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São Bernardo fecha biblioteca, e moradores falam em desmonte

Tradicional no Rudge Ramos, Malba Tahan dará lugar a Centro de Audiovisual; Prefeitura afirma que realiza reorganização dos espaços

Heitor Agrício
Especial para o Diário
30/05/2022 | 07:00
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Heitor Agrício/Especial para o Diário


Usuários de bibliotecas e moradores ligados às atividades culturais em São Bernardo temem que a Prefeitura promova desmonte do setor na cidade, movimento que teria sido iniciado com o fechamento de bibliotecas ou reorganização de espaços das unidades para acomodar outros serviços. Caso emblemático desse processo é o fechamento da Biblioteca Municipal Malba Tahan, instalada no Rudge Ramos desde 1976 e cujo espaço atual, para onde foi transferida em 2000, dará lugar ao CAV (Centro de Audiovisual), que deixará o Cenforpe (Centro de Formação de Professores), no bairro Planalto.

Segundo moradora envolvida em projetos culturais de incentivo à leitura, além da Malba Tahan, pelo menos duas outras bibliotecas passam por processo de reestruturação: a Guimarães Rosa, instalada na área que abriga o Centro Cultural do Bairro Assunção, na Avenida João Firmino, e a Manuel Bandeira, na Rua Bauru, no Baeta Neves.

“A Prefeitura começou destruindo o Centro Cultural do Bairro Assunção. A Biblioteca Guimarães Rosa foi toda desmontada, o setor infantil foi descaracterizado e cedeu espaço para montar um cartório eleitoral. Acabou com as salas de oficinas culturais e montou também o Atende Fácil. Pasme. Ele entulhou toda a biblioteca em apenas uma sala. A Biblioteca Manuel Bandeira no Baeta Neves, está fechada desde março de 2020. E do jeito que as coisas andam, eles (Prefeitura) não deixam a gente desenvolver nenhum projeto cultural de incentivo à leitura para terem o argumento de que não tem movimento nas bibliotecas e por isso é melhor fechar”, disse a moradora, que preferiu não se identificar por temer represálias.

Ela falou também sobre a situação da Malba Tahan, espaço que faz parte da história do Rudge e de milhares de estudantes que recorriam ao acervo para fazer trabalhos. Assim como de moradores que ali buscavam um livro ou usavam as mesas para ler. Agora, apenas um aviso afixado na porta informa que o local está fechado, e que os livros em posse de usuários deveriam ser entregues em outras unidades.

“Comunicamos que a Biblioteca Malba Tahan, a partir de 23/3/22, estará de portas fechadas, e irá para outro espaço a ser divulgado em breve” é o que diz cartaz pendurado na porta do prédio, localizado na Rua Helena Jacquey, 208. A unidade está fechada há pouco mais de dois meses, e usuários temem que o bairro tenha perdido um dos seus mais tradicionais equipamentos culturais.

A administração municipal afirma que o prédio, anteriormente utilizado pela biblioteca municipal, será o novo endereço do CAV, e que a “mudança do Centro de Audiovisual para o local está sendo organizada e será concretizada nos próximos meses”. Informa ainda, em nota, que a Malba Tahan será alocada em outro espaço, mas sem local definido. Funcionário da biblioteca, por telefone, disse que todo o acervo seria distribuído para outras unidades, o que dá a entender que a biblioteca não será reaberta.

A Prefeitura, por sua vez, aponta que parte dos livros foi enviada a outros espaços, e outra está reservada para a reabertura da Malba Tahan, mas sequer fala em prazo ou em que ponto do bairro será instalada. Na mesma reposta, em nota enviada ao Diário, a gestão do prefeito Orlando Morando (PSDB) explica que o processo de reorganização se aplica também à Biblioteca Manuel Bandeira, no Baeta Neves, que está fechada desde março de 2020, no início da pandemia.

Segundo a Prefeitura, a Manuel Bandeira passa por “processo de reorganização para contar, também, com um centro de referência em jogos eletrônicos, fruto de parceria entre as secretarias de Esportes e Lazer e Cultura e Juventude”. Sobre a Biblioteca Guimarães Rosa, a administração informou que “está funcionando normalmente, inclusive oferecendo programação cultural.”

O governo do prefeito Orlando Morando afirma também que “não há fechamento de bibliotecas na cidade”. “Os espaços passam por reorganização para melhor atender à sociedade, ampliar o incentivo e a democratização da leitura no município e tornar as bibliotecas e espaços culturais mais atrativos à comunidade”.  

Frequentadores lamentam fechamento da Malba Tahan

Érica Gomes, 18 anos, funcionária de uma perfumaria que compartilha o endereço do prédio da biblioteca, comenta que tinha o costume de frequentar o local há anos, e que agora sente falta da facilidade que tinha para cultivar o hábito da leitura enquantro a unidade estava aberta. “Hoje em dia não leio mais livros físicos, que para mim são muito mais agradáveis. Só consigo ler com facilidade no meu celular, e ainda tenho o custo de comprar a versão digital dos livros.” Problema que anteriormente não encontrava com a possbilidade de pegar livros emprestados na Malba Tahan.

A jovem também fala sobre o número de usuários que frequentemente presenciava na biblioteca. “Não era muito movimentado, mas sempre tinha gente, tanto que até na pandemia havia muita busca e pergunta dos clientes (da perfumaria) se a gente sabia quando iriam retomar as atividades", lembra Érica.

Outra comerciante da rua, Adalva Dias, 42, ressalta que leu menos nos últimos meses em razão do fechamento da biblioteca. “Eu lia pelo menos um livro por mês quando ela (Malba Tahan) estava funcionando.” Adalva salienta também a importância do equipamento para os mais jovens. “Eu acho importante para as crianças, pois várias escolas traziam os estudantes na biblioteca antes da pandemia.”

Para o aposentado João Luís, 60, que mora no Rudge Ramos há 25 anos, a falta da biblioteca no bairro é uma perda para uma das regiões mais tradicionais de São Bernardo. “Muito ruim estarmos sem equipamento tão importante, pois sempre tivemos a biblioteca no bairro para ler ou pesquisar. Até mesmo para ler jornais e revistas alguns utilizavam.”

O aposentado conta que tem três filhos que gostam de ler e faziam visitas frequentes ao local, mas a verdadeira preocupação com a falta do equipamento são os mais velhos e aqueles que não têm condições de comprar livros. “Com o fechamento, as pessoas de baixa renda e aqueles que não se adaptaram com o meio digital (para consumir cultura) vão ficar desamparados.” Situação que ele considera “incabível” para a maior cidade do Grande ABC, sobretudo pela falta de espaço que ajudou a formar centenas de moradores ao longo de quase 50 anos. “Para a gente formar um país decente, nós formamos com cultura e muita leitura.”

João Luís avalia que pela quantidade de escolas e tamanho do Rudge Ramos a biblioteca seja ainda mais importante. “No bairro temos algo em torno de nove escolas, e é um bairro grande. Então, duvido que aqueles que usavam esse lugar vão pegar ônibus para se deslocar até o Centro ou bairros mais distantes para usar uma biblioteca.” Quando a reportagem do Diário entrou em contato com a Malba Tahan, por telefone, funcionário informou que os usuários poderiam se dirigir às unidades do Centro ou do bairro Pauliceia, que ficam distantes e exigem uso de transporte público.




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