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No bonde dos rolezinhos

Rolezeiros juram que não querem tumultar, apenas ter o direito de curtir um dia no shopping

Por Bruna Gonçalves
Do Diário do Grande ABC
02/02/2014 | 07:00
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 Os rolezinhos – encontros marcados pelas redes sociais que atraem milhares em shoppings – têm gerado polêmica há quase dois meses, após confusão, denúncias de roubos e ação violenta da polícia. Tiveram ainda as liminares da Justiça impedindo a entrada e multando em R$ 10 mil quem desrespeitá-las.

Após tanta repercussão, finalmente os envolvidos sentaram para conversar. Na quarta-feira (29), houve reunião entre a prefeitura de São Paulo, a Abrasce (Associação Brasileira de Shoppings Centers) e alguns organizadores dos encontros para buscar alternativas para os rolezinhos.

Os jovens se comprometeram a avisar os donos dos estabelecimentos comerciais antes de divulgar novos eventos e adequar o número de pessoas à capacidade dos locais. Em nota, a associação disse que o diálogo é o caminho natural para resolver a questão. No entanto, ressaltou que os shoppings não são projetados para receber eventos que reúnam milhares de pessoas.

“Queremos algo organizado. Se o número de participantes for grande, vamos fazer em espaços públicos, como parques. Somos apenas jovens que querem se divertir”, afirma Jonathan David, o MC Chaverinho, 20 anos, da Penha, um dos organizadores dos encontros. Com mais de 100 mil seguidores nas redes sociais, o cantor de funk participa e promove rolezinhos com fãs desde 2007. “Antes não tinham pessoas infiltradas querendo tumultuar. A questão não é a falta de espaços de lazer, mas o direito de frequentar o shopping. Vamos porque nos sentimos seguros lá, conhecemos novas pessoas, olhamos vitrines e comemos algo. O que vejo é que enfrentamos preconceito por ser da Zona Leste, mas o que os proprietários não veem é que somos consumidores.”

A antropóloga Silvia Borelli, coordenadora de pós-graduação em Ciências Sociais da PUC-SP, acredita que a ocupação dos shoppings se dá justamente pela amplitude de serviços oferecidos no local. “A sociedade diz o tempo todo que para pertencer a um grupo as pessoas precisam ter visibilidade. As redes sociais facilitam essa organização no espaço de consumo.”

Apesar de não ter participado de nenhum evento, Giovanna Hernandez, 17 anos, de São Bernardo, acredita que o problema está mesmo nos infiltrados que querem confusão. “Tem sempre aqueles para causar. Mesmo assim, acho exagero as liminares da Justiça, porque acaba discriminando o público.” Guilherme Dogo, 17, de São Caetano, defende que todos têm o direito de frequentar o espaço. “É um lugar que dá para se reunir, comer, comprar e ir ao cinema. Eu já fui com grupo de amigos, mas respeitamos e não tumultuamos”, garante.

Os shoppings podem impedir a entrada da galera? - Para Ricardo de Moraes Cabezón, presidente da comissão de direitos infantojuvenis da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo, qualquer cidadão ou empresa pode recorrer ao Judiciário. No entanto, a liminar concedida gera conflito de princípios, como o próprio artigo 5 da Constituição Federal, que garante o direito de ir e vir. “O fenômeno do rolezinho é uma coisa e vandalismo é outra. Precisa ser analisado cada qual com sua especificidade.”

A professora de Direito da Universidade Metodista Maria Cristina Teixeira compartilha da opinião e acredita que a liminar não é a solução. “Existe a necessidade de diálogo para entender quais são as necessidades e o que pode ser feito sem gerar discriminação.”Além disso, ela também vê dificuldade na prática. “Se um grupo de 100 amigos vai comemorar o aniversário em um shopping vão impedir a entrada por causa da quantidade de pessoas? Não tem como estabelecer quem vai tumultuar só de olhar pela vestimenta ou idade.”

Encontro não é novidade e redes sociais ajudam - Reunir com a galera no shopping é algo muito tradicional nos centros urbanos. Os rolezinhos com mais gente reunida acontecem há, pelo menos, dez anos. Estacionamentos de supermercados e postos de gasolina também são ocupados por grupos há tempos, independentemente da classe social ou estilo. “A ideia nasceu como opção para se divertir. Foi após essa repercussão que muitos pensaram como forma de protesto”, diz o sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, professor de pós-graduação em Ciências Humanas e Sociais na Universidade Federal do ABC, que ressalta: “A divulgação e o compartilhamento potencializam o encontro, assim como permitiu reunir milhares de pessoas nas manifestações em 2013.”

Saiba mais
>A polêmica dos rolezinhos começou em dezembro de 2013, quando foi organizado o
primeiro encontro no Shopping Itaquera, em São Paulo. Em seguida, ocorreram em outros estabelecimentos da cidade. Em alguns, foram registrados tumultos, correria e ação violenta
na hora de abordar os jovens. Para tentar impedir, os shoppings entraram na Justiça. As liminares geraram debate sobre preconceito.

> Além de reunir galera que quer se conhecer, conversar e, dependendo, até ficar, o rolezinho também é promovido para divulgar o trabalho dos cantores de funk ostentação e reunir fãs. “Cada dia mais meu fã-clube aumenta. É muito bom manter esse contato
e conhecer de perto as pessoas que admiram meu trabalho”, afirma MC Chaverinho, que está há cinco anos no meio musical.

> Nos Estados Unidos, o fenômeno do rolezinho é comum. Há anos, os jovens organizam flash mobs que, em alguns casos, acabaram em confusão. Como medida preventiva, muitos estabelecimentos fecharam as portas ou começaram a barrar a entrada do público. Uma das justificativas para esses encontros são os cortes em programas sociais que mantinham jovens ocupados após as aulas.

>Há quem acredita que exista a ‘cultura do rolê’. Os gostos musicais, o jeito de vestir – com roupas de marca – e até a linguagem dos jovens são parecidos. No entanto, MC Chaverinho não concorda com o estereótipo dado ao público. “Cada um tem sua personalidade e se veste com o que gosta e se sente bem. O que podem curtir em comum é o funk, só isso.”




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