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Chico Mendes: o mito perene
Nelson Albuquerque
Do Diário do Grande ABC
28/12/2003 | 17:10
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O assassinato, o julgamento e a perenidade do mito. Estes três momentos da biografia do líder sindical seringueiro Francisco Alves Mendes Filho estão no livro Chico Mendes – Crime e Castigo (Companhia das Letras, 246 págs., R$ 33,50). A publicação traz as reportagens de Zuenir Ventura sobre as investigações e decisões da Justiça a respeito do caso que fez o Acre ganhar os noticiários internacionais entre 1989 e 1990. Para concluir a obra, o jornalista voltou ao Estado, 15 anos depois, e se reencontrou com os personagens desta história.

O homem que fez o Brasil falar sobre desenvolvimento sustentável foi assassinado em 22 de dezembro de 1988. As sementes que plantou germinaram? Zuenir deparou-se com várias mudanças e recolheu a resposta: “Foi preciso o Chico morrer para isso acontecer”. Não que a Amazônia esteja verdejante e livre do câncer da devastação, mas o relacionamento entre homem (seringueiro, políticos e empresários) e floresta está em outro nível.

As duas primeiras partes do livro de Ventura não trazem novidades. São as reportagens que renderam ao jornalista os prêmios Esso e Vladimir Herzog. A vantagem para o leitor é reviver – ou conhecer – os fatos com a impressão de estar acompanhando um romance policial.

O narrador, um repórter experiente, dá sua impressão de lugares e personagens, transcreve trechos de suas conversas com pessoas relevantes no processo, e até sugere caminhos para a investigação: “Se a Polícia Federal estivesse agora interessada em ouvir a história, quem sabe o dr. Efrain repetisse o que contou a dom Moacyr?”. O livro é uma reportagem romanceada, um caso verídico com tratamento de obra literária.

Não que a história de Chico Mendes seja apenas pano de fundo para um exibicionismo jornalístico. Não é isso. O texto tem informações de qualidade, de todos os lados da questão. Cheira a suor do repórter.

Começa com o relato do dia da morte do líder seringueiro, em Xapuri. Há dados técnicos – como a quantidade de tiros no corpo e a posição da porta, que quando aberta fez de Chico um alvo iluminado e fácil – e o lado humano do herói, que no mesmo dia abraçou a filha de 4 anos e disse: “Se seu pai morrer, você vai chorar?”.

Chico Mendes sabia mesmo que ia ser assassinado, não exatamente naquele dia, mas sabia. E fez questão de avisar as autoridades. Escreveu cartas para secretário de Segurança, governador e Polícia Federal acreanos. Não obteve nenhuma resposta. “No dia 5 de dezembro, dezessete dias antes do crime, outros três telex eram remetidos: para Romeu Tuma, para Paulo Brossard, então ministro da Justiça, e para o presidente José Sarney. A mesma tecla: elementos ligados à UDR estavam tramando a eliminação do líder seringueiro. Igual silêncio”, diz um trecho.

O reencontro 15 anos depois com o caso se dá em forma de leves crônicas sobre as mudanças ocorridas no local e nas pessoas. O sangue esfriou, mas a memória permanece.

Trechos

Nesse momento Ilzamar teve um pressentimento: “O Chico está no banheiro e atiraram nele”. Uma fração de segundo foi suficiente para que do pressentimento ela passasse à certeza de que aquele estouro, fosse o que fosse, tinha como alvo o marido. Saiu correndo com Sandino no colo, pelo corredor que leva à cozinha, e nessa corrida ainda sofreu o esbarrão do soldado Lucas, que gritava: “Atiraram no Chico!”. (pág. 17)

Não quero flores no meu enterro, pois sei que irão arrancá-las da floresta. Quero apenas que o meu assassinato sirva para acabar com a impunidade dos jagunços sob a proteção da Polícia Federal do Acre... (pág. 67)

Mais do que um debate em busca da verdade, “o julgamento do século”, como estava sendo chamado com exagero amazônico, corria o risco de se transformar num show de baixo nível, se fossem confirmadas as ameaças dos advogados de defesa. (pág. 122)

“Mudou tudo. Hoje não somos mais humilhados nem ameaçados, somos donos de nossa terra”. (pág. 195)




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