com poucas perspectivas de trabalho. Daí as grandes levas de emigração em busca de melhores oportunidades de trabalho. No caso dos portugueses, que emigraram para todas as partes do mundo, vieram em grande número para o Brasil, País que então representava o sonhado e idealizado eldorado. Primeiro, meu pai havia embarcado para a Venezuela, sozinho, deixando dois filhos e a mulher, minha mãe, grávida do terceiro, lá permanecendo por cinco anos, período em que amealhou economias que, no retorno, propiciaram a compra de uma casa no Funchal e de um pequeno comércio. Um ano depois, com irmãos e outros familiares no Brasil, meu pai vende a casa e todos os pertences e emigra para o Brasil, desta vez com toda família, deixando toda uma história de vida para trás e o desafio de um incerto recomeço que, diga-se, jamais é fácil.

Lembra-se qual o primeiro livro que a senhora leu ou o mais emblemático?
Não consigo lembrar do primeiro livro que li, mas muito me lembro dos poemas que lia ainda em Portugal e sabia recitar de cor, em especial nas festas escolares, como os de Augusto Gil e João de Deus, poetas portugueses muito lidos em Portugal e no Brasil. Quando cheguei ao Brasil já era uma leitora e nunca me apresentaram à literatura para a infância. Comecei pelos clássicos portugueses.

O que fez a literatura ser parte tão importante de sua vida e quando foi?
A leitura ou a paixão pela literatura não são explicáveis. Trata-se de paixão que, eu diria, é adquirida de forma solitária. Sim, já pensei diferente, ou seja, que uma boa Educação pode construir bons leitores, e ainda acredito que pode ajudar muito e seduzir para a leitura, mas hoje penso que não é fator preponderante. Quando leio as estatísticas sobre leitura – sempre desanimadoras –, gosto de pensar sobre que tipo de leitor está em questão? aquele que lê de forma meramente instrumental, como ferramenta profissional, aquele que lê como forma de lazer ou passatempo? ou, ainda, o que busca ajuda para seus problemas imediatos na chamada autoajuda que oferece solução para tudo? Quando penso em leitura, penso unicamente na literatura em todas as suas nuances de gênero – poesia, romance, contos, crônica, diários, memórias etc –, que requer certo ‘treino’ ou traquejo do leitor, uma vez que literatura é uma arte e como tal exige do seu autor a criação de uma linguagem apropriada que não é exatamente facilitadora. A literatura requer do leitor um certo ambiente de silêncio e reflexão, que a ‘leveza’ e o ‘descompromisso’ da chamada literatura de diversão não necessitam. A literatura, a boa literatura, não oferece soluções práticas para nada. Pelo contrário. Coloca em crise, faz pensar, mas também proporciona momentos de verdadeira epifania, em especial no quesito estético. Ler um bom poema é como olhar um bom quadro ou ouvir uma boa peça musical.

Quando começou a escrever?
Também não sei responder, mas, às vezes, tenho a impressão de que comecei por vontade própria, sem imposição escolar, desde que me alfabetizei. Trata-se de necessidade de expressão incontornável e isso remonta às calendas, no meu caso, que é o caso de uma mulher já bastante antiga. Entretanto, posso assegurar que o ato de ler é, para mim, mais importante que de escrever. Poderia parar de escrever, mas de ler, não, isso significaria a morte.

O que a literatura lhe trouxe de melhor?
Quase tudo. Não sou apenas o que vivi, mas, sobretudo, sou o amálgama do que li e, posso assegurar, não foi pouco.

Como escritora, amante da literatura e alguém que fomenta arte, qual seu maior sonho?
Não cultivo sonhos. Sou fiel a ideais humanitários e movida a ansiedades. Como vivo no Brasil, meu ideal humanitário é o de lutar por menos desigualdades sociais, sendo que a palavra, a dos outros e a minha, é uma de minhas melhores ferramentas nessa luta.

A senhora cuida, há 26 anos, da Alpharrabio. Como surgiu esse projeto?
Eu vinha da experiência riquíssima de dez anos do Grupo Livrespaço. A falta de um espaço onde a arte e ideias pudessem circular e, sobretudo, onde as pessoas pudessem se encontrar, era crucial. Os poetas do grupo reuniam-se semanalmente em suas próprias casas, revezando-as a cada semana. Com a constatação dessa lacuna, aliada à minha paixão pelos livros, surgiu a ideia desse espaço que, desde o início, foi idealizado para ser o lugar do encontro. A livraria daria o respaldo financeiro para sustentar a ação cultural, o que jamais aconteceu por incompetência comercial minha. Não se trata de lamúria, pois há muito tempo incorporei essa realidade. A riqueza do que ali ocorreu foi compensadora em todos os sentidos.

Alpharrabio virou ponto de encontro de amantes das artes, de escritores e intelectuais. E mais, até mesmo um espaço expositivo. Isso aconteceu naturalmente?
Sim, tudo aconteceu naturalmente. O caminho, como diria o poeta espanhol, foi feito ao andar.

Sentia falta de um espaço assim e acha que ainda falta espaços na região para fomentar a arte local?
Sentia falta e ainda hoje há muito falta de espaços assim, tanto que não dou conta de atender a toda a demanda de solicitação para uso do espaço.

Ao longo desses anos encontrou dificuldades para manter a Alpharabio aberta?
O prédio onde a Alpharrabio está instalada é de propriedade da família. Assim, não arcamos com despesas de aluguel, mas, ainda assim, o total de despesas é brutal, sem contar que todos os anos, por estarmos localizados num chamado bairro nobre da cidade, somos ‘premiados’ com a cobrança de um IPTU escorchante. Um espaço que é comprovadamente de utilidade pública, há muito já deveria ser isento desse imposto. Mas a Prefeitura demonstra preferir isentar os templos religiosos em detrimento dos culturais. Nunca pedi nada, mas uma atitude dessas não deveria partir da casa, mas de quem a reconheça.

Qual a maior alegria que a Alpharrabio lhe deu?
Como já disse, todas, mas, em especial, o fato de propiciar aos frequentadores o sentimento de pertencimento ao lugar é uma delas.

Como acha que seria o Brasil se todos tivessem acesso à Cultura e à Educação?
Acredito que menos bestializado, mais humanizado. Pensando melhor, as bestialidades quase nunca partem de quem não teve acesso à Educação. Falta-nos o sentido do coletivo, do humano, do solidário, mas o Estado colabora com a lógica da economia e do mercado que pregam o hedonismo e o individualismo. O espelho é o consumo, o ter.

Quando olha para o mercado literário, acha que há tantas mulheres quanto homens escrevendo livros ou há disparidade?
Não tenho dúvidas que, hoje, o número de mulheres que escrevem se equipare ao dos homens, mas ainda não possuem a visibilidade nem as mesmas chances que são dadas aos homens. Não que as mulheres não escrevessem antes em grande número, eram simplesmente ocultadas.

O que pode ser feito para que isso mude?
As próprias mulheres já se encarregam dessa mudança há tempo. Escrevem, mas também são editoras e ocupam todos os cargos na cadeia editorial. Passaram a curadoras de grandes eventos e feiras literárias e isso tem contribuído para uma mudança desse cenários, ainda que haja caminhos a percorrer.

A senhora se lembra de quando teve o primeiro contato com o Diário?
Sempre fui leitora de jornais e quando passei a residir em Santo André, em 1972, como não poderia deixar de ser, passei também, além dos jornais da Capital, a leitora do Diário.

Em algum momento da sua carreira artística o Diário lhe foi útil de alguma maneira?
Minhas principais atividades e todos os lançamentos de meus livros foram noticiados pelo Diário e isso, sem dúvida, muito contribuiu para divulgar minha obra e meu pensar na região. Por outro lado, também tive a honra de colaborar com o Diário, a princípio, de forma espontânea ou a convite, na coluna do leitor, no Ame sua Cidade ou com artigos publicados na página semanal de literatura dirigida pela jornalista Virginia Pezollo. Devo também ao Diário o meu aprimoramento na técnica da crônica. Durante mais de quatro anos publiquei uma crônica semanal, coluna Viaverbo, no Caderno Cultura&Lazer. Não havia redes sociais à época e o retorno dava-se por cartas e telefonemas. Das mais de 200 crônicas publicadas nesse período (9 de maio de 1995 a 1º de dezembro de 1999), selecionei cerca de 100 que foram publicadas nos livros A Vida Crônica e As Artes do Ofício – Um Olhar Sobre o ABC, ambos pela Alpharrabio Edições. Convidada a integrar a comissão de avaliação do pioneiro programa do Diário Raio X das Câmaras, por dois anos nele atuei com muito entusiasmo, fonte de aprendizado sobre a realidade regional.

Acredita que o Diário ajudou ou ajuda a fomentar a arte na região de alguma forma? Na sua opinião o que mais o Diário poder fazer para fortalecer a arte na região?
Sim, ajudou bastante na divulgação, mas nos últimos anos, com muita pena, nota-se uma redução no espaço do caderno Cultura&Lazer que, naturalmente, não dá conta da enorme e diversificada oferta cultural e artística regional. Também fazem falta colunistas na área da Cultura, comprometidos com o debate crítico e constante no setor.

Se pudesse realizar qualquer feito no Grande ABC, qual seria?
Jamais sonhei com ‘grandes feitos’. Meu trabalho e minhas lutas acontecem no embalo e na contaminação pelos acontecimentos. Mais do que ‘grandes feitos’, o que mais me interessa é o processo.

Que futuro espera para o Grande ABC?
Diante do atual cenário de convulsão social e política, com o País aprofundando cada vez mais as desigualdades, retirando direitos trabalhistas com a cada vez mais assustadora precarização do trabalho, a soberania nacional posta em risco com a privatização de empresas estratégicas e imprescindíveis para a Nação, com as instituições escancarando disputas inaceitáveis de poder em detrimento do bem comum, com o constante desrespeito à Constituição por esses mesmos poderes e governo impopular e ilegítimo, sem projeto de Nação, pouco ou nada espero. A região que já deu lições de conquistas sociais ao Brasil, caminha no mesmo diapasão dessa triste conjuntura nacional. Mas posso assegurar que há resistências, vozes e ações contra os retrocessos. Faço parte delas e, enquanto me restar alguma energia, não desistirei. 




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