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Dependência high tech
Por Marcela Munhoz
Do Diário do Grande ABC
28/02/2010 | 07:09
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Navegar é preciso, já dizia Fernando Pessoa. Mas será que navegar na internet durante 24 horas por dia, jogar compulsivamente ou não deixar o celular quieto nem por um segundo não é exagero? Tanto que os especialistas já classificam a dependência em eletrônicos como doença real, com tratamento e tudo.

Ainda não há nome oficial para isso, mas pode ser denominada como Síndrome do Contato Permanente ou até heroinware (junção de heroína com software). Muitos especialistas chegam a comparar a dependência tecnológica com a de drogas, com a diferença de que a primeira é comportamental e a segunda, química.

Alguns dependentes chegam a roubar dinheiro dos pais para frequentar lan houses e ficam agressivos se não conseguem acessar o computador.

E por que os meios eletrônicos são tão viciantes? Além do virtual parecer mais interessante para algumas pessoas, a quantidade de informação deixa o cérebro sempre alerta, em estágio de excitação. A combinação dos dois satisfaz o desejo humano por companhia constante e interação social.

Geralmente, quem desenvolve a dependência, de acordo com o psicólogo Cristiano Nabuco de Abreu, do Núcleo de Dependentes em Internet do Hospital das Clínicas, já apresenta algum tipo de medo, depressão, timidez, baixa autoestima, solidão ou a família é desestruturada. "Eles buscam refúgio nos eletrônicos. Lá podem ser quem quiser, mas, muitas vezes, o cérebro não sabe distinguir a vida real da imaginária."

Vicia mesmo! - Karina Ribeiro, 13 anos, chega da escola e só quer saber de computador. Mantém MSN, Twitter, Orkut e Facebook ligados, enquanto joga, escuta música ou faz lição. "Já acostumei", conta a garota, que também não desgruda do celular. Apesar de curtir estar o tempo todo conectada, ela não acredita que esteja dependente. "Tenho minha vida real também. Gosto de encontrar a galera pessoalmente e viajar."

Esse é o mesmo pensamento de Philip Hibeaki, 16, que teria tudo para ser dependente de internet, já que a mãe é dona de uma empresa de informática. "Mas sei controlar meu horário. Fico, no máximo, quatro horas. Faço pesquisas, me divirto e saio. Há muitas coisas mais legais fora do mundo virtual."

Há muito mais conseqüências
O corpo do dependente eletrônico também sofre. O tempo excessivo diante da tela pode prejudicar a postura e a visão. Segundo Walter Fukushima, professor de ortopedia da Faculdade de Medicina do ABC, exagerar na dose ou sentar de forma incorreta podem trazer consquências. "Aparecem as dores e a coluna pode entortar; por isso, é importante apoiar os cotovelos e sentar com as pernas a 90° e o bumbum grudado no encosto", explica. "Após 30 minutos, levante e alongue", recomenda.

A voltinha também serve para descansar os olhos, que sofrem por causa do esforço excessivo de se fixar na tela. De acordo com Leôncio Queiroz Neto, do Instituto Penido Burnier de Oftalmologia de Campinas, 30% das crianças e adolescentes que usam excessivamente computadores apresentam algum grau de stress ocular, que está relacionado à Síndrome da Visão no Computador.

Os principais sintomas são dor de cabeça, olho seco e visão embaçada depois de duas horas ininterruptas nessa atividade. Além do descanso de 30 minutos, é preciso que o monitor fique um pouquinho abaixo do nível dos olhos e evite excesso de luminosidade. A distância com a tela deve ser de 60 cm, mantenha a tela sempre limpa e lembre-se de piscar.

Tempo não é tudo para medir dependência
Apesar de a Associação Americana de Pediatria defender que quem tem até 17 anos não deveria passar mais de duas horas por dia na frente da TV, computador ou videogame - o ideal é fazer outras coisas, como praticar esportes, ler, passear -, os especialistas concordam que o tempo não é fator determinante para diagnosticar a doença. É apenas um dos indícios de que alguma coisa está errada.

"Quando alguém perde o controle, deixa de sair com os amigos, acorda no meio da noite para ver mensagens e tem dificuldades de se desconectar do mundo virtual é porque precisa de ajuda", explica o psicólogo Guilherme Ohl, do Núcleo de Pesquisa em Psicologia e Informática. Além disso, é preciso considerar também o uso pouco criativo da tecnologia (como acessar sempre os mesmos jogos, programas e sites) e se a pessoa se sente triste, irritada e ansiosa para se conectar novamente quando está off-line.

Mesmo com todos esses sintomas, não é tão fácil assim perceber a dependência já que o consumo excessivo das tecnologias se encaixa dentro dos padrões da sociedade moderna. "Os adolescentes nem sempre têm discernimento suficiente para julgar isso adequadamente. Por isso, os pais têm de estar sempre de olho. Ninguém amanhece dependente; os sinais aparecem aos poucos", afirma o psiquiatra Aderbal Vieira, do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Unifesp.

Faça o teste
Para ser considerado dependente eletrônico, é preciso se encaixar, no mínino, em cinco dos oito itens abaixo:

Preocupação excessiva com a internet;
Necessidade de aumentar o tempo conectado para ter a mesma satisfação;
Ter de fazer esforço para diminuir o tempo de uso da internet;
Ficar irritado e/ou depressivo quando o uso é restringido;
Usar a internet como forma de regulação emocional;
Permanecer mais tempo conectado do que o programado;
Colocar em risco o trabalho e as relações familiares e sociais;
Mentir sobre a quantidade de horas conectadas.

Sem exageros, faz bem!
A tecnologia digital só traz problemas quando é usada em excesso. Com uso moderado, pode trazer benefícios, de acordo com Gary Small, neurocientista da Universidade da Califórnia. Ele garante que a internet pode ser uma fonte de exercícios para a mente.

Pesquisa realizada com pessoas entre 55 e 76 anos comprovou que o uso da internet resultou em aumento da atividade cerebral, que ocorre em áreas que estimulam o raciocínio. Como resultado, fortalece os circuitos neuronais, permitindo utilizar mais o cérebro e gastando menos energia. Isso ajuda a combater as mudanças fisiológicas provocadas pela idade, que deixam o cérebro mais lento.

O adolescente, que já nasceu na era digital e divide a atenção em várias tarefas, já estimula o cérebro conforme a idade avança. Além disso, o uso da tecnologia estimula a tomada de decisões rapidamente, enquanto se avalia informações complexas. Mas lembre-se: a dose certa é até duas horas por dia!

Marimoon sabe maneirar
Antes de virar VJ da MTV, MariMoon, 26 anos, ficou conhecida primeiro na internet. Desde bem novinha, ela curte vasculhar o mundo virtual. "Claro que minha mãe brigava comigo, não entendia o que tanto eu fazia na internet, mas eu provava que estava pesquisando, aprendendo, me informando", conta a DJ, que começou a criar sites e montou sua própria marca de roupas.

MariMoon ainda passa muito tempo conectada, mas acredita que, se esse tempo é utilizado para coisas úteis e importantes, até vale. "Eu nunca fico em um site só. Busco coisas interessantes e que acrescentem algo. Quando vejo que o que estou fazendo não tem mais sentido, desconecto e saio com os amigos."

Saiba onde obter ajuda
Dependentes em Internet do Hospital das Clínicas da USP, em São Paulo
www.dependenciadeinternet.com.br
Tel.: 3069-6975

Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Unifesp, em São Paulo
www.proad.unifesp.br
Tel.: 5579-1543

Núcleo de Psicologia em Informática da PUC, em São Paulo
www.pucsp.br/nppi
Tel.: 3670-8497

Apoio ao Jovem Dependente de Jogo Eletrônico da Santa Casa, no Rio de Janeiro
Tel.: (21) 2533-0113




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