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Grande ABC celebra os 300 anos dos nomes São Bernardo e São Caetano

O Grande ABC celebra os 300 anos dos nomes São Bernardo e São Caetano

Ademir Medici
24/07/2017 | 07:07
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O Grande ABC celebrará em setembro o tricentenário de dois nomes importantes da região, São Bernardo e São Caetano. As denominações foram trazidas em 1717 pelos monges beneditinos, quando batizaram duas das suas três fazendas do futuro Grande ABC, homenageando São Bernardo de Claraval e São Caetano de Thiene – o nome da terceira fazenda, localizada em São Bernardo, foi mantido: Fazenda Jurubatuba.

Até 300 anos atrás, o espaço rural dos atuais municípios de São Bernardo e de São Caetano eram chamados, respectivamente, de Borda do Campo e de Tijucuçu.

OGrande ABC celebra os 300 anos dos nomes São Bernardo e São Caetano

Já o nome São Caetano foi dado à fazenda beneditina, ao Núcleo Colonial, Distrito e Município de São Caetano.

Em comemoração aos 300 anos dos nomes São Bernardo e São Caetano na região, a Diocese de Santo André, alertada pela página Memória, do Diário, e por determinação direta de Dom Pedro Cipollini, tem organizado um roteiro de celebrações desde a colocação de uma placa no local da sede da Fazenda São Bernardo, na Avenida Senador Vergueiro, espaço atualmente ocupado por uma loja Carrefour, até o lançamento de livro comemorativo, a ser patrocinado pela Basílica Nossa Senhora da Boa Viagem.

Por causa dos 300 anos, a Procissão dos Carroceiros deste ano sairá, em 3 de setembro, da antiga Borda do Campo, hoje Paróquia Nossa Senhora de Fátima, na Vila Marlene.

A data dos 300 anos do nome São Caetano também não deverá passar em branco. Informado sobre a efeméride, o prefeito José Auricchio Júnior (PSDB) disse que determinará à Fundação Pró-Memória providências para que o acontecimento seja devidamente registrado. A posição do prefeito foi dada em entrevista ao programa Memória, do DGABC TV, que irá ao ar nesta semana, quinta-feira, véspera do aniversário da cidade.

Três séculos sem parar: 1717 a 2017

A vinda dos beneditinos para as terras hoje incluídas no território da Diocese de Santo André marca uma nova era. A religiosidade já estava presente entre nós, histórica e concretamente.

Historicamente, a documentação disponível e a memória dos antigos referiam-se à capela de Santo André, do quinhentismo, que marcou a formação da primeira vila paulista fora do Litoral, no caso, a Vila de Santo André da Borda do Campo, habitada por João Ramalho, seu sogro Cacique Tibiriçá, sua mulher Bartira e toda a população, portuguesa e indígena a meio caminho entre a baixada de São Vicente e a futura Capital paulista. A Vila de Santo André da Borda do Campo foi oficializada em 8 de abril de 1553. Possuiu um prefeito – o alcaide-mor João Ramalho – uma Câmara com vereadores e funcionários, um pelourinho e todas as dependências e equipamentos de uma vila seguindo os costumes lusitanos.

Ocorre que a Vila de Santo André da Borda do Campo teve vida efêmera. No ano seguinte ao da sua oficialização, em 1554, não muito distante daqui, jesuítas erigiam São Paulo de Piratininga. E foi para lá que por ordens do governo colonial seguiu toda a população e autoridades de Santo André, reforçando a segurança e posicionando-se em local estratégico em relação a ataques de índios inimigos à tribo de Tibiriçá.

A transferência foi rápida. Total. Apagou-se a Vila de Santo André da Borda do Campo. Nada mais restou, em pedra e pau. Restaram os livros da Câmara – hoje sob a guarda do Arquivo Municipal de São Paulo – e os registros orais passados de geração a geração. Não se tem como claro, até os dias presentes, o ponto em que ficava a vila de curta existência.

Pelos séculos seguintes, principalmente no século 20, muito se estudou em relação à Vila de Santo André da Borda do Campo. Palestras e conferências foram proferidas em órgãos como o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo; artigos e ensaios foram publicados na imprensa; livros editados. Mas a vida da Vila foi tão curta que jamais se chegou à conclusão do ponto exato em que a mesma esteve localizada, incluindo-se a sua capela.

Tropeirismo e o mapa de 1832

Pela antiga Borda do Campo, onde os beneditinos construíram uma capela dedicada a São Bernardo, passavam os tropeiros. Iam de São Paulo para Santos, de Santos para São Paulo, trazendo mercadorias que chegavam ao Porto de Santos, levando mercadorias produzidas no Interior paulista.

O pesquisador Vicente D’Angelo, de São Bernardo, descobriu o mapa que ilustra esta reportagem. O documento data de 1832. Focaliza uma estrada de rodagem pioneira que interligava São Paulo a Santos – caminho dos tropeiros e por onde passou Dom Pedro poucos antes da proclamação da Independência, no 7 de setembro de 1822.

O mapa leva a assinatura do tenente-coronel do Imperial Corpo de Engenheiros, José Marcelino de Vasconcellos. Foi levantado por ordem do presidente da Província, Rafael Tobias de Aguiar.

A maioria dos povoados e acidentes geográficos citados no mapa trocou de nomes. Preservam-se, entre outras, as duas denominações destacadas: São Bernardo (da igreja) e o caminho em direção a São Caetano. São Caetano e São Bernardo os nomes dados a duas de suas fazendas pelos beneditinos.

Genericamente, São Bernardo, outrora Borda do Campo; São Caetano, outrora Tijucuçu.

Tijucuçu e Borda do Campo são hoje, oficialmente, nomes de ruas nos atuais municípios de São Bernardo “do Campo” e São Caetano “do Sul”.

A Rua Borda do Campo fica próxima ao Córrego Borda do Campo, afluente do Ribeirão dos Meninos, junto à antiga Estrada do Vergueiro, no ponto exato onde ficava a sede da Fazenda São Bernardo.

TIJUCUÇU
Geralmente grafado com dois esses, denomina avenida próxima ao Córrego do Moinho, em São Caetano, este embutido sob a Avenida Kennedy.

1832
20 nomes escolhidos

Pela estrada que corta a Freguesia de São Bernardo, nomes que desaparecem, transformam-se ou são preservados, casos de São Bernardo e de São Caetano, os que ofuscaram Borda do Campo e Tijucuçu

Vicente D’Angelo observa no mapa aqui reproduzido as citações “Monumento do Ipiranga” – que absolutamente não é o atual, mas fica na mesma área geográfica – e o “Rancho do Ipiranga”, que a historiografia aponta como o que aparece na tela representativa da Proclamação da Independência, “O Grito do Ipiranga”, elaborado por Pedro Américo.

Com muita paciência, D’Angelo lista os seguintes outros pontos
de referência do mapa.

No sentido de Santos a São Paulo:

1 – TELÉGRAFO DO PICO
2 – ZANZALÁ
3 – MORRO DA SEPULTURA
4 – RIO PEQUENO
5 – PONTE DA VARGINHA
6 – CASA DO TECO
7 – PONTE DO RIO GRANDE

Estes sete pontos iniciais listados ficam entre o Alto da Serra e a atual sede do Distrito de Riacho Grande, em São Bernardo - outrora Vila de Rio Grande ou Linha Rio Grande, aberta no tempo da imigração.

O telégrafo do pico refere-se ao ponto culminante local da Serra do Mar, provavelmente onde se situa o Monumento do Pico, que marca o início da Calçada do Lorena.

Os demais nomes eram povoados que, na primeira metade do século 20, sofreram radicais mudanças quando da formação da Represa Billings.

Rio Pequeno, por exemplo, é um dos formadores da represa. A “Light and Power” ali construiu uma ponte, uma das tantas obras de arte do reservatório.
“Teco”, da casa citada, foi o apelido da família Oliveira Lima, do coronel famoso, o primeiro presidente da Câmara de São Bernardo e que dá nome a via central de Santo André, hoje transformada em calçadão.

8 – TELÉGRAFO DA PONTE ALTA NO MORRO DO BOTUJURU.
Já estamos no trecho de planalto - ou do campo – da antiga Estrada do Vergueiro – ou Caminho do Mar. Ponte Alta, entre os atuais Areião, Jardim Silvina e Vila São José, foi um povoado cortado pela Via Anchieta e que desapareceu. Fazia parte do sítio da família Angeli, os “Venessia”.

O Morro do Botujuru foi recortado quando da passagem da Anchieta, e hoje é nome de um bairro que vai da Anchieta à Vila Balneária e ao bairro Demarchi, o da Rota do Frango com Polenta.

9 – RIO DOS COUROS. Corta a estrada mapeada. Até meados do século 20, o Ribeirão dos Meninos atual era conhecido por Rio dos Couros, o mesmo que cruza todo o Centro de São Bernardo e os bairros Anchieta e Rudge Ramos, mais São Caetano, desaguando no Tamanduateí.

Banhava as terras da Fazenda São Bernardo.

A expressão “Tamanduateí” aparece no mapa, mesmo distante, geograficamente, de São Caetano. Do mesmo modo que a expressão “Rio dos Couros”, pelos mapas atuais, refere-se ao córrego que vai de Diadema em direção ao Ribeirão dos Meninos.

10 – IGREJA DE SÃO BERNARDO E PONTE DE SÃO BERNARDO. Trecho da atual Rua Marechal Deodoro, em frente à atual Basílica da Boa Viagem, a Matriz de São Bernardo.

11 – RIO TAMANDUATEÍ – aqui a expressão citada, hoje Córrego Taioca, que divide São Bernardo de Santo André, desaguando no Meninos.

12 – ESTRADA PARA MOGI – atual Caminho do Pilar.

13 – ESTRADA DE SANTO AMARO – atual Avenida Piraporinha com derivação para a Estrada do Sacramento, que vem de Rudge Ramos, outrora bairro dos meninos.

14 – MAPA DOS FRADES – provavelmente o espaço da sede da Fazenda São Bernardo, dos beneditinos.

15 – BORDA DO CAMPO. Idem. Da expressão que ficou, da rua e córrego.

16 – PONTE DOS FRADES NO TANQUINHO. Espaço à esquerda da estrada no sentido São Paulo. Espaço hoje todo ocupado, com a canalização de outro afluente do Ribeirão dos menos. Até pouco mais de 20 anos, ainda vazio, o espaço preservava o antigo nome de “Tanque das Mulatas”, fotografado pelo pesquisador Vangelista Bazani, o Gili.

17 – MONUMENTO DO IPIRANGA

18 – RANCHO DO IPIRANGA

19 – IGREJA DA GLÓRIA. Nome de um dos quatro núcleos coloniais abertos pelo Império em 1877 (os outros núcleos foram São Bernardo, São Caetano e Santana, este na Zona Norte de São Paulo).

20 – CÓRREGO DOS LAVAPÉS -– no bairro paulistano do Cambuci.

Caminho do Mar, Caminho do Açúcar...

Há um livro interessantíssimo, Sociedade Movediça. Economia, Cultura e Relações Sociais em São Paulo – 1808-1850, de Denise A. Soares de Moura (Editora Unesp, 2005), que oferece boas pistas sobre a virada do século 18 para o 19 ao longo do Caminho do Mar.

Sob o governo de D. Luís Antonio de Souza Botelho Mourão (1765-1775), o Caminho do Mar tornou-se estrada para tropeiros e tropas. Bernardo José de Lorena (1788-1797) fez o calçamento da subida da serra como parte da política de proteção ao comércio de Santos, concluindo as obras da Calçada do Lorena, como ficou conhecido o caminho, por volta de fins de 1791 e início de 1792. Com essa calçada, o Caminho do Mar tornou-se caminho do açúcar (Petrone, 1968, p. 15).

A produção de açúcar em alguns municípios paulistas, mesmo modesta, e o seu transporte em lombos de burros motivaram a expansão viária do planalto e melhoraram o Caminho do Mar (Richard Morse).

Desde as últimas décadas do século 18 o intercâmbio Santos-Planalto e vice-versa marcou a sociedade do núcleo urbano e a própria capitania. A todo momento negociantes saíam de Santos e chegavam à cidade incumbidos de vender algum produto, comestível ou de uso doméstico e de trabalho (ACi, ordem 3682, 1842).

Entre o planalto e o Caminho do Mar, o trânsito era intenso, de modo que o sistema cidade-Caminho do Mar-Santos tornou-se a espinha dorsal do organismo econômico da capitania. O núcleo urbano, ponto obrigatório de passagem desse sistema, viu-se diante de novos estímulos econômicos e sociais (Prado Jr, 1972, p. 106-7).

Entre 1808 e 1850, os negócios com animais e mantimentos e a produção e os cargueiros de açúcar intensificam ainda mais a movimentação humana e as atividades econômicas e de ganho na capital. Em geral três ou quatro tropas, com número razoável de animais cruzavam diariamente pontes e ruas, espremiam-se em becos e arriavam nos inúmeros pousos nos arredores da cidade. Desciam com açúcar, carne-seca, aguardente, outros produtos da região e retornavam com sal, vinhos portugueses, vidros, ferragens, fazendas e outras manufaturas (Morse, 1970, p. 41).

Exemplo é a via-sacra de uma vítima de assassinato quando veio para a cidade vender um cargueiro de aves: pouso pelo Rio dos Couros, na quarta-feira, numa casa pegada a outra onde morava um aleijado; na quinta-feira foi à Serra do Cubatão, receber dinheiro que lhe deviam de seu trabalho, e nesse mesmo dia pousou na Varginha, na casa de um alemão; na sexta-feira pousou na Freguesia Nova, na casa de quem não sabia quem era e esteve jogando com José Quaresma e um fulano Cordeiro (AC, 3682, 1842).

NOTA – Rio dos Couros, Serra do Cubatão, Varginha, Freguesia Nova, José Quaresma... nomes inventariados da antiga São Bernardo. Freguesia Nova, naturalmente, a própria Freguesia de São Bernardo, criada em 1812 junto com a Paróquia de São Bernardo, ambas subordinadas, juridicamente, à Capital São Paulo, até 1889, quando da emancipação político-administrativa são-bernardense.

Ruínas documentadas de pousos de tropeiros

Basta garimpar para reunir informes, daqui e dali, que nos levam a este caminho de 80 quilômetros ao longo do qual foram semeados tantos núcleos:

Foram vários os pousos de tropeiros ao longo do Caminho do Mar. Um deles foi localizado, soterrado, quando da revitalização de um trecho da Calçada do Lorena, na década de 1980.

Outro pouso ficava no bairro dos Meninos, hoje Rudge Ramos. Suas ruínas foram fotografadas, em 1958, pelo jornalista Hermano Pini Filho, correspondente do jornal O Estado de S. Paulo no Grande ABC. Dele escreve o professor José de Souza Martins: “Muito provavelmente, ruínas do rancho de taipa socada, mandado construir, em 1831, para os tropeiros do Caminho do Mar, pelo Conselho da Província, onde está a confluência das Estradas das Lágrimas e Vergueiro.”

1846. O imperador Dom Pedro II visita São Paulo, viajando de Santos a Capital em coches e a cavalo. Dois dias na estrada.

O pernoite foi em Ponto Alto (entre as Vilas de São Bernardo e Rio Grande). Ali aguardavam a comitiva o senador Vergueiro, o deputado Rafael Tobias e outros habitantes da Capital.

Dia seguinte, 26-2-1846, prosseguia a viagem, com parada na sede da Freguesia de São Bernardo, em casa do alferes Francisco Martins Bonilha. Ali os visitantes assistiram à manipulação e torrefação do chá.

Prosseguiam. Alcançavam o Sítio Ipiranga. Descansam num barracão asseado – o descanso dos imperiais viajantes. Lavam-se. Trocam de roupas. A caminhada fora exausta e poeirenta. Finalmente, seguem em coches a caminho da cidade de São Paulo, passando sob arcos de murtas e flores, de distância em distância.

O retorno ocorre em 14-3-1846, 4h da tarde, pelo mesmo Caminho do Mar, com pernoite no Ponto Alto (em São Bernardo).

A viagem termina no dia 14, com embarque no Porto de Santos, em direção ao Rio de Janeiro, pelo vapor Correio do Brasil.
Fonte: Raimundo de Meneses, Folha da Manhã, 19-7-1953.
 




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