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Reforma trabalhista: fomos enganados?
Sandro Renato Maskio
22/11/2021 | 00:01
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Há pouco mais de quatro anos o discurso político em torno da necessidade de uma reforma trabalhista apontava ser esta a saída para geração de empregos no Brasil. À época, a taxa de desocupação era de aproximadamente 12,7% da força de trabalho, considerando a média dos trimestres de 2017. O argumento era favorecido pela trajetória recente da economia, que havia registrado retração de aproximadamente 6% do PIB no biênio 2015/2016, seguido de estagnação nos anos seguintes. Isso havia provocado elevação de pelo menos 5,6 pontos percentuais na taxa de desocupação média entre 2013 e 2017.

Desde então, 2019 apresentou a menor taxa média de desemprego, de 11,8%. Em 2020, por conta da retração da atividade econômica, a taxa de desocupação chegou a 14,6% da força de trabalho e atingiu 14,75% no início de 2021.

Qual o efeito da reforma trabalhista na dinâmica da economia, se não promoveu significativa geração de emprego, como prometido, mesmo antes da retração de 2020?

O raciocínio econômico por trás da hipótese de que a reforma trabalhista teria potencial para gerar emprego está relacionado à explicação ortodoxa dos determinantes da tomada de decisão no mercado de trabalho por parte dos empregadores. Segundo esta explicação, a contratação de fatores de produção, incluindo mão de obra, vem da avaliação entre produtividade do fator de produção, do resultado produtivo esperado deste e do custo adicional provocado pela contratação deste fator de produção. No caso a mão de obra. 

Isso significa que, quanto menor o custo de contratação diante da produtividade, torna-se mais viável contratar colaboradores com vistas à operacionalização da produção e a viabilização de lucro nesta operação. O que, em uma condição estática, ou seja, sem alterações nas condições gerais que impactam o mercado de trabalho, tecnicamente faz sentido. 

A comparação internacional entre produtividade do trabalhador e salário médio aponta forte correlação entre estas variáveis. Isso quer dizer que, quanto mais produtividade, maior capacidade de geração de riqueza por fator de produção empregado e, consecutivamente, maior capacidade de remunerar melhor os trabalhadores. Entretanto, não significa que, quanto menor o custo de contratação, maior o nível de emprego agregado. 

Outro ponto importante a ser observado é que a decisão de contratação de fatores de produção, incluindo mão de obra, máquinas, equipamentos e tecnologia, entre outros, envolve avaliação comparativa entre os diferentes fatores possíveis de serem contratados, considerando a relação entre produtividade e custo adicional de cada um destes. Isso está claro na própria teoria ortodoxa que subsidiou a defesa da reforma trabalhista. 

Por que os empregos não vieram? 

Primeiro, porque o mercado de trabalho é movimentado pelo que chamamos de demanda derivada. Ou seja, só haverá demanda por trabalho e insumos de produção se houver procura por bens e serviços finais na economia. Se a economia cresce pouco, o volume de consumo agregado evolui lentamente e o empregador não tem necessidade de ampliar a produção nem contratar trabalhadores e outros insumos. 

Segundo, mesmo havendo bom crescimento da economia, com ampliação conjunta da demanda por bens e serviços, o empregador fará avaliação comparativa sobre quais decisões se mostrarão mais efetivas e rentáveis diante da necessidade de ampliar a produção nos períodos virtuosos.

No campo do mercado de trabalho, seguindo a lógica de comparação entre produtividade e custos adicionais da teoria ortodoxa, a redução dos custos de contratação do trabalhador pode lhe trazer algum pequeno efeito positivo na relação entre produtividade e custo frente a outros insumos de produção, como tecnologias e sistemas de automação produtiva. Entretanto, especialmente nas tarefas onde a automatização das operações se mostra mais factível, a evolução da produtividade dessa automatização pode rapidamente superar eventual vantagem que possa ter surgido no curto prazo com a redução do custo de contratação do trabalhador. 

Ou seja, a própria lógica da teoria ortodoxa que explica a dinâmica do mercado de trabalho parece deixar claro que a deterioração das condições de trabalho, que para efeito da decisão dos empregadores se traduzem na variável custo, não sustenta o suposto efeito sobre o acréscimo na geração de empregos.

O maior impacto das alterações trabalhistas é sobre o que denominamos de efeito substituição. Ou seja, qual dos fatores de produção e trabalho é mais viável contratar frente as opções substituíveis. Neste sentido, acrescenta-se que a livre negociação entre empregadores e trabalhadores, sem adequada regulamentação, tende a impor uma relação de forças desigual em prejuízo dos trabalhadores. 

Isso não significa, por outro lado, que a legislação trabalhista não deva se modernizar, acompanhar as mudanças na dinâmica econômico-social em torno das relações de trabalho. Mas é diferente de precarizar. O efeito desta precarização, infelizmente, tende a ser mais intenso especialmente junto aos trabalhadores menos qualificados e que trabalham em atividades mais vulneráveis.

Material produzido por Sandro Renato Maskio, coordenador de estudos do Observatório Econômico da Faculdade de Administração e Economia da Metodista.




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