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Financiamento público não extingue caixa dois
Por Raphael Rocha
do Diário do Grande ABC
19/09/2011 | 07:15
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Aclamado pela maioria das bancadas no Congresso, o financiamento público de campanha não é garantia de combate contra a corrupção eleitoral. Especialistas dizem que a restrição legal de dinheiro privado em projetos políticos não vai inibir o lobby de empresários e pode escancarar portas ilegais para o recurso não contabilizado, o chamado caixa dois.

O projeto de financiamento público que tramita na Câmara dos Deputados visa retirar verbas privadas do processo eleitoral. O gasto na campanha proviria de tributos e arrecadações do poder público, que seriam repartidos aos partidos políticos por critérios previamente estabelecidos, como representatividade nas esferas de poder e quantidade de filiados.

Deputados e senadores afirmam que, sem recurso privado, o "toma lá, da cá" presente no cotidiano político seria dizimado. O problema, rebatem especialistas, é o emaranhado de corrupção que permeia todos os setores políticos. Candidatos com potencial eleitoral receberiam aportes de empresas privadas. Caso alcance o poder, o candidato retribuiria as benesses de campanha, como facilitação em licitações de grande porte.

"Não adianta somente instituir o financiamento público de campanha se o sistema em que vivemos depende do capital que entra. A corrupção está tão intrínseca na política nacional que qualquer debate, por mais brilhante que seja na teoria, na prática fica inócuo", analisa Maria do Socorro Sousa Braga, cientista política e professora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos.

O texto original da proposta, que segue travado no Congresso, engloba série de alterações nas regras do jogo eleitoral. Entre elas estão o fim das coligações proporcionais e mudança no sistema de votação - que poderia deixar de ser por eleição direta, mas com quociente eleitoral, para votos em lista fechada, na qual o eleitor vota no partido e não no candidato.

Nenhuma das discussões avançou porque os deputados pretendem votar exclusivamente cada item. Porém, como os artigos são correlacionados, o debate exclusivo fica prejudicado.

O professor da Fundação Santo André Marco Antônio Teixeira assegura que adoção do financiamento público de campanha depende também da aprovação do processo de votação em lista fechada. O cientista político crê que, com concentração de recurso para o partido e não ao candidato, fica mais simples seguir as transações financeiras. "Se o financiamento público fosse adotado com o sistema de votação atual, abrira mais portas para a corrupção."

Opinião semelhante tem o professor Claudio Couto, da Fundação Getúlio Vargas. O especialista, contudo, acredita que há espaço para aplicação de verba pública e privada. E, aliado a isso, uma forma eficaz de acompanhamento da movimentação econômica.

Mas Couto é reticente à exclusão do caixa dois no processo político. "Só conseguiríamos eliminar a corrupção se adotássemos punições mais severas aos envolvidos no crime. Sem isso, o político se sente à vontade para cometer práticas ilícitas."

População já banca partidos políticos indiretamente

Embora o financiamento público de campanha esteja longe de ser aprovado no Congresso, prática adotada pelo Tribunal Superior Eleitoral destina parte dos impostos arrecadados pela União para manutenção de partidos políticos. O fundo partidário é composto por tributos, que são repassados às legendas.

A totalidade de recursos precisa ser avalizada pelo Congresso e depois é repartida às siglas por critérios estabelecidos pelo TSE. Entre os pontos está a representatividade do partido, artigo incluso em 2007 para minimizar a disseminação de siglas nanicas.

A regra atual versa que 42% do fundo será dividido igualitariamente entre todos os 27 partidos registrados no TSE; 29% são repartidos proporcionalmente entre as legendas que elegeram deputados federais (cálculo baseado no tamanho das bancadas); 29% são destinados a siglas que conquistaram 1% dos votos válidos das duas últimas eleições e que tenham representantes eleitos em pelo menos cinco estados.

O montante do fundo partidário aprovado pelo Congresso para 2011 é de R$ 301 milhões - aumento de R$ 100 milhões com relação a 2010. A quantia é composta por R$ 265 milhões do Orçamento da União e outros R$ 36 milhões da arrecadação de multas eleitorais.

O valor, por exemplo, é o dobro do Orçamento de Ribeirão Pires para este ano, de R$ 177 milhões, e quase metade da arrecadação de Mauá, de R$ 560 milhões.

Pela reforma que tramita na Câmara dos Deputados, o fundo partidário não será extinto, mas 5% de seu total terá de ser destinado à formação de mulheres na política.




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