Setecidades Titulo Levantamento
Roubo qualificado é crime
de 60% dos menores

No 1º quadrimestre, prática foi principal causa
de entrada de infratores na Fundação Casa

Vanessa de Oliveira
08/06/2014 | 07:00
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Denis Maciel/DGABC


Nos primeiros quatro meses deste ano, o roubo qualificado (com lesão corporal ou morte, este último também denominado latrocínio) foi a principal prática criminosa que ocasionou o ingresso de adolescentes das sete cidades na Fundação Casa. Dos 338 jovens que deram entrada nas unidades mantidas pela entidade na região, de janeiro a abril, 202 (59,76%) se enquadram nesse perfil. O percentual difere dos levantamentos dos dois últimos anos, quando, no mesmo período, o ato infracional de maior incidência entre os jovens era o tráfico de drogas. A região possui unidades da entidade em quatro municípios: Santo André, São Bernardo, Mauá e Diadema (esta última de semiliberdade).

Para o integrante do Condeca (Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente) e coordenador da Comissão da Infância e Juventude da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) São Bernardo, Ariel de Castro Alves, o número é bastante expressivo. Para ele, as características econômicas e sociais do Grande ABC podem influenciar os menores. “Nos últimos anos, a região, que era industrial, passou a concentrar maior número de estabelecimentos comerciais e, com o forte consumo da população, essa tendência (de roubos) acaba se ampliando”, fala.

CAUSAS

O desejo de status dos adolescentes também é um dos fatores apontados por Alves, que ganha reforço com a propagação do estilo musical funk ostentação, no qual as letras abordam a popularidade por meio de bens materiais. “O funk prega que o jovem tem de ter carro importado, roupa de marca, então, esse tipo de música pode ter uma certa influência, contribuindo para aumentar o desejo de consumo dos jovens. Porém, a adolescência é o período em que a pessoa tem menos condições financeiras e no qual mais quer ter bens, pois é diariamente bombardeada pela publicidade.”

O advogado também pontua a marcação cerrada da polícia em cima do crime organizado e o desejo de autonomia como possíveis motivos para a migração do tráfico de drogas para a modalidade do roubo. “O aumento do policiamento e a atuação maior da polícia investigativa para combater o crime organizado acabam inibindo o tráfico. Além disso, no roubo há certa autonomia, porque no caso do tráfico, ele pertence a um grupo criminoso e não quer ficar subordinado, obedecer ordens e correr riscos no caso de cometer erros.”

DROGAS

Já para o especialista em Segurança Pública e Prisão Jorge Lordello, as drogas mantêm ligação com os assaltos praticados por menores não só no Grande ABC, mas em todo o Estado. “O que observamos é que tem muito garoto assaltando para comprar entorpecentes. Muitas vezes, o jovem roubou um carro, mas a finalidade é vender o bem para comprar drogas. O adolescente precisa de dinheiro para manter o vício ou para comprar e revender. Uma coisa está relacionada com a outra.”

Reduzir maioridade penal não é solução

Reduzir a maioridade penal não resolve o problema do ingresso cada vez mais frequente dos adolescentes no mundo do crime, de acordo com especialistas ouvidos pelo Diário. A pauta está sendo discutida no Senado, que ainda precisa decidir se aprova a proposta de emenda à Constituição (PEC 33/2012). O texto estabelece punições diferenciadas para adolescentes de 16 anos a 18 anos envolvidos em crimes graves.

Para o defensor público de Santo André Marcelo Carneiro Novaes, a redução seria um ato ‘insano’. “Nossa população carcerária cresce desordenadamente. No Estado de São Paulo temos 210 mil presos. Essa é a população de algumas cidades. O País tem que buscar outras soluções para o fenômeno da criminalidade que não o aprisionamento, pois o que ocorre hoje é a detenção em massa”, ressalta.

Para o integrante do Condeca (Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente) e coordenador da Comissão da Infância e Juventude da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) São Bernardo, Ariel de Castro Alves, na atual situação das prisões, os adolescentes sairiam muito pior do que entraram. “Se o sistema de tratamento de adolescentes infratores por meio de medidas socioeducativas ainda não consegue cumprir as atribuições, o sistema prisional brasileiro menos ainda. Há muito mais condições do jovem se recuperar a partir de um tratamento especializado, com a presença de educadores sociais, psicólogos e assistentes sociais, como ocorre nas próprias unidades de internação da Fundação Casa, ou nos programas de liberdade assistida das prefeituras, que esses jovens serem cuidado por carcereiros e ficarem trancafiados de forma completamente ociosa, como ocorre hoje nos presídios.”

LIMITES

O especialista em Segurança Pública e Prisão Jorge Lordello pontua que a questão central não é reduzir a maioridade penal, mas não haver limite de idade para responder pelos crimes cometidos. “O que deveria ser verificado é se aquela pessoa que cometeu o crime tem o entendimento de que aquilo é algo errado. Independentemente de ter 10, 11, 12 anos, ele responderia pelo que cometeu”, diz Lordello.

“O menor percebe que mesmo ao cometer um crime grave, fica pouco tempo como interno na Fundação Casa, o que acaba por se tornar um estímulo para que continue a praticar crimes quando sair, sabendo que não haverá punição efetiva. Quando esse jovem não fica detido, a integridade física dele está exposta, porque na rua ele corre o risco de uma série de problemas: ser morto por traficantes, por gangues rivais e pela própria polícia”, destaca o especialista.

Jovem precisa de emancipação social, avalia especialista

O integrante do Condeca (Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente), Ariel de Castro Alves, que também coordena a Comissão da Infância e Juventude da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) São Bernardo, analisa que só com conselhos e atendimentos esporádicos não é possível convencer o jovem a deixar a criminalidade. “São necessários programas de inclusão e oportunidades visando a emancipação social dos menores. Temos de ter programas capazes de criar um novo projeto de vida para os adolescentes, que envolva suas famílias”, pontua. Nessa questão, ele destaca programas com subsídio financeiro, que ofereçam bolsa formação e vale-transporte. “Sem subsídio, não tem como atraí-los.”

Alves ressalta a falta de oportunidade como um dos principais entraves para a ressocialização. “São necessários estágios, aprendizagem, cursos técnicos, empregos, com ações dos órgãos públicos e também da iniciativa privada. Entre as medidas, precisamos garantir vagas para os jovens em cursos profissionalizantes”, fala. “Também é necessário criar política de incentivos fiscais para as empresas que contratem estagiários e aprendizes. As prefeituras e empresas públicas também devem auxiliar esses jovens”, acrescenta.

Para o especialista, as unidades de internação da região e os programas de liberdade assistida das prefeituras estão deixando a desejar. “Não estão cumprindo suas finalidades de reeducar, ressocializar e propiciar a criação de um novo projeto de vida para esses jovens. Além disso, as sete cidades do Grande ABC não têm programas de atendimento aos egressos de medidas socioeducativas.”




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