Muita gente do meio musical - tanto artistas como produtores - reclama da escassez de espaço para novos artistas da música no Rio, da infra-estrutura e acústica de algumas casas, da falta de interesse por novidades e do comportamento do público carioca e tal. Mas o que se viu neste fim de semana foi algo redentor.

Depois da passagem triunfal de Caetano Veloso e Roberto Carlos na última sexta-feira, nada melhor para coroar a programação do que João Gilberto, anteontem,

no mesmo Theatro Municipal, dentro do mesmo projeto Itaúbrasil, para celebrar os 50 anos da bossa nova.

Acorreu ao show de João, que começou com 54 minutos de atraso, um número de gente de música bem maior que no do encontro de Roberto e Caetano. O cantor baiano, aliás era um dos convidados. Compareceram também Gilberto Gil, Francis e Olivia Hime, Olivia Byington, Sérgio Ricardo, Adriana Calcanhotto, Jaques Morelenbaum, Moraes Moreira, Davi Moraes, Galvão, Carlinhos Brown, Pedro Luiz, Roberta Sá, Ana de Holanda, Mario Adnet, Moreno Veloso, Pedro Sá e Célia Vaz, entre outros.

O show começou com um delicado tributo a Dorival Caymmi (morto no sábado retrasado) com três clássicos - Você Já Foi à Bahia?, Doralice e Rosa Morena - na seqüência. "Dorival Caymmi, vocês sabem", disse João ao terminar a primeira.

Para os bons entendedores, bastou. Melhor demonstração de respeito do que o silêncio, pela memória do supremo baiano que prenunciou a bossa de João, só mesmo ele cantando. Mais para o fim, no bis, voltou a abordar o conterrâneo e mandou outra pedrada: Você Não Sabe Amar.

Samba do Avião foi um momento especial. João repetiu cinco vezes a letra, trocando e suprimindo palavras, numa versão diferente da outra, como se estivesse depurando-a até encontrar o ponto exato. Faz até um belo solo instrumental, que poderia ser mais longo, de tão interessante que foi para se notar a dinâmica de seus acordes.

Até a tão esgarçada Wave teve uma daquelas interpretações que superam todas as outras já feitas da canção, incluindo as do próprio João.

Sem tapete no palco, sem beber uma gota de água sequer nem precisar afinar muito as cordas do violão, João, do alto de seus 77 anos, ainda impressiona não só pela vitalidade, mas pelas nuances criativas de interpretação e harmonias inesperadas.

No início do espetáculo João parecia rouco, com a voz cansada, e se atrapalhou um pouco com a letra de Doralice. Mas a partir de Meditação (Tom Jobim/Newton Mendonça), inserindo pausas e onomatopéias, já com a voz mais aquecida, o show deslanchou.

No bis, ele deu uma leve derrapada no verso final de Da Cor do Pecado, mas em vez da seriedade com que conduzia Doralice, desta vez ele se divertiu com o deslize, e o público mais ainda. Este foi um dos vários momentos de um João sorridente, como em Disse Alguém, buliçoso no remelexo de Isto Aqui o Que É? (Ary Barroso), De Conversa em Conversa (Lúcio Alves/Haroldo Barbosa) e Não Vou pra Casa (Antônio Almeida/Roberto Roberti).

A platéia conseguiu segurar o impulso de cantar junto até Desafinado. Mas quando veio Chega de Saudade não resistiu e começou a acompanhá-lo baixinho. João adorou o ‘sussurrinho' de ‘vai, minha tristeza' e convida "vamos fazer de novo". E toca outra vez, sem cantar, só fazendo de vez em quando um contracanto discreto para o vocal da platéia.

Antes de cantar Garota de Ipanema diz que não quer mais ir embora e arregaça a manga direita da camisa e do paletó, para mais um êxtase geral. E não é que ele até atendeu o pedido de uma fã e mandou ver O Pato no fim? "Cadê vocês?", Convocou o público na hora de fazer qüem qüem. Pela ovação final, o público queria mais e mais. Não teve, mas saiu um sorriso tão grande quanto o de João.