Enquanto têm de enfrentar os conflitos típicos da adolescência, os meninos de rua roubam para sobreviver na cidade grande. Parece cena do cotidiano de hoje, mas é uma realidade da década de 1930, contada pelo escritor baiano Jorge Amado no livro Capitães de Areia, de 1937. A partir de sexta, esta história da literatura brasileira pode ser conferida também nos cinemas.

O filme é dirigido por Cecília Amado, neta do escritor, para quem foi uma grande realização pessoal e chance de homenageá-lo. "A trama tem mensagem forte, e é enorme responsabilidade levar a história do meu avô para as telonas." O trabalho de adaptação da obra começou em 2007, com a preparação de elenco. "Queria trabalhar com jovens que não fossem atores e tivessem experiências e características dos personagens da trama."

O elenco principal com 12 integrantes foi selecionado após testes com 1.200 jovens de Salvador, onde se passa a história. A produção percorreu 22 ONGs, entre elas o Projeto Axé (criado há 20 anos para mudar a realidade da criança e adolescente em situação de risco). É de lá que saiu Jean Luis Amorim, 17 anos, que faz o Pedro Bala, um dos protagonistas. Ele é o líder dos meninos de rua, conhecidos por capitães de areia. "Tenho identificação com o Pedro porque ele cuida dos outros e vai atrás do que quer."

Jean conta que nunca passou por uma situação tão crítica quanto a dos personagens, mas conhece essa realidade. "Ainda existe essa desigualdade por causa da falta de oportunidade, descaso do governo e educação dentro de casa." Mas Jean teve uma chance e a agarrou com força. "Dizem que tudo tem o lado ruim, mas o filme só trouxe coisas boas para mim. Quero fazer faculdade de música e artes cênicas."

A produção demorou quatro anos, período em que os atores tiveram grande amadurecimento e, segundo a diretora, viveram as mesmas angústias da adolescência. "Quisemos retratar a transformação, tanto física quanto psicológica, da criança em adulto. Vimos isso durante a gravação."

História cai no vestibular

Por fazer parte da literatura brasileira, Capitães de Areia é sempre tema de questões de vestibular. Está na lista das leituras obrigatórias para as provas de 2012 da Fuvest e Unicamp. Além do filme, a trama já foi adaptada para a TV em minissérie exibida pela Bandeirantes em 1989. Na história, cerca de 50 crianças e adolescentes, que vivem na miséria, são liderados por Pedro Bala, filho de um grevista que foi assassinado. O único da gangue que sabe ler e escrever é Professor, garoto que relata tudo para os mais novos. Gato é o mais estiloso e bonito do grupo. Sem Pernas tem ódio de tudo. E Dora vira a mãezinha de todos e conquista o coração de Pedro Bala e Professor. Embora temidos pela maioria da população, recebem ajuda de alguns da vizinhança, como o padre, Dona Aninha, uma negra praticante de candomblé, e João de Adão, grevista do cais.

Filmes mostram realidade dos meninos de rua

Outros sucessos do cinema também têm como protagonistas meninos e meninas carentes. Em Pixote - A Lei do Mais Fraco (1981), o personagem principal foi abandonado pelos pais e começou a roubar para sobreviver. Com 11 anos, já era traficante, cafetão e assassino. O personagem foi interpretado por Fernando Ramos da Silva, de Diadema, menino de rua de verdade, assassinado com 19 anos.

No Brasil, não faltam exemplos desse tipo. Em Como Nascem os Anjos (1996), os protagonistas Maguila, Branquinha e Japa são do morro da Dona Marta, no Rio, e vivem aventuras perigosas. Roberto Carlos foi morador de rua e inspirou o filme O Contador de Histórias (2009). O mais famoso é Cidade de Deus (2002), sobre Buscapé, que vira fotógrafo e relata a guerra de tráfico no morro comandado por Zé Pequeno e Bené.

Entre as tramas gringas, Oliver Twist (a última versão é de 2005), baseado no romance de Charles Dickens, relata a vida de órfão que vira delinquente para sobreviver na Inglaterra. E Os Esquecidos (1950) retrata o cotidiano do adolescente El Jaibo, que vive nas ruas da Cidade do México.

Jorge Amado completaria 100 anos em 2012

O baiano Jorge Amado completaria 100 anos em 10 de agosto de 2012. O escritor, pai de Capitães de Areia, é um dos autores brasileiros mais famosos - com livros em 55 países - e traduzidos para 49 idiomas. Suas obras foram as mais adaptadas para TV, cinema e teatro. Sucessos como Tieta do Agreste, Gabriela, Cravo e Canela, Dona Flor e Seus Dois Maridos, entre outros, foram criados por ele.

Eleito para a Academia Brasileira de Letras em 6 de abril de 1961, ocupou a cadeira 23. Além de escritor, era jornalista, foi deputado federal e ganhou vários prêmios, entre eles o Prêmio Camões (1995), o Oscar da literatura. Foi casado por 56 anos com a também escritora Zélia Gattai.