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Filho de Nelson Rodrigues dirige filme 'Vestido de Noiva'
Mauro Fernando
Do Diário do Grande ABC
22/11/2003 | 17:19
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Joffre Rodrigues, filho de Nelson, pretende fazer a pré-estréia do longa-metragem Vestido de Noiva no Theatro Municipal do Rio, em 28 de dezembro. Celebrar-se-iam, pois, os 60 anos da peça. Diretor, roteirista e produtor do filme, Joffre passou sete anos trabalhando no projeto. O grande problema foi a captação de verba. Simone Spoladore (Alaíde), Letícia Sabatella (Lúcia), Marcos Winter (Pedro) e Marília Pêra (Madame Clessi) protagonizam a fita.

“Ao verter peças de papai para o inglês, mergulhei com profundidade nelas. Então descobri que Vestido de Noiva é cinema puro. No meu modo de entender, papai aplicou no teatro a linguagem do cinema daquela época. Portanto, voltei à origem”, diz Joffre. O texto de Nelson passou, claro, por adaptação: “Se não fizesse assim, o filme soaria como teatro”. Nenhuma cena foi gravada em estúdio. Os três planos de consciência de ação, claro, foram mantidos.

A história – Vestido de Noiva começa com o atropelamento de Alaíde. A partir desse ponto, as ações se misturam em três planos. No da realidade, Alaíde está na mesa de operação, desenganada. No da memória, emergem as relações de Alaíde com sua irmã Lúcia e seu marido Pedro. No da alucinação, surge a influência do diário da prostituta Madame Clessi lido por Alaíde. Ela foi assassinada mais de 30 anos antes do atropelamento da protagonista.

Nelson Rodrigues produziu um marco na dramaturgia nacional. “No Brasil, nunca se havia dividido uma peça em três planos de ação com tal radicalidade. Há em Vestido de Noiva a fragmentação do tempo e do espaço, entendido como uma extensão do mundo lírico do personagem”, afirma Antônio Rogério Toscano, coordenador da ELT (Escola Livre de Teatro), de Santo André.

Aparentemente prosaica, a história revela a rivalidade entre duas irmãs na conquista de um homem. Para o ator Zécarlos Machado, do Grupo Tapa – que montou o texto em 1994 –, um dos componentes inovadores de Vestido de Noiva é a questão do inconsciente feminino. “Na peça aflora o desejo mais latente e não explicitado. Ela coloca o homem como objeto de desejo e continua sendo instigante e estimulante para novos vôos porque mexe com a alma humana”, diz.

Polêmico como toda a obra de Nelson, o texto toca em questões morais e sociais. “A dramaturgia dele traz à tona o que se considera imoral, mas coloca questões quase com uma santidade. Quando se encontram, luz e trevas redimensionam a questão do pecado, colocam para fora o que é bloqueado. Então a alma se revela e se estabelece uma santidade porque não há mais pudor. Fica o que está mais próximo do sublime”, afirma Machado.

Isso se deu num cenário em que o Brasil se modernizava – em certos aspectos. “Tínhamos uma transformação econômica e política (com a lavoura do café perdendo seu poder de decisão sobre assuntos nacionais), mas a moral continuava arcaica, rural. Isso gerou uma ambigüidade trágica, os limites morais não cabiam em seu tempo. Havia uma sociedade hipócrita e repressora em relação aos novos valores”, diz Toscano.

De acordo com o pesquisador Caco Coelho, “a sociedade sempre preferiu o Nelson engraçadinho (das frases geniais) porque ele foi um grande crítico dela, talvez o mais ferino e que mais a atingiu profundamente”. Para Coelho, o interesse em Vestido de Noiva perdura porque Nelson possuía “o poder de se comunicar com a essência do ser humano”.

Autor da dissertação de mestrado Nelson Rodrigues – Matriz da Dramaturgia Contemporânea no Brasil, defendida na USP, Toscano aponta a excelência da carpintaria teatral rodriguiana: “Nelson formulou uma escritura teatral que chama a encenação nas rubricas. A indefinição temporal e espacial exige postura do encenador. Vestido de Noiva já possui características contemporâneas, como exigir uma postura do encenador e a multiplicidade de signos simultâneos”.

E que não se esqueça a contribuição do diretor Zbigniew Ziembinski e do cenógrafo Tomás Santa Rosa para o êxito da peça. “Ziembinski trouxe uma nova linguagem, um novo acabamento de iluminação. A partir dali, começaram a ver o teatro com outras possibilidades. O teatro evoluiu, deu um salto”, afirma Machado.




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