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Amigos superam doença e concluem Ensino Médio

Francisco Garcia, 80, e Benedito Laudilio Ferreira, 64, comemoram realização de sonho, apesar dos desafios

Por Natália Fernandjes
Do Diário do Grande ABC
09/01/2017 | 07:00
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André Henriques/DGABC


Para superar as adversidades impostas pela vida, nada melhor do que contar com a ajuda de amigos. Por sorte ou por ação do destino, os aposentados Francisco Garcia, 80 anos, e Benedito Laudilio Ferreira, o Nei, 64, se conheceram na fase em que ambos mais precisavam um do outro. O encontro ocorreu há cinco anos, dentro de uma sala de aula da EJA (Educação de Jovens e Adultos) em Santo André. A afinidade foi descoberta e ampliada à medida em que eles compartilhavam das mesmas dificuldades no dia a dia: dois idosos de volta aos bancos escolares e que tiveram de abusar da força de vontade para não deixar com que os problemas de saúde causassem desânimo. Hoje, a dupla comemora a conquista de um sonho, o diploma do Ensino Médio, e planeja a continuidade da vida acadêmica ainda neste ano.

“Esse cara aqui é meu irmão”, considera Garcia a respeito do amigo Nei. Apesar do grave problema de mobilidade (causado por reação de vacina na perna direita quando era bebê), o que o obriga a carregar consigo suas “duas meninas: Clarice e Berenice”, como chama carinhosamente as muletas, Ferreira se orgulha de ter dado carona ao companheiro todos os dias durante os quatro anos de aulas. “Eu sou o Uber dele”, brinca o deficiente físico.

A animação e a parceria de Nei foram fundamentais para que Garcia, que enfrenta câncer no intestino, não desistisse dos estudos. “As doenças me ocupam muito e me trazem amargas lembranças. Já foi a próstata, hérnia, estou esperando cirurgia de catarata”, diz. O amigo, por sua vez, confessa que, por diversas vezes, ficava preocupado. “Sempre dizia para ele que, se tivesse dor, a gente saia da aula e ia para o médico.”

A dupla, que continua se encontrando todos os dias, apesar da formatura, não se dá por satisfeita. Garcia, filho único, precisou abandonar os estudos aos 10 anos para ajudar no sustento da família. Desde então, já atuou como mecânico, office boy, piloto de testes e motorista, no entanto, sonha cursar faculdade de Jornalismo. O motivo: acompanhou de perto as dificuldades da profissão durante a ditadura militar. “Cheguei a ser preso injustamente para que não me pagassem direitos trabalhistas. E via como o jornalista era perseguido naquela época. Fiquei um pouco revoltado”, considera.

Já Nei, cuja infância e adolescência também foram de muitas dificuldades, tendo em vista que só conseguiu andar aos 19 anos, após quatro cirurgias e permanecer mais de um ano internado, deseja fazer curso superior na área de Informática. “Graças a Deus, nunca dependi de ninguém. Me locomovia com a ajuda de um carrinho de rolimã e saia por aí arrastando a perna. Já vendi amendoim na rua, fui engraxate, lavador de carros, vendedor, marceneiro e metalúrgico”, revela ele, que conseguiu aposentadoria por invalidez aos 30 anos e hoje vive de ‘bicos’. “Faço carretos, levo as pessoas onde elas pedem”, destaca bem-humorado.

Apesar de todos os problemas, os dois não gostam de lamentar. Pelo contrário. Se consideram gratos pela dádiva de estarem vivos. “Não posso reclamar. Tenho que erguer as mãos para o céu, porque Deus já me guardou muito”, observa Nei, que ainda carrega o sonho de ter casa própria para dar mais conforto à mulher. “O negócio é nunca desistir. Ir à luta. Se ficar de braços cruzados não vai conseguir nada”, completa.

Garcia, orgulho dos três filhos, sete netos e dois bisnetos, ainda guarda o sonho de conhecer o México. Sobre a vida, ele compartilha da opinião do amigo. “Não podemos desanimar. Deus está olhando por nós”, confia.




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