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Ele viu a morte no gatilho de um PM
Por Gabriel Batista
Do Diário do Grande ABC
10/07/2005 | 09:27
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Em menos de trinta segundos, José Sidônio da Silva perdeu a mulher e a rotina de dona-de-casa que havia incorporado à sua vida em um ano e quatro meses de desemprego. A vida de Sidônio desabou com os 13 disparos de um policial militar na noite de segunda-feira, na calçada em frente ao portão de sua casa, no núcleo habitacional Jardim Portinari, em Diadema. Os tiros mataram sua mulher Tereza, 50 anos, e os enteados Fábio, 15, e Eduardo, 24. Quando correu para socorrer a mulher, encontrou os enteados já mortos. Tereza foi assassinada na sua frente. Os três morreram completamente indefesos.

Após a tragédia da família, José Sidônio, aos 54 anos, abandonou a casa intacta. Pegou apenas uma muda de roupa do armário e dorme, desde então, cada noite na casa de um parente, ou da mãe, Maria Possidone, de 91 anos, ou nas residências de duas filhas, uma em Diadema e outra em São Bernardo. "Era bom quando a gente, eu e a Tereza, jantava na nossa cama assistindo televisão. A gente bebia refrigerante no mesmo copo e depois dormia", lembra.

Tereza e Sidônio viviam juntos havia sete anos. Desde que ele perdeu o emprego de porteiro, Sidônio passou a procurar serviço e cuidar da casa onde o casal morava com os quatro filhos de Tereza. Além dos dois que morreram com a mãe, também moravam no sobrado de alvenaria e cinco cômodos Edinaldo e Alexandre, que foi ferido com um tiro no pulmão e está internado. Na parte de baixo, uma sala, uma cozinha e um quarto onde dormiam três dos filhos de Tereza. Em cima, o quarto do casal e outro pequeno, o de Fábio. Uma residência espaçosa para o padrão do bairro, favela que foi urbanizada pela Prefeitura na década de 1990.

Às 17h, Sidônio acordava e fazia o café da manhã. Servia Tereza, que em seguida tomava banho e ia trabalhar de faxineira em uma empresa que presta serviços de limpeza para condomínios da região. Sidônio lavava a louça do jantar da noite anterior e cozinhava o almoço. "Faço arroz, feijão, bife e o que for." Com o salário de R$ 340, Tereza sustentava a família. Eventualmente, algum parente do marido contribuía.

Ele também limpava a casa, fazia o jantar e assistia ao telejornal policial Cidade Alerta, da Rede Record. Às 20h, andava por 30 minutos e atravessava a passarela da rodovia Imigrantes para esperar Tereza no ponto de ônibus. "Ela confiava totalmente em mim. Só ia ao supermercado comigo e preferia deixar que eu controlasse a conta dela no banco", conta Sidônio.

José Sidônio diz que mantinha uma boa relação com os filhos de Tereza. Cita almoços de domingo como lembranças de momentos felizes em família. "A Tereza fazia um almoço delicioso e especial aos domingos. A gente (casal e os filhos dela) conversava muito, dava risadas e tomava cerveja."

Tereza era viúva, nascida em Minas Gerais. Seis meses depois que o marido morreu, Sidônio e Tereza, que já se conheciam, se aproximaram. Foi exatamente no portão em que a vida de Tereza chegou ao fim que começou a história dos dois. "Um dia, quando eu ainda trabalhava como segurança em uma escola às margens da Imigrantes, passei no portão da casa dela e a convidei para ir a uma festinha de alunos na escola. Ela foi e voltou comigo à noite."

Sidônio, então, separou-se da primeira mulher, com quem viveu 28 anos e teve seis filhos – quatro homens e duas mulheres, todos adultos. "Não tinha briga, mas o amor acabou." Três dias depois do fim do casamento, Sidônio foi morar com Tereza na casa que ela herdou do marido morto. "Não casei com Tereza, a gente juntou os trapos", diz Sidônio. Aos fins de semana, quando Tereza não estava muito cansada, o casal costumava visitar algum irmão dela. O lazer parava aí, já que até o dinheiro do ônibus era contado.

Passado – José Sidônio nasceu em Nova Itarana, cidade com cerca de 6,5 mil habitantes no interior da Bahia, a aproximadamente 300 quilômetros de Salvador. Com 9 anos, mudou-se com pai, mãe e irmãos para a zona rural de Nova Esperança (26 mil moradores), na região Norte do Paraná. Começou a trabalhar aos 10 anos na fazenda em que morava a família na condição de empregados. Sidônio plantava café e feijão. "Era um trabalho pesado, sofri muito e não tenho saudades daquela vida. A gente também não ganhava nada e não podia se alimentar direito."

No Paraná, Sidônio casou-se. Ouviu falar de Diadema pela primeira vez na voz de um cunhado, que foi morar na cidade do Grande ABC e conseguiu um bom emprego. "Naquela época, Diadema tinha muito emprego mesmo. Hoje não tem mais", analisa. Ele veio com a primeira família e teve como primeiro emprego a função de funcionário de obras de uma empreiteira de Santo André.

Trabalhou na construção do viaduto da avenida Lucas Nogueira Garcez, que liga São Bernardo ao bairro Piraporinha, em Diadema. Depois, participou da construção do trecho Alvarenga-Diadema da rodovia Imigrantes, em 1970. Também trabalhou como prensista em fábrica de móveis e almoxarife em duas empresas. Em certa ocasião, foi convidado a carpir um terreno com outros colegas em Santos, no ano de 1976. Foi a primeira e única vez que Sidônio viu o mar. "A água bateu no joelho e voltei, não tive coragem de entrar."

Futuro – Hoje, Sidônio não consegue ficar em casa sozinho com as lembranças da família e da morte violenta que tiveram. "É difícil, queria estar com a Tereza." Sidônio se orgulha de ser "pobre e honesto". "O que mais quero hoje é arranjar um emprego e tocar a vida, até o dia que Deus quiser."

Ele não esconde o que sente pela polícia. "Me desculpem os policiais de bem, aliás sempre gostei que a polícia passasse na frente de casa. Mas é uma mágoa muito grande."




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