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Sobram armadilhas na trilha do regionalismo
Por Daniel Lima
19/07/2015 | 07:00
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O potencial de aceleração do projeto de regionalismo editorial deste Diário depende tanto de fatores internos (da corporação em si) como de fatores externos (especialmente de lideranças da sociedade). Não dá para acreditar que a maquinaria do provincianismo ceda espaço à regionalidade sem imbricamento entre este veículo e agentes sociais. Por isso, a interdependência não pode ser subestimada. E nesse ponto, uma reengenharia editorial é imprescindível. A reestruturação espacial dos insumos deste jornal emerge, portanto. Clichês que protejam o jornalismo voltado fortemente aos sete municípios de quase 3 milhões de habitantes precisam ser relativizados, quando não bombardeados.

Por exemplo: dizer que o buraco da rua tal é mais importante que um acontecimento fora do território regional não corresponde compulsoriamente às necessidades locais. Ainda nesta semana este Diário deu ênfase semelhante a um buraco de rua e uma nova sessão sobre a reforma política. É claro que há equívoco no tratamento. Reforma política interessa diretamente à regionalidade. Ainda mais agora que pegou fogo no Congresso Nacional, saindo da pasmaceira de muitos anos.

Este jornal precisa diagramar a ocupação de espaços de acordo com a Carta do Grande ABC de 11 de maio último, quando listou os dez pontos cardeais que alimentariam a Redação. A compartimentação convencional precisa ser mais flexível. Há carga excessivamente valorizadora da política regional, proeminentemente varejista, em detrimento da economia e de seu entorno. Dá-se ênfase excessiva a temários miúdos da política regional e subestimam-se transformações no tecido econômico com marcantes implicações sociais.

Obstáculos a superar

Readequar os espaços conforme a Carta do Grande ABC exige planejamento e monitoramento que levem em conta alguns quesitos centrais. Pesa a qualidade de cada texto produzido, bem como a oportunidade da informação. Sem dizer que a institucionalidade da temática deve ser combinada com a importância histórica do fato. O posicionamento espacial tanto na primeira quanto na página interna também emite sinais de adequação à estratégia traçada. A territorialidade de circulação do produto tem peso relativo também crucial na edição de cada dia.

Tudo isso pode parecer abstrato aos leitores. Em resumo, diria que em igualdade de condições matérias regionais que reúnem potencial de disputar espaço de primeira página e também interno terão de submeter-se a critérios de classificação. A melhor maneira de evoluir tendo como base um conceito indiscutível é exigir que cada matéria agendada seja encarada como manchetíssima da edição. Elevar a competitividade interna ao limite máximo é uma maneira de dar sustentação ao processo de amadurecimento do produto.

Dificuldade operacional

Na semana que passou o que se verificou no conjunto de informações deste Diário, as quais estão sumarizadas na primeira página, foi uma dificuldade impressionante de enquadrar a melhor notícia. Sente-se que se operaram ações a fórceps. As escolhas nem sempre foram as melhores e isso não deve surpreender. Quando se trabalha no limite das forças, os riscos agigantam-se.

Um exemplo foi a manchetíssima sobre os 25 anos do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). A humanização da reportagem foi apreciável, mas faltou a dimensão de resultados do período que, no dia seguinte, o Estadão costurou em um texto recheado de estatísticas e informações suplementares. Teria sido preferível que a edição deste Diário destacasse em manchetíssima, com um pouco mais de agregado de informações, a retroalimentação de um monstro corporativista chamado Museu do Trabalho e do Trabalhador de São Bernardo, que terá novo aporte financeiro do governo federal. A matéria que ocupou meia página interna poderia ser mais densa, mas mesmo assim reunia mais força de sedução do que o Estatuto da Criança e do Adolescente nos termos em que foi colocado.

Forçada de barra

Também houve forçada de barra na manchetíssima de domingo passado sobre a redução dos valores de seguros de veículos por conta do rebaixamento dos índices de roubos e furtos. A queda de 1,85% não justificou a relevância da reportagem em primeira página. Até porque, o texto é contraditório ao deixar vazar, na voz de um especialista, que a queda desprezível e não identificada se nominal ou real, porque não há menção à inflação do período analisado, estaria vinculada ao sistema financeiro, não necessariamente à área de Segurança pública. Ou seja: as companhias de seguro teriam congelado ou mesmo recuado os índices de correção por conta de ganhos financeiros. Talvez tenha havido outro fator mais forte – caso da recessão econômica que leva empresas de todos os setores a reduzir preços para não afugentarem ainda mais a demanda.

Por outro lado, uma reportagem que poderia render manchetíssima se adotado enfoque diferente, refere-se ao consumo de água na região. A quantidade de líquido economizado não foi devidamente valorizada em termos que facilitassem o entendimento das conquistas da política do governo estadual. Os 10,4 bilhões de litros poupados atenderiam a 260 mil pessoas durante um ano, o equivalente às populações de São Caetano e Rio Grande da Serra, segundo este Diário. Esse gancho, guindado à abertura da reportagem ao invés de discreto miolo, possivelmente poderia garantir a manchetíssima. A manchetinha de primeira página e a manchete de alto de página interna foram burocráticas, sem apelo à audiência.

* Daniel Lima é jornalista responsável pela revista digital CapitalSocial. 




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