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Região vive conflito entre moradia e preservação

Cinco das sete cidades concentram loteamentos irregulares em áreas de preservação localizadas no entorno da Billings

Evaldo Novelini
Natália Fernandjes
Do Diário do Grande ABC
23/09/2017 | 07:00
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André Henriques/DGABC


Casinhas solitárias que parecem perdidas no meio do verde exuberante da Mata Atlântica, e que podem ser observadas de tempo em tempo por quem sobrevoa a área da Represa Billings, como fez a equipe do Diário a bordo de helicóptero, estão na origem dos grandes ajuntamentos residenciais que hoje colocam em risco a existência tanto da floresta quanto do reservatório.

O processo de ocupação das áreas de mananciais no Grande ABC segue em ritmo acelerado, conforme pode se constatar a 150 metros de altura, ou 3.000 pés. A situação mais crítica pode ser observada em São Bernardo, onde boa parte das margens da Billings já tem bairros sedimentados.

Mas os telhados de novas residências que pipocam, aqui e acolá, tirando a uniformidade do tapete verde formado pelas copas das árvores nas áreas mais centrais de bairros como Tatetos, Santa Cruz, Capivari, Taquecetuba e Curucutu, onde leis ambientais protegem 100% do território, revelam a ação predatória do homem.

Cinco das sete cidades estão inseridas na Área de Proteção e Recuperação de Mananciais da Bacia Hidrográfica do Reservatório Billings: Santo André, São Bernardo, Diadema, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Juntas, elas somam 252 assentamentos precários em território ambientalmente protegido por lei no entorno da represa, o que corresponde a aproximadamente 427,8 mil moradores.

Especialistas em meio ambiente são unânimes em alertar para o perigo que representam casinhas isoladas, aparentemente inofensivas – é a partir delas que se formam bairros inteiros, com direito a estabelecimentos comerciais, mas muitas vezes sem a estrutura sanitária necessária para reduzir os impactos à natureza.

“Primeiro se deixa construir,depois a casa se consolida e aí vem a verticalização, o adensamento. Esse crescimento vegetativo e a ocupação permanente da área de proteção ambiental são preocupantes”, considera o ambientalista, que integra o Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) e é presidente do Proam (Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental), Carlos Bocuhy.

Para região cujo deficit habitacional está na casa das 168.159 moradias, conforme diagnóstico mais recente realizado pelo Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, não é difícil compreender as razões que levam à ocupação desordenada de terrenos com algum nível de proteção ambiental. À medida em que projetos destinados à produção de imóveis para famílias de assentamentos precários de risco, urbanização ou regularização de áreas irregulares não avançam, a população encontra nestes espaços importantes, entretanto sem fiscalização, oportunidade para viver.

Como tanto o direito à moradia digna quanto a preservação ambiental são garantias constitucionais, está formado o dilema que aflige os gestores públicos das três esferas, municipais, estaduais e federais, a quem cabe fornecer o primeiro e zelar pela segunda.

Exemplo do impasse foi pedido feito pelo Consórcio Intermunicipal ao governo estadual, em março, para que haja mudanças na Lei Específica da Billings (13.579/09). A principal reivindicação é a alteração de algumas áreas de zona de restrição, com o intuito de liberar espaços para instalação de pontos de atividade econômica, essencialmente em Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra – cidade 100% localizada em manancial.

A legislação ambiental estabelece parâmetros técnicos para regulamentação fundiária e remediação de danos ambientais no manancial. Entretanto, passados oito anos da sua aprovação, a execução de projetos de urbanização de áreas da represa segue esbarrando na falta de entendimento entre Estado e municípios.

“A manutenção dessas moradias nas áreas de proteção significa a perda do espaço verde e, em consequência, da nascente. No entanto, acho que podemos discutir formas de se permitir com que essas famílias já instaladas permaneçam sem que haja aumento do impacto ambiental. Agora, quando se fala em empreendimentos, tubulações e vias, sou totalmente a favor da restrição”, diz a bióloga especialista em recursos hídricos e professora da USCS (Universidade Municipal de São Caetano) Marta Ângela Marcondes.

Proteção exige manutenção de leis rígidas

Depois que o ciclo se completa: desmatamento, ocupação – irregular ou não – e consolidação das moradias em áreas protegidas, com a chegada de infraestrutura mínima, aumenta a pressão pela regularização. No entanto, quando levada em conta a necessidade de preservar o ecossistema em sua totalidade, especialistas são taxativos quanto aos efeitos negativos da flexibilização de leis de proteção ambiental.

“A partir do momento em que se flexibiliza, temos uma expansão cada vez maior da ocupação. A pressão das moradias no entorno do manancial acaba sobrepondo as políticas de proteção. A saída é desapropriar e recuperar a área degradada”, considera o ambientalista, conselheiro do Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) e presidente do Proam (Instituto de Proteção Ambiental), Carlos Bocuhy.

“As leis são restritivas justamente para preservar nossas joias, nosso patrimônio, que são essas áreas. Como garantir que a regularização de moradias não abra brecha para que se autorize a construção de outros empreendimentos, vias, tubulações, ou até mesmo o hidroanel (projeto que prevê rede de vias navegáveis composta pelos rios Tietê e Pinheiros, e pelas represas Billings e Taiaçupeba)”, lembra a bióloga especialista em recursos hídricos e professora da USCS (Universidade Municipal de São Caetano) Marta Marcondes.

“Uma vez que essas invasões estão consolidadas e o poder público não tem como remover essas moradias, precisa oferecer infraestrutura. Então a questão é não invadir, não remover a floresta, fiscalizar”. ressalta a diretora executiva da SOS Mata Atlântica, Marcia Hirota.

O ambientalista, advogado especializado em Direito Ambiental e presidente do MDV (Movimento em Defesa da Vida no Grande ABC), Virgílio Alcides de Farias, observa ainda que governo do Estado e prefeituras não implantaram a fiscalização integrada dos mananciais, prevista nos artigos 99 até 108 da Lei Específica da Billings (13.579/09). “Eles dão causas às invasões e loteamentos irregulares e clandestinos”, considera.

Embora tímido, prefeituras têm trabalho para coibir e punir

Embora cinco das sete cidades tenham moradias instaladas em APRM (Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais), apenas Santo André e São Bernardo informaram como procedem em relação à fiscalização e à atuação nos casos de ocupação irregular flagrados.

Em Santo André, a encarregatura de mananciais do Semasa (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André) cuida da fiscalização, composta por três agentes ambientais. As ações podem ser efetivadas por meio de vistoria terrestre, por trilhas a pé ou exame aéreo. O objetivo, conforme a administração, é o monitoramento preventivo e corretivo das construções já existentes e/ou novas, em conformidade com a legislação vigente. Existindo irregularidade, o agente aplica advertência ambiental ou, dependendo da gravidade da infração, concomitantemente auto de infração ambiental – multa. Havendo descumprimento dos autos ou reincidência, é emitida nova punição financeira.

Em São Bernardo, o Ministério Público entrou em acordo com a Prefeitura para intensificar as ações para impedir a construção de moradias irregulares na região do pós-balsa (Tatetos, Capivari, Santa Cruz, Taquacetuba e Curucutu), área de proteção e que tem sido alvo de ocupações clandestinas nos últimos anos. Dessa forma, depósitos e munícipes que estejam realizando obras naquela área são obrigados a apresentar alvarás e autorizações municipais para conseguir transportar materiais pela balsa.  




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