Entrevista da Semana Titulo Entrevista da semana - Maurício de Sousa
‘O Diarinho foi um dos primeiros jornais com histórias da turma'
Por Yasmin Assagra
Do Diário do Grande ABC
14/03/2022 | 00:01
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Caio Gallucci/ Divulgação MSP


Existe quem o conheça somente por Mauricio de Sousa, mas sabendo de sua verdadeira história é inevitável não tratá-lo como o ‘pai’ (ou criador) da Turma da Mônica. Natural de Santa Isabel, em São Paulo, o desenhista de 86 anos, já estampou milhares de jornais e revistas com seus personagens, inclusive as página do Diarinho, que está completando 50 anos em 2022 e até hoje publica conteúdos assinados por ele. Mauricio diz que o suplemento infantil ajudou a popularizar seu trabalho e que se orgulha de ter contribuído para a alfabetização de muitas crianças. Suas obras rodam o mundo e hoje chegam a mais de 100 países.

O Diarinho completa 50 anos em 2022. Praticamente em todo esse período, a Turma da Mônica esteve presente nas páginas desse suplemento. Como isso começou? 

Era um momento difícil para manter uma equipe de desenhistas. Minha saída foi distribuir meus quadrinhos nos jornais pelo Brasil todo. O Diário do Grande ABC foi um dos primeiros veículos a publicar um suplemento infantil com histórias da turma, joguinhos, passatempos e matérias ligadas à capa.

Inclusive, no início, as capas do Diarinho eram produzidas pela equipe do senhor. Como isso era feito?

A editora do suplemento Diarinho me passava a pauta do principal assunto do jornal na semana e nossa equipe trabalhava dando espaço para as chamadas de capa. Tudo era feito em um dia só. Geralmente, os assuntos de capa giravam em torno de datas importantes tanto da família como históricas.

Nessa época, o senhor vinha até Santo André retirar os exemplares do Diarinho. Qual sua relação com o Grande ABC?

Na verdade, o Diarinho, com nossas histórias, foi lançado e marcou tanto com sua presença que resolvi rodar um subproduto: o Jornalzinho da Turma da Mônica, que comecei a distribuir por todo o País pelos correios. E efetivamente eu ia buscar meus jornaizinhos nas gráficas do Diário do Grande ABC pessoalmente, com minha Kombi.

Qual a importância desse suplemento infantil para o senhor?

Foi nesta experiência com os suplementos infantis dentro dos jornais que pude chegar aos milhares de leitores em um contato semanal. Assim meus personagens caíram no gosto do público e ficaram cada vez mais conhecidos.

Que projetos se iniciaram após sua primeira publicação no suplemento do Diário?

Logo depois que consegui uma boa distribuição de material fazendo com que nossa turminha ficasse mais conhecida, eu tinha condições para planejar uma revista com a Turma da Mônica, uma revista mensal. E em 1970 a Editora Abril me convidou para publicar a revista Mônica e sua Turma. Daí por diante todos conhecem a história.

Durante todos esses anos, o que essa parceria entre o Diarinho e a Turma da Mônica mais marcou? 

Foi um tempo de muito trabalho quando meu temor era enfrentar algum alagamento com minha Kombi. Às vezes meu irmão ou um sobrinho me substituíam, e nesse sistema uma vez aconteceu o que eu temia. Recebi um telefonema de que a Kombi tinha se descontrolado e caído num rio próximo de Campinas. Meu irmão Marcio Roberto estava ao volante e conseguiu se safar com um pequeno ferimento, mas os suplementos que lotavam a Kombi foram, literalmente, por água abaixo. Precisei imprimir tudo de novo e a vida continuou. Com outra Kombi, lógico. E lembro que nosso relacionamento com o pessoal do Diário irmanou-se durante todo o processo. Bons tempos!

Diversas crianças foram alfabetizadas com o auxílio das histórias da Turma da Mônica. Como o senhor avalia esse sucesso até os dias de hoje? 

A minha medalha no peito é sentir que nossas revistas estimulam crianças a se alfabetizarem até na pré-escola. Por todas essas gerações, nos mais de 60 anos de trabalho, a história é sempre a mesma quando alguém me encontra e está com o filho. Diz que ambos foram alfabetizados pelas minhas revistas e que agora são filhos ou netos nesse processo. 

Quantos países a Turma da Mônica já atingiu?

Nestes anos todos com contratos que começam e terminam passamos por quase uma centena. Hoje em dia estamos até em países em que a Turma da Mônica nunca esteve em quadrinhos por conta da animação Mônica Toy em nosso canal do YouTube. Depois do Brasil, um dos países onde a Toy faz sucesso é a Rússia, porque estas pequenas animações não precisam de dublagem.

Como o senhor apresentaria a história da Turma da Mônica para essas novas gerações de crianças?

Nós conseguimos manter leitores até hoje justamente por sabermos conversar com as novas gerações. Estamos sempre atualizados com a linguagem da hora e vez. Auxiliados também pelas redes sociais. Acredito que quando converso com um adulto, na verdade, estou conversando com a criança que existe dentro dele. Eu me sinto assim por dentro.

Ao todo, quantos personagens você já criou?

Mais de 400 contando os principais e secundários.

Além do Bidu, que foi o primeiro personagem criado, existe outro personagem que mais marcou? Se sim, qual?

O Horácio é uma espécie de meu alter-ego. Tem bastante de minha filosofia de vida e uma visão ecológica forte.

Como foi o processo de criação da turminha da Mônica? Aproveitando que suas filhas – Mônica e Magali – viraram personagens?

Primeiro veio a tira do Cebolinha. Personagem baseado em um amiguinho de futebol de meu irmão Márcio. Assim como Cascão, que surgiu depois. A Mônica só apareceu quando amigos me cobraram personagem feminino nas historinhas. Desenhava em casa e observava suas personalidades para me inspirarem personagens. Via a Magali comendo uma melancia inteira, a Mônica carregando aquele coelho enorme e mostrando sua personalidade forte e a Mariângela toda doce. Assim nasceram Magali, Mônica e Maria Cebolinha. Sempre procurei basear meus personagens em pessoas reais.

Falando agora um pouco do Maurício de Sousa. O senhor sempre quis ser cartunista? Quais eram seus planos antes do sucesso com a turminha? 

Eu sempre quis ser desenhista e contar histórias. Veio desde a infância, quando me alfabetizei com gibis que minha mãe lia para mim. Lia e me alfabetizava. Em algum momento, já na puberdade, pensei em ser pianista, mas não tive condições de estudar no teclado. Mas, pensando bem, carregar lápis é bem mais fácil que carregar piano.

O senhor aprendeu a desenhar sozinho?

Como me interessei por quadrinhos desde pequeno, esse caminho foi natural. Brincava de desenhar, criar, com o que via e lia. Sempre muito incentivado pelos pais e por professores. E desde cedo sonhando em fazer quadrinhos quando crescesse.

O senhor é jornalista de formação. Em algum momento, atuou nessa área?

Eu comecei a trabalhar como jornalista na Folha da Manhã (atual Folha de São Paulo) em 1954. Na época, os jornalistas eram formados na prática dentro dos jornais. Atuei como repórter policial por cinco anos, até que consegui publicar uma tira, em 1959, de meus personagens Bidu e Franjinha na Folha da Tarde. Pedi demissão como jornalista e fui contratado como desenhista.

E a infância, como foi?

Nasci em Santa Isabel, mas ainda nenê mudei para Mogi das Cruzes, onde passei a maior parte de minha infância. Em dois quarteirões da rua Ipiranga, onde eu morava, vivia quase toda minha família juntamente com vizinhos de todas as partes do mundo. Com essa universalização tive contatos com crianças que falavam outros idiomas, na casa delas provei culinárias de todo tipo. Brincava com meus amiguinhos em rua de terra quase sem trânsito e, o mais espetacular, ninguém trancava as portas. Minha turminha com sede ou fome entrava na casa mais próxima e era convidado para comer ou beber. E ao anoitecer eu e a criançada entrávamos na casa da minha avó (a vó Dita, que hoje vive nas histórias do Chico Bento) para ouvirmos suas histórias tão bem contadas. Foram as minhas mil e uma noites que repeti em novas reuniões com os amiguinhos, mas de forma diferente: eu repetia as histórias da vó Dita exibindo desenhos que eu criava e exibia para a platéia à luz de velas. Cobrava seis ou oito palitos de fósforo de ‘entrada’. Tudo acontecia no quintal da minha avó. Nessa época já fora alfabetizado com gibis pela minha mãe e o desenho já corria nas veias.

Quais são os planos para 2022? Principalmente, com a turminha do Limoeiro. 

Sempre temos sonhos a realizar. Neste ano, com o sucesso do segundo filme da Turma da Mônica, Lições, que ainda está nos cinemas, vem a série para a televisão com os mesmos atores do cinema para a Globo Play. Tem os livros que estamos lançando com todas historinhas do Horácio que criei e desenhei. Uma coleção de quatro livros chamada de Horácio Completo (que o Diário acompanhou e divulgou em 12 de dezembro de 2021). E o livro lançado recentemente chamado Sou um Rio, onde descrevo a vida de um rio desde sua nascente, com o enfrentamento à poluição e vivendo seu destino. E finalmente acabamos de lançar um livro com a escritora Januária Alves, que criou uma história linda com a personagem Tina e a Turma da Mônica Jovem orientando os jovens a enfrentarem as fake news que tanto prejudicam vidas nas redes sociais. Chama-se #Xô FakeNews!. Mas aguardem novidades.

Por fim, gostaria que o senhor deixasse uma mensagem sobre o Diarinho e, claro, seus pequenos leitores.

Aos pequenos leitores que nos conheceram lá pelos anos 70 e hoje são avós, aos leitores infantis, desejo que tenham muitas alegrias na vida para manter boas lembranças em família. De nossa parte, vamos continuar com nossas histórias para ajudar nessa alegria de diversão, entretenimento e carinho para com nossos leitores. Abraços a todos.

RAIO X

Nome: Mauricio Araújo de Sousa

Idade: 86 anos

Local de nascimento: Santa Isabel, São Paulo 

Formação: Jornalista 

Hobby: Fotografia

Local predileto: Minha casa

Livro que recomenda: Qualquer livro da coleção infantil do escritor Monteiro Lobato

Artista que marcou sua vida: Will Eisner, criador norte-americado do personagem Spirit

Profissão: Desenhista

Onde trabalha: Mauricio de Sousa Produções




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