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Abobrinha: inocente e versátil
Por Silvio Lancellotti
Especial para o Diário
03/03/2007 | 19:09
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Ancestralmente, a abobrinha, na ciência Cucurbita pepa, se originou nas Américas, do Peru até o sul dos Estados Unidos. Os navegadores ibéricos a conduziram à Europa. No norte da Itália, Lombardia, arredores de Milão, de todo modo, em meados do século XIX, começou a sofrer mutações espontâneas – e se transformou no vegetal que é hoje. Aliás, mais um fruto do que um mero vegetal, parente da abóbora (Cucurbita spp), da moranga (Cucurbita maxima) do pepino (Cucumis sativus), do melão (Cucumis melo) e até da melancia (Citrullus lanauas). Botanicamente, integrantes da família das Cucurbitáceas, plantas rasteiras, de fácil cultivo. Daí os seus preços sempre acessíveis.

A abobrinha se colhe cedo, ainda verde. Quando preservada nas raízes, porém, cresce, amadurece e muda a sua cor, ganha tons entre o amarelado e o alaranjado, ganha uma espécie de pescoço e se transforma numa abóbora convencional. Sim, por incrível que pareça, se trata do mesmo produto.

Do ponto de vista biológico, apesar do seu tamanho, uma abobrinha corresponde ao ovário, inflado, da sua flor respectiva. E existem a flor-fêmea e a flor-macho. A fêmea, mais alentada, mais bonita, de um dourado vibrante, desponta na extremidade da abobrinha. A macho, um tanto menor, surge no caule. Ambas, ainda brotos, sem as hastes e os pistilos, são deliciosamente comestíveis, perpetradas no vapor, salteadas no azeite e da manteiga, assadas ao forno, ingredientes de saladas, de sopas e de molhos. No México, usam-se basicamente as flores, ao invés do fruto, em uma infinidade de receitas.

No Brasil, se sobressaem dois tipos: a abobrinha-italiana, mais comum e de formato oblongo, mais regular, e a abobrinha-menina, já com uma sugestão de pescoço na sua superfície.

Tanto a italiana como a menina possuem uma casca delicadíssima, extremamente sensível, inclusive, ao toque dos dedos. À mínima machucadura a casca sofre o assédio de fungos e começa a escurecer. O ideal é comprar a abobrinha ainda com o seu cabinho intacto. Sem o risco de mais uma abertura para o ataque dos fungos, é muito mais resistente.

Encontra-se a italiana, em geral, de julho a dezembro. A menina chega aos mercados, habitualmente, de setembro a janeiro. Gastronomicamente, não há diferenças significativas de textura e de sabor. De baixas calorias e de tranqüila digestão, rica em fósforo, em cálcio e em ferro, muito rica em niacina, a vitamina B3, a abobrinha auxilia no controle do chamado colesterol ruim, no controle do açúcar no sangue e melhora a circulação.

Conseqüência lógica da generosidade e da abundância com que as suas plantas se multiplicam, a partir dos anos 1950 a abobrinha conquistou um novo significado no vocabulário popular do país: “Você só fala abobrinha”. Ou seja, besteira ou coisa parecida. Uma acepção injusta para um fruto inocente que, bem tratado, agüenta mais de uma semana sem sofrer na geladeira – e que, pela sua versatilidade, oferece inúmeras possibilidades culinárias. Como, por exemplo, as duas preciosas alquimias apresentadas nesta página.

Receitas

Zucchini alla conca d´oro
Ingredientes, para uma pessoa: 1 abobrinha bem firme. 2 colheres, de sopa, cheias, de feijões brancos, já cozidos, bem al dente. 1 colher, de chá, de cebolinha verde, bem batidinha. 2 colheres, de mesa, cheias, de atum em lata, sólido, conservado no seu líquido natural. 1 colher, de mesa, bem cheia, de requeijão cremoso. Pimenta-do-reino, preferivelmente a moidinha na hora. Azeite de olivas. Um toque final de molho de tomates, bem apuradinho.
Modo de fazer: Com uma faca ultra-afiada, corto as duas pontas da abobrinha. Daí, com um apetrecho apropriado, ou mesmo com uma colherinha de café, escavo o seu interior. Numa cumbuca, esmago os feijões. Acrescento a cebolinha, o atum e o requeijão. Tempero com a pimenta-do-reino e com um fio de azeite. Uso essa pasta para reencher o interior da abobrinha. Embrulho em papel de alumínio e levo ao forno, médio, por dez minutos. Retiro. Coloco no meio do prato. Banho com mais azeite e decoro com o molho de tomates.
Observação: Aproveito o miolo da abobrinha conforme sugeri.

Spaghetti alla boscaiola
Ingredientes, para uma pessoa: A casca de uma abobrinha, cortada em fios longos, como os dos spaghetti. 2 cogumelos do tipo shiitake, em tiras de 1 cm de espessura. 4 champignons-de-paris, divididos na metade, na sua vertical. 4 brotinhos de cogumelo do tipo shimejii. Azeite de olivas. 2 dentes de alho, em lasquinhas. Um cálice de vinho branco. Sal. 150g de spaghetti, preferivelmente de grão duro, um pouco antes do ponto al dente. 1/2 xícara, de chá, de molho de tomates, bem apuradinho. Um toque final de orégano.
Modo de fazer: Numa frigideira de tamanho adequado, aqueço um fundo de azeite e murcho os dentes de alho. Rapidamente, sem machucá-los, refogo os fios de abobrinha, os shiitake, os champignons e os shimejji. Banho com o vinho branco. Por alguns instantes, evaporo o seu álcool. Agrego os spaghetti. Banho com o molho de tomates. Salteio, por alguns momentos, o suficiente para o molho se espalhar através da massa. No último segundo, pulverizo com o orégano e lanço mais um fio generoso de azeite. Não aconselho que se coloque qualquer tipo de queijo ralado nesta receita.
Observação: Aproveito o miolo da abobrinha conforme sugeri.

Saiba mais

O digno aproveitamento do miolo
Quando se faz uma abobrinha recheada obviamente se desperdiça boa parte do seu miolo. O problema ocorre, principalmente, quando se comete a delícia em grandes quantidades, como nos restaurantes de pratos árabes. Não se joga comida no lixo, porém. Nem se deve utilizar o miolo da abobrinha em rações para animais. É possível, sim, aproveitá-lo dignamente. Em casa, eu crio um creme semelhante ao do Babaganuche de berinjela. Levo o miolo ao forno, até que comece a se dourar na superfície. Daí, agrego o alho socado (10% do volume do miolo) e Tahine, a pasta de gergelim que se adquire em um bom supermercado. Enfim, tempero com azeite, sumo de limão e sal. Um resultado primoroso, para se desfrutar com torradinhas ou em canapés.

As razões do apelido
Com a exceção do Brasil, da França e das nações árabes, a abobrinha recebeu, no resto do mundo, o apelido de "zucchini". Trata-se de um termo de origem italiana, o diminutivo de "zucca" – no caso, a abóbora convencional. Na França se chama "courgette", o diminutivo de "courge". Nas nações árabes se chama "kusa". Quanto à moranga, a sua prima de formato diferente, quase arredondado, com reentrâncias mais ou menos fundas, como gomos, deve o seu desenho a um fenômeno batizado de polinização cruzada – graças ao vento, aos insetos ou os pássaros, o pólen de uma flor fecunda outra, inclusive em plantas distantes. A moranga também corresponde ao óvulo inflado da sua flor respectiva. Mas, a viagem do pólen determina os aspectos não regulares.



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