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Histórias de circo em São Bernardo

Artistas acampados na cidade contam experiências de viver cada dia em um local diferente

Por Renato Cunha
Especial para o Diário
22/09/2014 | 07:01
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Nario Barbosa/DGABC


Acrobacias, malabarismos, mágicas, bambolês, palhaçadas, pipoca, algodão-doce, maçã do amor e tudo que um circo tem direito. Ainda não havia público, o picadeiro estava escuro, mas já se podia perceber as luzes esperando para serem acesas. Tudo parecia pronto, as cadeiras colocadas de tal maneira que se formava um círculo ao redor do palco.

Para quem vê a produção de fora, pode parecer curiosa a vida dos artistas circenses, viajando de cidade em cidade, conhecendo pessoas e lugares. O que não se imagina é que eles têm uma vida mais comum do que se possa aparentar. Ao visitar o Circo Di Napoli, acampado em São Bernardo, encontram-se curiosos personagens.

Um deles é dona Cecília, 74 anos, nascida na Romênia. Ela viaja com o circo há quase 60 anos. “Viajei por toda Europa, Ásia, África e América do Sul trabalhando no circo. Já fui artista do Circo Orlando Orfei”, comenta a simpática senhora. Ela conta também que era acrobata e treinadora de cavalos, mas hoje, devido à idade, ajuda vendendo pipoca e outros itens.

A artista conta que passou a função de acrobata para sua neta. “A vida no circo nunca foi fácil. A gente faz de tudo. Sempre fui muito emotiva, cada estreia é uma emoção nova. Mesmo agora que já não estou mais no picadeiro, sinto algo novo toda vez”, comenta. Ela diz que seus filhos nasceram na Romênia, mas os netos na América do Sul, sempre nas viagens do circo. “Faço meu trabalho com muito amor, só isso”, encerra dona Cecília antes de preparar a pipoca para a apresentação da noite.

Parte fundamental do espetáculo, o público já esperava ansiosamente do lado de fora. Chamava a atenção uma família inteira que aguardava para entrar. “Vou ao circo desde criança, adoro assistir ao espetáculo. Meu marido também sempre levou as crianças”, destaca Maria Lúcia Stellute, 60. Ela considera que o poder público deveria ajudar mais os artistas. “Admiro muito essas pessoas, falta apoio e, mesmo assim, eles continuam fazendo apresentações maravilhosas.”

Além de Maria Lúcia, outros oito integrantes da família vieram assistir à apresentação. Dennys Pimenta ressalta que participar do show é fundamental. “O espetáculo é outro quando o público interage. Fica muito mais legal.”

As luzes do Circo Di Napoli podem ser vistas de longe e chamam a atenção de todos que passam. Alguns, inclusive, chegam a parar o carro na entrada apenas para conferir o horário do espetáculo.

Dentro da lona começa a preparação da festa. Pipoqueira, bilheteria, doces. Tudo deve ficar perfeito para que o público possa apreciar os itens durante o espetáculo. A lona do circo guarda diversas histórias emocionantes de jovens ou experientes artistas, que se cruzam quando as luzes se acendem no picadeiro.

Acrobata de 16 anos nasceu sob a lona

Sentada na lanchonete do circo, com luz baixa, maquiando-se, estava Renata Orion, 58 anos mais jovem que Dona Cecília. Com apenas 16 anos, ela é acrobata e também faz o espetáculo dos bambolês. A garota explica que nasceu e cresceu dentro do circo. “Éramos em 11 crianças e a gente brincava, se pendurava, corria pela lona, era muito legal”. Ela conta também que leva uma vida normal fora do picadeiro. Estuda e sempre que viaja troca de escola. Gosta de conhecer lugares novos e fazer mais amigos.

“Amo o que faço. A melhor parte é ouvir os aplausos no fim.” Porém, ela pede mais apoio à arte. “Quase ninguém dá valor para nosso trabalho. Realmente falta incentivo.” Antes de ajudar a arrumar tudo para o espetáculo, ela diz que a mãe viaja há 20 anos com o circo. “Luzes, brilhos, palhaços, esquecer os problemas, acho que essa é a magia do circo. Realmente, sem o espetáculo eu não seria ninguém”, finaliza Renata.

Jorge Daniel é a elegante voz que comanda o espetáculo

O show estava prestes a começar, a plateia já se acomodava em seus lugares, enquanto nos bastidores o palhaço, o malabarista e demais participantes se arrumavam e ajustavam os últimos detalhes para a festa. O mestre de cerimônia Jorge Daniel Vera, 52 anos, tem voz elegante e contundente e está sempre com um sorriso no rosto. “É gratificante trabalhar com o que gosto.”

A música de abertura já começava a tocar enquanto Jorge contava sua história. “Minha família sempre foi de circo. Quando eu era pequeno, meu pai tinha um circo-teatro. Sempre adorei tudo aquilo”. Então veio a deixa, e o apresentador teve que partir para subir ao palco e anunciar as atrações da noite.

Bailarina não pensa em aposentadoria tão cedo

Enquanto todos arrumavam a lanchonete para receber os espectadores, Débora Gley, 31 anos, começava a se maquiar. A bailarina e acrobata conta que o circo é parte importante de sua história. “Nasci aqui, minha mãe foi acrobata e aprendi com ela.”

Débora diz que já se acostumou às viagens. “Tentei morar na cidade, mas não deu certo. Logo voltei para o circo.”

Ela relata ainda que a rotina dos artistas não é tão diferente. “Temos uma vida normal, ensaiamos uma hora todo dia, voltamos para o trailler e à noite vamos trabalhar. No domingo, trabalhamos o dia todo.”

A bailarina afirma que pretende permanecer o maior tempo possível no picadeiro. “Vou ficar por aqui até quando tiver energia. Para o artista, aposentar-se e deixar o picadeiro afeta a autoestima.”

Antes de encerar a conversa, ela conta a maior gratificação e o maior medo do artista dentro do espetáculo. “A melhor coisa é quando o público reconhece e você escuta aquela salva de palmas. A pior é trabalhar e não receber esse aplauso.”




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