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Ford muda tática depois de fracasso com a Caoa

Empresa negocia diretamente com interessada após falha nas tratativas com Estado e São Bernardo

Por Yara Ferraz
do Diário do Grande ABC
30/01/2020 | 00:02
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Denis Maciel/DGABC


Uma empresa chinesa interessada na compra da fábrica da Ford em São Bernardo procurou diretamente a montadora norte-americana, sem a participação dos entes públicos, para as negociações. A frustração nas conversas com a Caoa, que envolveram a Prefeitura e o governo do Estado, sem chegar a uma conclusão positiva sobre o assunto, pode ter influenciado na decisão da companhia interessada.

A marca é a terceira chinesa (leia mais abaixo) que demonstra pretensão de adquirir a unidade, porém, é a primeira que trata somente com a norte-americana. O governador João Doria (PSDB) já afirmou em diversas ocasiões que há duas interessadas, uma delas a BYD, que já possui operação em Campinas, Interior do Estado.

De acordo com o SMABC (Sindicato dos Metalúrgicos do ABC), a informação da terceira companhia foi confirmada pela própria Ford. Dirigentes se reuniram com representantes da montadora, incluindo o presidente da empresa na América do Sul, Lyle Watters, para tratar do assunto. O nome não foi informado por questão do contrato de confidencialidade, porém, a Ford adiantou que trata-se de uma das três maiores montadoras da China e que fabrica SUVs e picapes. As principais marcas do país são a Dongfeng, First Automobile Works e Shanghai.

Segundo o diretor do sindicato e presidente do TID Brasil (Instituto Trabalho, Indústria e Desenvolvimento), Rafael Marques, que participou desde o início das negociações, não há informações de como se chegou a esta terceira interessada. Porém, ele analisou que o episódio de setembro de 2019 foi um erro.

Na época, o Estado chegou a convocar uma coletiva no Palácio do Bandeirantes, e havia expectativa de um anúncio oficial de que a Caoa assumiria a planta. Porém, foi frustrada e acabou com a oficialização de um interesse de compra. Foi dado um prazo de 45 dias para o acordo entre as partes ser fechado, o que não aconteceu, culminando com a desistência do grupo brasileiro na aquisição no início deste ano.

“Acredito que este episódio foi uma saída política para o momento, mas não nos ajudou em nada. Acabou só decepcionando os trabalhadores. Eu estava na fábrica neste dia e era uma festa. Os funcionários acreditavam que o negócio ia ser oficializado, o que não aconteceu”, afirmou ele, completando que o governo errou “em pensar que decisão seria como na fábrica da Cherry em Jacareí (que foi adquirida pela Caoa em 2017, após o grupo comprar parte da empresa e anunciar a criação da Caoa Cherry). Essas negociações acabam sendo empresa com empresa, mas o fato de o Estado ter dado vários prazos acabou se transformando em uma grande frustração”, disse.

“A Ford priorizou a Caoa anteriormente e pode ser que agora ela tenha visto que errou. Está conversando com essas duas empresas, que já falaram com o governo do Estado, mas também com este terceiro. A ajuda do poder público vem acontecendo, mas a empresa está explorando todas as possibilidades”, afirmou o dirigente do SMABC Adalto de Oliveira, o Sapinho, que era da coordenação do CSE (Comitê Sindical de Empresa) na Ford.

A expectativa do sindicato é de realizar outra reunião com a norte-americana e também uma plenária com os ex-funcionários, que devem acontecer após o Carnaval, ainda sem datas definidas. A entidade solicitou que a Ford discuta com as interessadas sobre a absorção de parte dos ex-colaboradores e apresente as condições já negociadas com a Caoa, que incluem a redução de até 30% dos salários em comparação ao que era recebido anteriormente. A entidade também pretende se reunir com o Estado para falar sobre o andamento das negociações.

Questionados, o Estado e a Prefeitura de São Bernardo informaram que não há novidades sobre o assunto. A Ford não quis comentar.


Companhias vislumbram crescimento no mercado brasileiro

A empresa que negocia com a Ford é a terceira chinesa interessada na compra da fábrica de São Bernardo. Para especialista, isso acontece por conta de as companhias automotivas asiáticas enxergarem oportunidade de crescimento no País.

Segundo o coordenador de MBA em gestão estratégica de empresas da cadeia automotiva da FGV, Antonio Jorge Martins, o mercado chinês está decrescendo por conta do senso de propriedade. “Há uma tendência de compartilhamento de carros. Isso ainda não chegou forte aqui, apenas pelos aplicativos de transportes e locadoras, o que ainda permite o crescimento do mercado”, afirmou. Ele destaca que é um caminho natural que essas grandes empresas se internacionalizem, sendo o Brasil o principal destino para isso na América do Sul.


Documentário que concorre ao Oscar retrata chegada de chineses aos EUA

Evaldo Novelini

Drástica redução salarial e perseguição sistemática à atuação dos sindicatos são o cartão de visitas das companhias da China ao assumirem nos Estados Unidos plantas de empresas desativadas – em processo muito semelhante ao que pretendem no Brasil. A degradação das relações trabalhistas sob comando chinês é a premissa do filme Indústria Americana, que está em cartaz na Netflix e concorre ao Oscar de melhor documentário no dia 9.

O longa-metragem produzido pelo casal Michelle e Barack Obama, ele ex-presidente norte-americano, mostra o impacto causado pela chegada da fabricante de vidros automotivos chinesa Fuyao à cidade de Dayton, no Estado de Ohio, para ocupar as instalações de antiga planta da General Motors, que sucumbira à crise econômica que se seguiu à quebra do banco Lehman Brothers, em 2008.

A chegada dos chineses, vista com entusiasmo por ex-funcionários da GM, por representar a chance de retornar ao mercado formal, aos poucos vai perdendo o encanto. A começar pela diferença salarial. A hora trabalhada caiu de US$ 29 (R$ 122,67 na cotação de ontem) para US$ 12,84 (R$ 54,31). Os novos proprietários do negócio também promoveram ampla perseguição a funcionários favoráveis à presença do sindicato na empresa, o que incluiu demissões.

A Fuyao chegou a contratar, por US$ 1 milhão (R$ 4,23 milhões), consultoria para demover os empregados da ideia de trazer o sindicato para dentro da fábrica – o que, nos Estados Unidos, é decidido em votação. O filme também mostra a insatisfação dos chineses com a baixa produtividade dos norte-americanos, o que leva um dos executivos do grupo a prometer ao patrão, em uma das cenas mais contundentes do documentário, que, em breve, vai substituí-los por robôs. 




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