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D+ entrevista autor de livro sobre Independência
Por Juliana Ravelli
Do Diário do Grande ABC
04/09/2011 | 07:00
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Divulgação


Se acha a História do Brasil um porre, sinto em dizer que está completamente enganado. Claro que a antipatia pode ter sido ocasionada pela forma como foi contada, sem entusiasmo e omitindo os fatos mais interessantes. Na edição juvenil e ilustrada de 1822 (Nova Fronteira, 232 págs., R$29,90), o jornalista Laurentino Gomes faz o contrário.

Por meio de linguagem superacessível, o autor do best-seller 1822 revela como a Independência do Brasil é mais complexa e não se resume ao evento às margens do Ipiranga. O episódio, aliás, é bem diferente do retratado no quadro de Pedro Américo. Na ocasião, D. Pedro não vestia belo uniforme, montava uma mula de carga e sofria baita dor de barriga.

Esse é apenas um dos exemplos de como os acontecimentos podem ser corrompidos para mais ou menos. "A História do Brasil é contaminada por dois tipos de deturpações. O primeiro faz celebração épica dos heróis e acontecimentos, como se tivessem dado origem a um Brasil melhor. O segundo é tentativa de desconstrução da história oficial, com livros, filmes e minisséries que banalizam fatos e personagens, como se pertencessem a um Brasil vira-latas", diz o escritor.

Graças à pesquisa aprofundada, o autor resgata fatos esquecidos, mas sem os quais a separação de Portugal não teria ocorrido. Um deles é a Batalha de Jenipapo, mais importante confronto da Guerra da Independência. Travada no sertão do Piauí em 13 de março de 1823, vitimou entre 200 e 400 brasileiros e 16 portugueses. Quase ninguém conhece o combate.

A gente ainda descobre que quando o assunto é História, o herói também pode ser vilão ou vice-versa. Isso, no entanto, não impede o reconhecimento da genialidade de alguns personagens, como José Bonifácio de Andrada e Silva e o próprio D. Pedro. Segundo Laurentino, o Brasil de hoje provavelmente não existiria sem a atuação de José Bonifácio. A imagem de homem sisudo, aliás, é equivocada.

"Boêmio e bom de copo, costumava terminar as madrugadas dançando lundu em cima da mesa." Já D. Pedro, morto com 35 anos, teve vida curta, mas intensa e fascinante. "Foi como um meteoro que cruzou rapidamente os céus da História, deixando rastro de luz cuja compreensão até hoje desafia os historiadores."

Confira a entrevista com o autor:

D+: O que o motivou a fazer versões de seus livros para o público jovem?

Lauretino:  O projeto nasceu de uma demanda de pais e professores. Desde que lancei o primeiro livro, comecei a ouvir uma observação curiosa. Todos diziam que eu usava linguagem acessível, fácil de entender, mas que a obra para adultos era muito grande, com cerca de 400 páginas. Por isso, assustava os adolescentes, não habituados a livros tão volumosos. Decidi então facilitar a vida desse público fazendo versão mais condensada, mais visual e lúdica, mas sem perder a substância do conteúdo. O estudante que ler a edição juvenil conseguirá entender os personagens e acontecimentos da Independência do Brasil tanto quanto o leitor da versão adulta.

 

D+: Em 1822, qual o personagem histórico que mais o impressiona?

Lauretino: A história da Independência do Brasil é repleta de personagens fascinantes, como José Bonifácio, a princesa Leopoldina, a marquesa de Santos e, obviamente, o jovem príncipe D. Pedro. É quase impossível não se impressionar com o protagonista. Herdeiro da coroa portuguesa, D. Pedro era uma força viva da natureza. Amava de forma desmedida mulheres, cavalos e amigos de reputação questionável. Teve inúmeras amantes e filhos bastardos, mas amou a todos de forma apaixonada. Na política, tinha discurso liberal, mas comportamento autoritário. Admirava Napoleão Bonaparte, que obrigou seu pai, D. João, a fugir de Portugal. Deu ao Brasil, em 1824, uma constituição liberal, mas, alguns meses antes, dissolveu a primeira constituinte brasileira, quando ela não se curvou às suas exigências. Em resumo, tinha virtudes e defeitos, como qualquer pessoa. Viveu poucos anos, mas de forma intensa. Fez a Independência do Brasil com apenas 23 anos e morreu com 35, depois de deixar um filho no trono brasileiro, D. Pedro II, e uma filha no trono português, D. Maria II. Foi como um meteoro que cruzou rapidamente os céus da História, deixando para trás rastro de luz cuja compreensão até hoje desafia os historiadores.

 

D+: José Bonifácio era  visionário. Já naquela época defendia, por exemplo, a reforma agrária e a liberdade político e religiosa. O aconteceria a D. Pedro e ao Brasil se ele não existisse?

Lauretino: O Brasil que emerge independe das margens do Riacho Ipiranga na tarde de 7 de setembro de 1822,  tem a cara e a assinatura de José Bonifácio de Andrada e Silva, homem cosmopolitano, hábil, preparado, com ideias avançadas para seu tempo. Sem ele, o Brasil que temos hoje provavelmente não existiria. José Bonifácio tinha noção clara do que fazer em 1822. Graças a ele, o  País se manteve unido em torno da coroa num momento em que os riscos de fragmentação territorial e guerra civil eram enormes. O Patriarca passou para a História como sisudo e austero. É imagem equivocada. Boêmio e bom de copo, costumava terminar as madrugadas dançando lundu  (dança típica do Brasil colonial ) em cima da mesa. Prendia o cabelo em forma de rabo-de-cavalo na nuca. Nas cerimônias e ocasiões importantes,  escondia o rabicho sob a gola da jaqueta. Era poeta e bom contador de histórias. Como D. Pedro, amava as mulheres e teve inúmeras amantes que lhe deram dois filhos bastardos. Manejava bem uma espada e havia rumores de que teria matado quatro homens em duelo.

 

D+: Por que, na opinião do senhor, a maioria dos jovens não se interessa por História?

Lauretino: O problema não se resume à disciplina. Diria que envolve todas as áreas do conhecimento e começa pelos livros. O público jovem, aparentemente, não está lendo muito no papel, mas passa boa parte do tempo surfando na internet e é muito seduzido pela linguagem audiovisual. Estamos em um novo século que pede nova linguagem e formatos capazes de atingir novas audiências ou públicos. Por essa razão, nós - jornalistas, escritores, professores, historiadores, produtores de conhecimento - precisamos ter estratégias multimídia para atingir diferentes públicos. Uma das características curiosas do mundo contemporâneo é que, apesar da globalização, a humanidade está se organizando em comunidades que consomem informação, cultura e entretenimento de forma diferente no tempo, espaço e formato. É como se fossem alvéolos de grande colmeia global. Para chegar a essas diferentes comunidades é preciso ser multimídia. Ou seja, precisamos ser generosos na linguagem e no formato para atingir esses jovens.

 

D+:  Muitos pensam  que História é algo que se estuda  apenas na escola.  Acredita que isso tem mudado?

Lauretino: Tenho observado mudança na atitude dos professores em relação ao ensino da disciplina. Estão mais empenhados em usar linguagem acessível. Infelizmente, a História do Brasil é contaminada por dois tipos de deturpações. O primeiro faz celebração épica dos heróis e acontecimentos, como se tivessem dado origem a um Brasil melhor do que o que vemos hoje. O segundo é tentativa de desconstrução da História oficial, com livros, filmes e minisséries que banalizam fatos e personagens, como se pertencessem a um Brasil vira-latas indigno do seu passado. É o que se vê, por exemplo, no  filme Carlota Joaquina, Princesa do Brasil, de Carla Camurati, e na série de TV Quinto dos Infernos. A verdade, como sempre, está no meio. É o que procuro mostrar nos livros. Como jornalista, espero ajudar os professores na árdua tarefa de explicar o Brasil em sala de aula.

  

D+: O senhor resgata algumas histórias esquecidas, como a Batalha do Jenipapo. Há muitas outras a serem descobertas?   Lauretino: Ao pesquisar os dois livros, 1808 e 1822, me surpreendi com a forma pela qual a história da Independência era contada nos livros didáticos, como se todos os acontecimentos e personagens se resumissem à perspectiva do Rio de Janeiro e das margens do Ipiranga. É como se o restante do País não existisse ou os demais brasileiros fossem meros coadjuvantes de acontecimentos limitados à região compreendida pelas províncias de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. É visão desfocada, construída por historiadores do Centro-Sul que, por preconceito ou desconhecimento, ignoraram os acontecimentos importantíssimos que envolveram os demais brasileiros. O processo de separação de Portugal mobilizou todo o Brasil. Custou muito sangue e sacrifício nas regiões Norte e Nordeste, onde milhares de pessoas pegaram em armas e morreram na Guerra da Independência. A Batalha do Jenipapo é exemplo disso. Essa batalha foi travada nas margens do Rio Jenipapo, a meia distância entre a atual capital, Teresina, e a cidade de Parnaíba. Morreram entre 200 e 400 brasileiros e apenas 16 portugueses. É o mais importante confronto da Guerra da Independência, mas poucos brasileiros já ouviram falar. A data é ignorada nos livros didáticos e no calendário cívico nacional. É como se não tivesse existido.

  

D+: O que mais o fascina na História do Brasil?

Lauretino: É desafiador desvendar os personagens em carne e osso por trás dos mitos. As pessoas que fizeram a História eram reais, porém, os protagonistas geralmente são alvo de uma construção posterior que reflete mais os desejos, valores e sonhos das gerações futuras do que a realidade do passado. Por isso é importante tentar entender como esses mitos foram construídos. Um deles envolve a própria cena da Independência, nas margens do Riacho Ipiranga. Nada do que aparece no quadro de Pedro Américo é verdade. D. Pedro estava vestido como  tropeiro, cavalgava mula de carga e os dragões da Independência ainda não existiam. Como mostro no livro, o quadro é alegoria para dar tom épico a uma cena que foi mais simples.

 

D+: Qual será o próximo livro?

Lauretino:  Vai se chamar1889 e será sobre o Segundo Reinado e a Proclamação da República. O objetivo é fechar uma trilogia com datas que explicam a construção do Brasil durante o século XIX, ou seja, 1808, chegada da corte de D. João ao Rio de Janeiro, depois 1822, data da Independência, e por fim 1889, que marca da Proclamação da República. O estudo das três datas é fundamental para entender o Brasil de hoje. O plano é lançar esse livro em 2013. Pretendo me manter fiel à fórmula que consagrou as obras anteriores, ou seja, pesquisa aprofundada aliada à linguagem de fácil entendimento.

 

D+: Pode adiantar algum fato interessante que descobriu durante a pesquisa?

Lauretino: Uma conclusão inevitável é que a Proclamação da República foi resultado mais do esgotamento da monarquia do que do vigor dos ideais e da campanha dos republicanos. Incapaz de se reinventar e promover as reformas necessárias, o império sucumbiu na manhã de 15 de novembro de 1889 em um golpe militar improvisado, sem participação popular e sem reação do próprio D. Pedro II, que parecia aceitar o rumo dos acontecimentos de forma passiva e resignada. A própria ideia de República não estava madura e seus articuladores tinham pouca noção do que fazer com o país que herdavam do imperador. A abolição da escravatura, no ano anterior, tirou a base de apoio que a monarquia desfrutava na oligarquia rural. Os republicanos, que até então conseguiam precário apoio nas urnas, encontraram nos militares o apoio que lhes faltava. Havia enorme descontentamento nos quartéis desde o final da Guerra do Paraguai. Oficiais   e soldados consideravam-se injustiçados pelo império. Nada disso, porém, teria funcionado em 1889 caso a própria  monarquia já não estivesse corroída nas suas bases.

 




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