Setecidades Titulo Entrevista
Infectologista defende
ampliação da FMABC

David Uip fala sobre o Grande ABC, a profissão e
se posiciona a respeito do programa Mais Médicos

Natália Fernandjes
Do Diário do Grande ABC
28/07/2013 | 07:00
Compartilhar notícia
Nario Barbosa/DGABC


Pioneiro no tratamento de pacientes com Aids no País e um dos infectologistas mais respeitados do mundo, David Uip defende a ampliação de vagas no curso de Medicina da FMABC (Faculdade de Medicina do ABC) em vez da instalação de outra universidade para a formação de médicos na região. Aos 61 anos, Uip mantém o cargo de professor titular da disciplina de Infectologia na instituição da região, onde se formou há 48 anos, dirige o Instituto de Infectologia Emílio Ribas, atua em dois projetos relacionados à Aids em Angola desde 2002, coordena a Saúde Estadual da Baixada Santista e ainda tem disposição para estudar e se divertir ao jogar futebol, antiga paixão.

Bem-humorado, ele conta que escolheu a infectologia para auxiliar a população carente e ataca o programa Mais Médicos, do governo federal, por considerar a ação autoritária por parte do ministro da Saúde, Alexandre Padilha. Para Uip, a falta de médicos não é o principal problema da Saúde pública do Brasil, e sim a falta de recursos financeiros e problema na gestão.

DIÁRIO - O senhor tem ligação direta com o Grande ABC. Qual é a importância da região do ponto de vista da Saúde pública?
DAVID UIP - Entrei na Faculdade de Medicina do ABC com 17 anos e sou da segunda turma. Primeiro, fui professor titular da Medicina de Urgência e sou titular de Infectologia desde 2001. Então, obviamente é um lugar do coração. Primeiro que a região, do ponto de vista financeiro e econômico, é fundamental para a estrutura do Estado de São Paulo e do País. Do ponto de vista político, nem se discute. Eu conheço muito bem a Saúde tanto do Grande ABC quanto de toda a Baixada Santista. E os nós são os mesmos de todo o País. Faltam investimento, referência e contrarreferência (quando pacientes são encaminhados para tratamento em unidades diferentes de onde deu entrada, dependendo da complexidade do caso).


DIÁRIO - Podemos dizer que alguns equipamentos públicos da região contaram com a sua ajuda para sair do papel?
DAVID UIP - Seguramente fui um dos responsáveis pelo término das obras do Hospital Estadual Mário Covas, que estavam paradas há 20 anos. Na época, eu era assessor especial do Estado. Fui um dos que brigaram para que aquela obra fosse concluída e destinada à FMABC porque acho que a faculdade precisa ter seu hospital. Nós também ajudamos o Auricchio (ex-prefeito José Auricchio Júnior) a construir o Hospital de Urgência de São Caetano. Antes, as urgências da cidade eram encaminhadas para o Hospital Heliópolis. Com a construção, o município passou a receber pacientes do Grande ABC, Vila Alpina e entorno. Isso acontece com todo o instrumento de Saúde que tem competência.


DIÁRIO - Há planos de se implementar outra faculdade de Medicina na região, em São Bernardo. Como o senhor avalia essa questão?
DAVID UIP - A minha posição é muito clara. Você precisa ter um diagnóstico da necessidade de aumentar o número de médicos formados no Grande ABC (atualmente, a FMABC tem cerca de 100 graduados por ano). Essa discussão tem que ser feita também com os órgãos que nos representam. Se há esse diagnóstico, por que não aumentar o número de vagas na FMABC? É uma faculdade concorrida, disputada por quem quer fazer Medicina em todo o País. Sempre foi muito bem avaliada e tem uma espetacular história de 43 anos. Agora eu estou falando por mim, Davi Uip, e não pela FMABC. Se você tem uma estrutura pronta, competente e bem avaliada, invista nessa estrutura.


DIÁRIO - Qual é o seu posicionamento a respeito do programa Mais Médicos, do governo federal?
DAVID UIP - Sou absolutamente contrário e isso em cima da minha experiência. Já atuei no Vale do Jequitinhonha, Marabá, Ilha Solteira e, há 11 anos,trabalho em Angola. Então, eu sei o que funciona e o que não. O infectologista é meio romântico. É um indivíduo que se apaixona por essas causas e posso garantir que o salário não está em primeiro lugar. Não é essa a discussão. Estão dizendo que o problema da Saúde no Brasil é médico e não é.

DIÁRIO - Quais são os gargalos da Saúde pública no País?
DAVID UIP - Não tenho dúvida ao apontá-los. O primeiro é a falta de recursos financeiros. O segundo é a falta de qualidade na gestão. Em terceiro, há alguns nós. Acho que o principal deles é a referência e a contrarreferência. Por exemplo, um doente que tem problemas corriqueiros entra no sistema público pelo Programa Saúde da Família ou pelas UBSs (Unidades Básicas de Saúde). Muitas vezes, isso não funciona na qualidade e na presteza necessária em nível de Brasil. O que acontece é que o paciente procura atendimento onde ele é atendido mais rápido, que são as UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) ou os PSs (Prontos-Socorros). Esse locais ficam entupidos e não há, depois do atendimento, para onde encaminhar os pacientes.

DIÁRIO - Onde falta investimento?
DAVID UIP - Coordeno pelo Estado a Saúde da Baixada Santista, de Peruíbe a Bertioga. O que está muito claro hoje é que o município está arcando com muito mais do que os 15% obrigatórios, o Estado investe mais do que os 12% e a União não remunera o que custa. Enquanto essas tabelas não forem refeitas e enquanto você não financiar de forma adequada a Saúde pública, a coisa não vai para frente. Hoje o orçamento do Ministério da Saúde é de R$ 82 bilhões anuais, valor insuficiente. É preciso aumentar essa quantia e melhorar o destino da verba.

DIÁRIO - O senhor é contra a contratação de médicos estrangeiros?
DAVID UIP - Eu não tenho nada contra médicos estrangeiros. Desde que eles venham aqui e se submetam a um exame de proficiência do idioma e exame de qualificação do conhecimento. Porque quem lida com o povão sabe que você precisa examinar, entender e ser entendido. Se ele se submeter a isso e for aprovado, eu não tenho nada contra. Agora, o que está errado não é a falta de médico e sim a falta de estrutura, falta de dinheiro. O médico está virando bode expiatório dessa história. E não é.

DIÁRIO - O governo oferece bolsa de R$ 10 mil para os médicos atuarem no SUS (Sistema Único de Saúde). É pouco?
DAVID UIP - Acho que isso é cômico. Nós não estamos discutindo dinheiro, mas princípios. O meu problema não é o dinheiro. O meu problema é outro. Quem é que vai supervisionar esses médicos? Por exemplo, eu sou professor titular da FMABC. Tenho um ótimo corpo docente. É uma faculdade com ótimo projeto pedagógico, muito bem dirigida e é difícil dar conta das atividades e ficar monitorando médico a distância.

DIÁRIO - Fica uma imagem de que médico só pensa no dinheiro. Isso procede?
DAVID UIP - Outro dia um repórter muito meu amigo falou que nós, professores de Medicina, formamos alunos para trabalhar no Hospital Sírio-Libanês. Para eu chegar a ser médico do Sírio-Libanês, tenho história de servidor público de 35 anos. Em maio do ano que vem completo 35 anos como servidor público e dez anos como diretor de hospital público. O profissional chega a ser médico do Sírio-Libanês e do Albert Einstein pela sua qualidade, adquirida em muitos e muitos anos de trabalho e sacrifício. Agora, se o médico deseja ter plano de carreira e ser remunerado com dignidade, é um direito legítimo, assim como ter clínica privada. Nós vivemos em um país capitalista.

DIÁRIO - O governo federal já admitiu repensar o projeto de ampliar o tempo de formação em Medicina. O que o senhor acha disso?
DAVID UIP - A conversa agora é que o que vai ser obrigatório é a residência médica. A palavra ‘obrigatório’ me amola muito. Nada que é obrigatório é bom. Seja atrativo, convide para um bom programa de residência, bons hospitais, bons professores. Todo mundo quer e precisa fazer residência. Essa coisa impositiva e sem discussão não funciona. Eu acho que os órgãos representativos devem ser ouvidos, precisam sentar-se à mesa de negociação. É preciso tirar esse rótulo de que médico só pensa em dinheiro. Nós, como todo mundo, pagamos contas, temos filhos, então nossa posição não é diferente de nenhuma outra categoria. Essa ideia de colocar o dinheiro na frente de tudo não vai dar certo.

DIÁRIO - O senhor participou de protestos organizados pelas entidades médicas?
DAVID UIP - Infelizmente ainda não deu para eu ir às ruas fisicamente, mas estou nas ruas emocionalmente. Os médicos precisam tomar cuidado porque não é incomum que a parte mais fraca vire o vilão da história e nós não somos os vilões. Todos nós trabalhamos muito e temos toda uma história. Então, a população precisa entender isso.

DIÁRIO - Como o senhor avalia a gestão do ministro da Saúde, Alexandre Padilha?
DAVID UIP - O ministro inclusive é muito meu amigo, foi nosso residente no Hospital das Clínicas e está falando umas besteiras que não fez residência. Ele é um indivíduo que teve uma formação e sabe, mais do que ninguém, o que é preciso. Nós temos posições opostas. Eu preciso deixar claro que há um viés político, porque eu sou filiado ao PSDB. Mas, eu acho que em Saúde pública você não precisa discutir ideologia, e sim política pública. Ele é extremamente apto, então não tem por que tomar essas medidas autoritárias. É possível fazer um bom projeto para o País discutindo, ouvindo, apontando dificuldades e buscando soluções comuns.

DIÁRIO - A carreira política está nos seus planos?
DAVID UIP - Não. Eu tenho uma ligação histórica com o PSDB, desde a primeira eleição do presidente Fernando Henrique Cardoso eu participei dos projetos de campanha. E no governo do Estado fui assessor especial do Mário Covas. Hoje continuo ligado ao governador Geraldo Alckmin. Chegou a hora em que as pessoas precisam se posicionar claramente. As pessoas queriam que me candidatasse a prefeito do Guarujá, como querem que me candidate a deputado estadual. Não é minha praia. Sou um indivíduo da área executiva. Onde estou bem é dando aula na FMABC e sendo diretor de hospital público. Essa é a minha inserção. Não tenho nada a ver com cargos eletivos e jamais vou me submeter a uma eleição porque não sou político e nunca fui, apesar de não ter nada contra.

DIÁRIO - O senhor é um dos mais renomados especialistas em Aids do País e do mundo. Considerando os avanços da medicina, como a Infectologia lida com essa doença nos dias de hoje?
DAVID UIP - A Aids hoje é um desafio diferente. Felizmente as pessoas vivem mais e melhor, mas ainda preocupa muito os novos infectados. Hoje você trata das complicações do vírus e do uso de medicamentos, então o infectologista precisa ter um conhecimento de clínica muito grande e tem que saber da importância de se trabalhar de uma forma multidisciplinar. Ninguém cuida de Aids sozinho, é preciso da Medicina de endocrinologia, reumatologia, ortopedia, psiquiatria, psicologia, ou seja, virou uma doença que te obriga a ter conhecimento e estar muito atualizado.
 




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;