Setecidades Titulo Julgamento
Mãe de Eloá espera
Justiça três anos depois

Ela verá o responsável pela tragédia, Lindemberg Ferreira
Alves, 25, ir a júri popular no Fórum de Santo André

Rafael Ribeiro
Do Diário do Grande ABC
22/01/2012 | 07:00
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O dia 13 de fevereiro não será normal para Ana Cristina Pimentel, 45 anos. Três anos e quatro meses após o maior sequestro em cárcere privado do Brasil, com mais de 100 horas de duração, e a posterior morte de sua filha, Eloá Cristina Pimentel, então com 15 anos, ela verá o responsável pela tragédia, Lindemberg Ferreira Alves, 25, ir a júri popular no Fórum de Santo André. "Finalmente", exclamou.

Para Ana, porém, a morte de sua filha, no dia 17 de outubro de 2008, poderia ter sido evitada. "A polícia teve várias chances de acabar com ele, mas sempre vinha ordem de cima para não matá-lo porque ele era trabalhador. E minha filha é que saiu morta". À época, mesmo criticada por especialistas, a Polícia Militar alegou que agiu corretamente. "Se ele falou tanto da mãe dele, por que não levaram ela lá para conversar e tentar convencê-lo? Se era por amor, por que ele não se matou?, contestou a mãe da menina.

Ana quer saber o que levou Lindemberg a cometer o crime. Até hoje não sabe o motivo pelo qual perdeu a filha no apartamento em que morou por dez anos com a família, no Jardim Santo André. Sabe, no entanto, que não terá a resposta. "Até agora ele não demonstrou arrependimento. Pensei que iria olhar para mim, nos meus olhos, mas só ria."

Os encontros aconteceram todos no Fórum, onde a defesa de Lindemberg conseguiu adiar o julgamento, marcado para março do ano passado, por contestar provas apresentadas no inquérito e ter o direito de protocolar novas testemunhas. Orientado, em todas as sessões ele não se pronunciou. "Meu medo é ele sair e fazer isso com a filha dos outros. Ele seria capaz."

Ana não entende como a pessoa que recebeu em sua própria casa fez o que fez. Nem mesmo quando contestou o namoro da filha, de apenas 12 anos, com um homem mais velho, foi capaz de imaginar o que aconteceria. Eloá sofria com os constantes términos do relacionamento, mas ela a aconselhava, dizia que aquilo era apenas o começo de sua vida amorosa e que viriam outros namoros. A menina aceitou e seguiu em frente. O aviso veio no mês de junho daquele fatídico ano, quando Lindemberg disse que cometeria "uma besteira" se não reatassem de novo.

"Ele acabou com minha família", disse Ana. Além da filha morta, o marido Everaldo Ferreira dos Santos se tornou foragido da Justiça de Alagoas. Ana perdeu a casa e tudo o que havia dentro. Entrou em estado de depressão profunda, que a tirou do antigo emprego por oito meses com uma lista de mais dez remédios por dia para tomar.

Hoje, independentemente do tempo que Lindemberg passará preso, Ana disse que começou a superar os traumas. "Lembrei que tenho dois filhos que precisam dos meus cuidados." Sem o marido, recomeçou do zero. Voltou ao mercado de trabalho. Agradece e diz que encontrou forças na religião evangélica para enfrentar o que considera "provação divina". Mas as sequelas ficam. Ainda não teve coragem de passar em frente ao antigo prédio para agradecer a força dos vizinhos. E, às vezes, chora nos momentos de silêncio. Mas ela faz questão de fazer uma auto-análise: "Aprendi a ficar só."

Na residência onde mora desde o Natal de 2008, também em Santo André, há pelo menos um retrato da menina em cada parede ou móvel. Ana quer ter sempre a imagem de Eloá por perto. "Tento lembrar somente das coisas boas que passei com Eloá. Gosto de olhar para ela. Fico triste quando passo um dia sem ver sua foto."

Mulheres vítimas de crimes bárbaros mantêm união 

O trauma passou trouxe à Ana Cristina Pimentel uma vocação: a de ajudar outras famílias que perderam parentes em crimes hediondos. "Se fico sabendo de uma mãe que está passando por dificuldades, faço questão conversar com ela. É o mínimo que posso fazer pela minha filha", disse.

A mãe de Eloá também integra rede informal de mulheres que perderam filhos em crimes de grande repercusão. O movimento é liderado por Keiko Ota, hoje deputada federal pelo PSB, mãe de Ives Ota, morto durante sequestro aos 8 anos, em 1997.

"Sempre que sou convidada, vou aos eventos, às passeatas, já fui até a Brasília. Agora que marcaram a data do julgamento, as mães começaram a me ligar. Algumas dizem que virão para a cidade acompanhar de perto. Sempre nos ajudamos no que é preciso."

Família consegue reencontrar a felicidade

Seja no novo emprego ou na rua, não há quem não reconheça Ana Cristina Pimentel como "a mãe da menina Eloá". Ela agradece, diz que o apoio que recebe a ajudou a ficar de pé.

A recuperação é visível. Após o ocorrido, Ana viveu por cerca de três meses com os filhos, morando de favor na casa de uma companheira da igreja evangélica. Formou-se em pedagogia, mas hoje trabalha como recepcionista. Sua vida se divide entre o expediente noturno e os cultos. O neto de 6 meses, de seu filho mais velho, de 24 anos, trouxe alegria ao ambiente caseiro. O caçula, hoje com 17, foi o que mais sofreu. Era amigo de Lindemberg e muito próximo da irmã. Foi ele quem apresentou os dois. Precisou fazer tratamento psicológico, mas voltou a estudar e hoje está no primeiro emprego.

A felicidade pode ficar completa ainda neste ano. O marido, Everaldo Ferreira dos Santos, ex-sargento da Polícia Militar em Alagoas, é acusado de participação em homicídios no Estado nos anos 1980. Desde 1990 vivia em Santo André como Aldo Pimentel. Segundo Ana, teve de fugir por sofrer ameaças, mas a Justiça lhe deu importante ganho de causa no ano passado, reconhecendo que as acusações eram injustas e obrigando o Estado a lhe pagar os salários atrasados.




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