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À espera de trabalho nas estradas
Maristela Caretta
Do Diário do Grande ABC
08/11/2009 | 07:06
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Eles ficam parados nas beiras das principais estradas e rodovias de todo o País. Como ferramenta, placa, com o dizer "chapa", geralmente escrito à mão. São o braço direito de muitos caminhoneiros. Ajudam a carregar e descarregar mercadorias e a guiar o motorista para o endereço desejado.

Trabalhadores informais, eles já viraram até dissertação de mestrado. Para Pedro Mezgravis, 32, mestre em geografia humana, que dissertou sobre essa atividade na USP, a origem do nome "chapa" depende da região. "Eu observei desde relação de camaradagem e amizade, como na expressão: você é meu ‘chapa', até a parte superior da cabeça, a moleira, ser chamada de chapa ou chapa-quente, pois a maioria das mercadorias é transportada na cabeça."

Até na web o chapa aparece. O artista plástico Eduardo Lunardelli, 66, é criador do blog Chapa Brasil (www.chapabrasil.blogspot.com), ganhador dos prêmios Eu tenho um Blog de Elite das Havaianas e Prêmio Blog Solidário da Le Jardin Èphémère.

Segundo ele, o perfil desses profissionais é muito variado. "Os chapas têm de 20 a 60 anos, geralmente estão desempregados ou com pendências judiciais. Por isso não conseguem encontrar um emprego formal." O sociólogo Mezgravis acrescenta que até hoje não foram observadas mulheres trabalhando como chapas e que são encontrados desde pessoas sem formação escolar até ex-auxiliares de escritório.

Reginaldo de Oliveira, 38, trabalha desde os 30 como chapa na Via Anchieta. Era metalúrgico de uma empresa de São Bernardo. Mas a firma fechou e ele perdeu o emprego. "Chapa é um bico, foi o que apareceu. É melhor do que ficar parado." Ele ganha, num "mês bom", entre R$ 1.000 e R$ 1.500.

Mas afirma que continua procurando emprego, pois tem muito chapa na pista e o serviço vem caindo. Para Oliveira, a pior coisa é trabalhar na chuva, ainda mais se ela for de vento. "Nesse caso o cobertinho não ajuda muito. No inverno a gente faz uma fogueira para espantar o frio."

Segundo Mezgravis, os chapas estão espalhados por todo o território nacional, principalmente nas vias de acesso e entradas das cidades, como os entroncamentos entre rodovias de grande circulação. Ele ainda afirma que um bom chapa conhece profundamente a região onde mora e trabalha. "Sabe localizar endereços, marcos referenciais, tais como órgãos oficiais de Estado e viadutos." Ainda é fundamental que ele saiba desviar de pedágios e fugir do tráfego intenso.

Há mais de 30 anos Eduardo Lunardelli planeja publicar um livro fotográfico sobre os chapas do Brasil. Enquanto esse sonho não se concretiza, o artista plástico usa a internet para escrever sobre esses profissionais e postar suas fotos, que podem servir de acervo para o futuro livro.

Lunardelli afirma que, por natureza, os chapas são muito desconfiados, não gostam de dar informações pessoais, muito menos tirar fotografias e que, ao contrário do que muitos pensam, o GPS (sigla em inglês para sistema global de posicionamento, por satélite) não está extinguindo a profissão de chapas, pois a carga e descarga continuam sendo feitas manualmente.

O motorista Antônio Carlos Manetti, 63, dirige por São Paulo há 30 anos. Utilizou umas quatro ou cinco vezes o serviço de chapa, mas sempre como ajudante. Para ele a profissão de chapa se modernizou. "O celular agilizou a contratação dos carregadores e guias. A maioria dos caminhoneiros, quando está chegando à cidade, telefona e marca uma hora e um local para se encontrarem."

Segundo o Ministério do Trabalho, os chapas poderiam se encaixar nas ocupações de trabalhadores de carga e descarga de mercadorias, carregadores de veículos de transportes terrestres, movimentadores de mercadorias e arrumadores de caminhões. Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados) e SETCESP (Sindicato das Empresas de Transportes de Carga de São Paulo e Região) não dispõem de pesquisa ou estatística sobre os chapas.

"Eles são marginalizados nos dois sentidos: vivem nas margens das rodovias e são desprovidos de qualquer garantia trabalhista", afirmou o artista plástico Lunardelli. Para o sociólogo Mezgravis, em alguns casos os chapas podem até ser reconhecidos como boias-frias, principalmente quando trabalham em algum momento da produção agroindustrial.

Apesar das dificuldades, a vida de chapa também tem o seu lado bom: eles conhecem pessoas de lugares diversos e visitam outras cidades, sempre descobrindo coisas novas. Para Mezgravis, o mestrado conseguiu mostrar que esses trabalhadores são de grande importância para o sistema de transportes de cargas do Brasil. "É como relatei na dissertação a frase de um chapa de Ribeirão Preto: ‘Se não fosse o chapa, a sua panela não fazia fumaça (...).'"


Histórias de quem vive do asfalto

Mônica Casanova

Quatro horas da manhã. Esse é o horário que seu Heleno, 55, acorda, de segunda-feira a sábado, para trabalhar como chapa na Via Anchieta. "Boto a mala nas costas e ando um bom trecho a pé. Esse é o meu ganha-pão." Desconfiado de tudo, seu Heleno, como prefere ser chamado, não quis revelar o sobrenome. Durante a entrevista ficou o tempo todo de rabo de olho. "Para que você precisa do meu sobrenome? Conversar eu até converso, mas foto nem pensar", disse.

Nascido na Paraíba, ele conta que chegou a São Paulo aos 19 anos. Ainda jovem, arranjou emprego em uma firma de São Bernardo, onde trabalhou até os 45 anos. A partir daí o chapa foi em busca de novas oportunidades em outras empresas, mas a idade não ajudou muito. "Como tinha mais de 40, ninguém queria me dar uma chance. Vim um dia com os meus colegas ver como era trabalhar na pista, parei e estou aqui até hoje."

Colegas também apresentaram a profissão para Josué Francisco de Paula, 49, que trabalha há 15 anos como chapa. "Eu estava à procura de emprego e encontrei esse serviço, mas é só um quebra-galho." De Paula é pedreiro. "Quando não estou fazendo um serviço, faço o outro."

O caminhoneiro Rooper Lima, 60, viaja pelas estradas do Brasil há 42 anos e afirma que já utilizou serviço de chapa várias vezes, mas só para ajudar na carga e descarga. "Se for para procurar um endereço, eu mesmo uso o meu guia." Ele conta que uma vez pegou um chapa que parou no caminho para pedir informação. "Deixei ele a pé no meio da estrada", afirmou.

Isso não aconteceria com Heleno. O chapa garante que consegue ir a todos os cantos de São Paulo, mas assume que é difícil chegar a alguns endereços. "Às vezes, a rua é contramão. Às vezes, é estreita demais para passar o caminhão e, às vezes, é no meio do mato", disse.

Rodrigues, 71, que trabalha como caminhoneiro há 35 anos, nunca utilizou o serviço de chapa. Conta que há duas semanas esteve com um deles sem saber. Um amigo que estava chegando a São Paulo com um caminhão grande ligou para ele, perguntando se poderia buscar a entrega com um caminhão menor, autorizado a entrar no centro da cidade. Chegando lá, o amigo falou para ele levar junto o "ajudante", que na verdade era um chapa.

O caminhoneiro Lima diz que prefere pagar um táxi para guiar o caminhão, porque sai bem mais barato. "Assim tenho mais segurança. Em último caso, eu mesmo vou parando e perguntando." Lima afirma que, quando a carga é muito grande, alguns chapas nem aceitam fazer o trabalho sozinhos. "Já cheguei a usar quatro chapas de uma só vez. Se fosse usar somente um, ia acabar demorando mais de um dia para tirar toda a carga."

O chapa dá duro no trabalho. Chega a trabalhar até 12 horas por dia.




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