Setecidades Titulo
Orico, 93 anos, recorda o combate de 32
Por Rodrigo Cipriano
Do Diário do Grande ABC
09/07/2005 | 09:20
Compartilhar notícia


Nas ruas o vaievém era típico de um sábado à noite. Poucos sabiam que aquele 9 de julho de 1932 entraria para a história como a data em que São Paulo pegou em armas para se opor ao governo de Getúlio Vargas. Por três meses, 35 mil constitucionalistas se enfrentaram no front contra 100 mil federalistas que defendiam a permanência de Vargas no poder. O saldo da revolta foi tão terrível quanto a desigualdade numérica das tropas. Os números oficiais dão conta de 830 mortos. Destes, 630 eram paulistas.

Hoje, passados 73 anos do estopim que eclodiu na revolução constitucionalista de 32, o Diário encontrou o último dos cerca de 150 homens que partiram do Grande ABC para defender São Paulo nos campos de batalha. Aos 93 anos, Eurico de Azevedo Marques, o seo Orico, ainda preserva a fala mansa. A audição e a visão já não são tão boas, mas a memória guarda detalhes minunciosos daquele tempo. Os avanços no campo de batalha ao Sul do Estado e encontros repentinos com o inimigo, que cada vez mais fechavam o cerco.

Assim como outros combatentes, seo Orico se alistou como voluntário. "Papai era fiscal de São Bernardo. Como todo funcionário público, ele era obrigado a lutar na guerra. Isso não podia acontecer. Pedi permissão e me alistei em seu lugar", diz. Aos 20 anos, assim como os outros moradores do Grande ABC, foi integrado ao Batalhão Floriano Peixoto. Seguiu de trem até Itapetininga, ponto de concentração das tropas. De lá, rumou para o Sul do país. "Comemorei até meu aniversário no front", lembra o combatente.

Foi no dia 9 de agosto de 1932. "A gente estava marchando e um avião jogou o jornal para a gente. Ele trazia meu aniversário. Sabiam meu nome, sabiam tudo. A gente fez uma sopa para comemorar e seguiu andando", lembra. A essa altura, o Batalhão Floriano Peixoto já estava em Buri, onde foram travadas algumas das mais sangrentas batalhas da revolução. Dentre os homens do Grande ABC, uma baixa: o vonluntário Francisco Monteiro, de Ribeirão Pires, que hoje dá nome a uma das avenidas da cidade.

"Também lembro de outro homem que morreu, um sargento de metralhadora. Ele se escondeu entre uns troncos de madeira num tiroteio e uma bala varou tudo", diz seo Orico. "A coisa não era fácil. Dei tanto tiro que nem me lembro mais." Se na guerra, as coisas iam mal, piores ainda elas se apresentavam ao Batalhão Floriano Peixoto. As tropas do Rio Grande do Sul que iriam se aliar ao grupo viraram a casaca na última hora sob as ordens do interventor do Rio Grande do Sul nomeado por Vargas, general Flores da Cunha.

Quando as tropas paulistas sucumbiram diante dos federalistas, capitaneados pelos gaúchos, seo Orico foi preso. Passou três meses encarcerado no presídio de Ilha Grande, no Rio de Janeiro. Ao seu lado, outros combatentes ilustres também cumpriam pena, como Quirino, pai do ex-prefeito de São Bernardo entre 1964 e 1968, Hygino Batista de Lima. "Quando voltei, ainda tentei prestar o serviço militar, mas fui dispensado. Disseram que já tinha feito mais do que deveria pelo meu país", lembra Orico.

O alistamento foi no Rio de Janeiro, sua cidade natal. Bom de bola, seo Orico trocou os campos de batalha pelos de futebol. Jogou em times como o Madureira e o Palestra. Também se arriscou nos palcos como cantor. "Me apresentei até na Bandeirantes", diz orgulhoso. Apesar de tanto talento, o dinheiro só veio com "trabalho pesado". Foi entalhador de móveis e dono de um restaurante em São Bernardo, a Pizzaria Orico, que hoje está com as portas fechadas. "Começamos do nada. Só a família trabalhava. Tem que ver."

Depois da revolução de 32, se casou e teve um filho, já falecido. Daquele tempo, senhor Orico guarda apenas o capacete, que considera uma raridade, e uma caixinha de papelão forrada com medalhas de honra do pós-guerra. Hoje, mora com a mulher em São Bernardo em um sobrado na região central.

O Grande ABC na Revolução

Até pela proximidade da região com São Paulo, o Grande ABC participou ativamente da Revolução Constitucionalista de 1932 e alguns episódios ficaram indelevelmente marcados na memória iconográfica, documental e do povo. A seguir, alguns desses episódios.

1) Numa listagem organizada pelo jornalista e historiador João Netto Caldeira e publicada no seu clássico Álbum de São Bernardo, sabe-se que pelo menos 141 jovens do Grande ABC alistaram-se no Batalhão Floriano Peixoto.

2) Outros nomes do Grande ABC alistaram-se em diferentes batalhões da capital, dentre os quais José Luiz Flaquer Júnior, filho do senador Flaquer.

3) Um dos combatentes do Grande ABC morreu em combate - Francisco Monteiro, de Ribeirão Pires, cujo nome é dado a uma das principais avenidas da cidade.

4) Um avião chegou a bombear a usina da Light no antigo Rio Grande, em São Bernardo.

5) Uma ponte na estrada do Guarará, em Santo André, foi destruída.

6) A antiga Fábrica Brasileira de Cartuchos, em Utinga - hoje Companhia Brasileira de Cartuchos, com fábrica em Ribeirão Pires - produziu, em uma escola da Vila Bastos, em Santo André, munição para as tropas paulistas.

7) Nem todos os voluntários do Grande ABC seguiram para o front. Alguns permaneceram na região, defendendo os edifícios e moradores e cuidando do policiamento, já que os policiais também foram convocados para os combates.

8) O voluntário mais idoso dos alistados na região foi Quirino Baptista de Oliveira Lima, de São Bernardo, com mais de 50 anos de idade. Combateu em Buri, cidade adiante de Itapetininga. Como muitos, foi preso e enviado, pelas tropas gaúchas, à Ilha Grande.

9) O capitão Manoel de Goes foi nomeado encarregado da mobilização de reservistas na região.

10) Em 9 de novembro de 1932, foi fundado em São Bernardo o Hospital Auxiliar de Guerra, cuja missão era a de receber os voluntários convalescentes internados nas casas de saúde de São Paulo.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;