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Vida tranquila em Mauá, mas nem tanto

Moradores do Jardim Itaussu reclamam do barulho causado por festas em chácaras alugadas

Camila Galvez
31/10/2011 | 07:00
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Quem chega ao Jardim Itaussu, em Mauá, sente-se logo num pedacinho do interior. A área de mananciais cercada de mata e rodeada por pesqueiros é afastada do Centro e tem pouca infraestrutura. As ruas são todas de terra e as casas humildes, com tijolos aparentes, contrastam com as chácaras suntuosas, com construções modernas, piscinas e churrasqueiras.

São exatamente essas chácaras que têm tirado o sossego dos moradores. É o caso de Aparecida Cardoso Pinto, 51 anos, que nasceu na mesma casa onde vive hoje na Estrada do Shenck, ao lado da única escola estadual do Jardim Itaussu. "Quando cheguei não tinha nem rua. A gente andava no mato. Agora vieram as chácaras e não consigo dormir."

Segundo Aparecida, jovens se reúnem em festas do tipo rave durante o dia e à noite. O imóvel dela fica entre três chácaras. No terreno, ela cria galinhas, porcos e um bode. "Os bichos ficam ouriçados. Chamei a polícia algumas vezes, mas eles não resolvem."

Outra reclamação de Aparecida é em relação ao descarte irregular de lixo, que se acumula pelas ruas de terra do bairro. "Vem caminhões grandes e largam tudo aqui, como se fosse um lixão. É um absurdo."

O comerciante Pedro Aguiar dos Santos, 67 anos, diz que a barulheira incomoda bastante, mas não atrapalha o sono da família. "Tranco as portas e janelas e, se elas chacoalham muito, faço um calço e vou dormir. Não tem jeito."

Para ele, o problema é a poeira e a lama da rua de terra. "A mulher reclama muito da sujeira, mas sabe que eu acho até bom que fique assim? Pelo menos a gente se sente como se estivesse no interior."

SAÚDE

A falta de redes de esgoto prejudica a área de manancial e os poucos moradores dali. "Em dias de muito calor, o cheiro do esgoto e do lixo que jogam fica insuportável", disse a dona de casa Zilma Nunes Almeida, 49. A equipe do Diário constatou o problema logo na chegada ao Itaussu, quando foi recepcionada por um bando de urubus.

A distância de outros bairros de Mauá e a falta de escolas na região também são problemas apontados pelos vizinhos. "Vou a pé levar e buscar meu filho de 4 anos na escola todos os dias. É meia hora de caminhada. Quando chove, fica impossível levar o menino", disse a dona de casa Michelly Aparecida Almeida da Conceição, 27, mãe do pequeno Bruno, que já sabe desenhar algumas letras no bloquinho da repórter.

É assim a vida no bairro com cara de interior: tranquila, mas nem tanto.

Pesqueiros são principal atração do bairro

O Jardim Itaussu atrai muitos visitantes aos fins de semana por causa de seus muitos pesqueiros. Apenas no entorno da Estrada do Shenck há quatro áreas destinadas ao esporte de fisgar o peixe com linha e anzol.

Uma delas é o pesqueiro de João Bosco Rezende, que funciona há 16 anos no mesmo local. Com cinco lagoas, piscina, chalés, salão de festa, trilhas, restaurante e até mesmo uma igreja, o local atrai visitantes e suas famílias, que vêm de Campinas e Santos, entre outras cidades.

Para pescar, basta pagar R$ 10 e, se quiser levar o peixe para casa, o quilo custa entre R$ 5,50 e R$ 25. Nas águas tranquilas das lagoas, é possível encontrar tilápias, pacus, pintados e dourados, se o pescador for bom.

Rezende gosta do bairro, mas afirmou que é preciso fazer algumas melhorias na infraestrutura. "Não tem iluminação pública no trecho em que fica o pesqueiro, o que acaba incentivando coisa errada." Além do descarte irregular de lixo, o empresário afirmou que de vez em quando a polícia encontra corpos de pessoas assassinadas nas proximidades. "Mas faz tempo que isso não acontece."

Um dos frequentadores mais assíduos do pesqueiro é o aposentado Roberto Andrade, 58, que pesca no local desde o início do funcionamento. "Venho aqui pelo menos três vezes por semana. É onde encontro a minha paz."

Andrade resolveu deixar a vida estressante que levava como gerente de uma grande rede de lojas de vestuário depois de sofrer um AVC. "A gente passa a valorizar mais a vida. Por isso resolvi fazer o que gosto de verdade, que é pescar meus peixinhos e estar com os amigos num lugar tranquilo." 

O drama de um loteamento em área de mananciais

A meio caminho entre a sede do Município de Mauá e a Zona Leste de São Paulo, forma-se a comunidade de Itaussu. O loteamento data de 1984, um dos mais novos de Mauá. E faz parte das terras de Caaguaçu, extensão do paulistano São Miguel Paulista, que abrange áreas de mananciais de Mauá e Ribeirão Pires. São terras citadas desde o século 18, quando se formou o bairro rural de Pilar, hoje Pilar Velho - para diferenciar de Pilar Novo (denominação esquecida), junto ao centro urbano de Mauá.

Se Itaussu tem raízes históricas mais que bicentenárias, Jardim Itaussu é um loteamento novo e com problemas. Começou a ser citado em 1985 como loteamento irregular, pois localizado em área de proteção ambiental, conforme documentação geográfica de 1976. Por isso os compradores de lotes encontram dificuldades para registrar escrituras.

Mesmo irregular, a Prefeitura tem atendido o bairro desde sua formação. Não havia rede de água em 1986, mas o município abastecia caixas e tambores com água de caminhões-tanque.

"Quando o caminhão de água aponta na tortuosa ladeira que sai da estrada do Regalado e dá acesso ao Jardim Itaussu o bairro fica em festa. Nesse dia as donas de casa podem fazer a faxina, lavar a roupa e dar um banho mais demorado nas crianças" (Domingo em Mauá, projeto do Diário; edição de 21-9-1986).

Aquela foi a primeira grande reportagem publicada sobre o Itaussu. E o maior problema apontado por moradores era mesmo a questão da água. O problema repetia-se em 1987, segundo uma nova reportagem especial do Domingo em Mauá (edição de 8-2-1987).

Fotos de 1997 mostram cenários parecidos com os atuais: o bairro espalhado em colinas, de casas simples e ruas de terra. Com menos de 30 anos de formação, Jardim Itaussu enfrenta problemas idênticos ao de tantos loteamentos que, a partir de um século atrás, começaram a dar roupagem urbana ao antigo espaço rural da Borda do Campo, hoje Grande ABC. (Ademir Medici)




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