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Cabo Verde fecha ciclo de palestras
Por Ricardo Lísias
Especial para o Diário
05/12/2007 | 07:07
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No próximo sábado (8) a discussão sobre a literatura de Cabo Verde encerra o atua ciclo de Seminários Avançados sobre A Literatura Africana de Língua Portuguesa, na Casa da Palavra (tel.: 4492-7218), em Santo André. A entrada é franca.

O país é um arquipélago com uma população composta de apenas meio milhão de pessoas. A posição geográfica das ilhas é estratégica e, portanto, o arquipélago sempre serviu de entreposto à navegação, tendo sido colonizado por Portugal até 1975, quando, como o resto da África lusófona, obteve sua independência.

Muito pobre, o país vive da pesca, do turismo e da agricultura. Essa última fonte de renda, porém, é muito afetada pelo clima seco, com ventos muito fortes em determinada época do ano. A natureza adversa sempre foi um dos problemas mais graves enfrentados pelos habitantes de Cabo Verde.

A propósito, são as catástrofes naturais que impulsionam o melhor livro da literatura cabo-verdiana, Flagelados do Vento Leste, de Manuel Lopes. A trama relata a difícil situação dos moradores de uma das ilhas do arquipélago, premidos por uma miséria absoluta, impulsionados a deixar seu local de vida por causa da fome.

Flagelados do Vento Leste filia-se à corrente do neo-realismo, muito em voga à época de sua publicação, o começo da década de sessenta, em diversos países do mundo. O livro é uma denúncia vigorosa do abandono das populações mais pobres, completamente à mercê da ajuda governamental (no caso colonial), quando as condições climáticas impossibilitam que os ilhéus pobres providenciem a própria sobrevivência.

Com muita razão, a crítica apontou a proximidade entre a obra de Manuel Lopes e a dos escritores regionalistas brasileiros. De fato, ela existe no choque que compõe entre uma natureza cruel, uma sociedade injusta e opressora e o trabalho com personagens escravizados por uma condição social praticamente incontornável. Existe pontos notáveis de contato do livro Flagelados do Vento Leste com outra obra prima da literatura de língua portuguesa, Vidas Secas, de Graciliano Ramos.

Manuel Lopes, ainda, foi líder dos movimentos modernistas que tomaram conta da pequeníssima vida cultural de Cabo Verde, estando à frente da revista Claridade, veículo dos artistas da vanguarda local.

Outro escritor importante de Cabo Verde é Baltasar Lopes. Intelectual aparelhado, advogado e autor de estudos sobre a linguagem praticada no seu país, escreveu um interessante romance, apesar do título infeliz: Chiquinho.

O texto descreve a vida de um menino, o do título, entre a luta pela sobrevivência e os sonhos característicos da infância. Trata-se de um visível esforço de mergulhar no cotidiano local à procura de uma identidade que seja própria do povo cabo-verdiano, independente da presença portuguesa.

Com esse Seminário, aberto inclusive para quem não freqüentou os outros, encerramos o ciclo dedicado às literaturas africanas de língua portuguesa. O objetivo foi o de discutir uma tradição fundamental mas ainda muito pouco conhecida no Brasil.

Com textos profundamente presos ao ambiente de violência e miséria, autores de Angola, Moçambique e Cabo Verde, entre outros, produzem uma literatura vigorosa e bastante profunda. Entre eles, Mia Couto, Pepetela, José Craveirinha, o próprio Manuel Lopes e Luandino Vieira se instalam entre os melhores da língua portuguesa.

Ao apresentá-los, os Seminários tentaram sempre observar a cultura local, a realidade histórica e as intervenções políticas de seus autores, solidarizando-se com sua posição de resistência.

Completando cinco semestres, os ciclos de Seminários avançados tentou combater a banalidade contemporânea, aprofundando-se em temas pouco comuns entre nós. Sua principal ambição, por sinal bastante grande, era a de mudar a realidade. Ao menos aos sábados, das 15h às 18h, no interior da Casa da Palavra e da Escola Livre de Literatura, isso sem dúvida aconteceu.

Os Seminários Avançados para a Literatura Contemporânea, uma iniciativa conjunta da Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer da Prefeitura de Santo André e do centro Fundação Santo André, com apoio do Diário, foram iniciados em agosto de 2005 e contaram com mais de 4.000 participantes.

Ricardo Lísias é mestre em Literatura e História pela Unicamp e doutor em Literatura Brasileira pela USP. É escritor, ensaísta e professor.



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