Cultura & Lazer Titulo
Ignácio de Loyola Brandão - 40 anos de escrita
Por Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
26/10/2005 | 08:24
Compartilhar notícia


Quarenta anos esta semana. O dia exato ele não se recorda, mas foi em 1965, na última semana do mês de outubro que saiu Depois do Sol, primeiro livro do escritor e jornalista Ignácio de Loyola Brandão, 69 anos. Em 40 anos "tudo mudou", diz. "Quando comecei tinha esperança em outro país. O PT mentiu a todo mundo com Lula alheio à realidade, cego e mentiroso".

Diretor de redação da revista Vogue, Loyola nasceu em Araraquara e em quatro décadas de carreira escreveu excelentes romances, como Zero (1975, publicado primeiro na Itália, em 1978, e só liberado pela censura no Brasil em 1979), Dentes do Sol (1976), Cadeiras Proibidas (1976), Não Verás País Nenhum (1981), que ainda é seu livro mais vendido, atualmente na 24ª edição, O Beijo Não Vem da Boca (1985) e os relatos O Verde Violentou o Muro (1984) e Cuba de Fidel (1978). São 27 obras, incluindo infanto-juvenis, relatos pessoais, teatro... "Diversidade é minha marca", diz.

Loyola recebe os amigos nesta quarta-feira, às 20h, na sede da Global Editora em São Paulo durante a reedição do livro de contos Depois do Sol (Global, 208 págs., R$ 30) que vem com um making of, como em um DVD, inédito em literatura, mostrando os personagens da noite paulistana que inspiraram a gênese do autor. Também serão lançados a peça teatral A Última Viagem de Borges e a reedição do infanto-juvenil O Menino que Não Teve Medo do Medo.

Na quinta-feira, o autor dará palestra na Biblioteca do Sesi (av. Paulista, 1.313), às 19h, no Corredor Literário. É parte de seu "trabalho de formiga" para divulgar literatura e aumentar a média anual de 1,8 livros por habitante no país.

DIÁRIO: Fazer 40 anos de vida literária em um país onde a média anual de leitura é de menos de dois livros por habitante é para comemorar ou lamentar?

IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO: Jamais lamentar. Hoje a média é dois, daqui a cinco anos talvez seja três, e talvez cem em dez anos. Faço literatura porque é minha paixão. Sei que a média é baixa e são pouquíssimos os que vivem de livros no país. É dever do escritor trabalhar para aumentar essa média. Tem autor que acha que isso não é tarefa dele. Eu faço minha parte, conversando com estudantes desde 1975. Acabo de chegar do Triângulo Mineiro, amanhã (quinta) tenho palestra no Corredor Literário, no dia seguinte vou a Mossoró (RN). Se eu conseguir um leitor em cada uma dessas palestras está bom. É um trabalho de formiga.

DIÁRIO: Fale sobre a reedição de Depois do Sol.

LOYOLA: Decidi republicar sem mexer em nada, pois não está datado. É meu livro de juventude. Na medida em que lia, me vinham imagens das pessoas que inspiraram os contos. Lembrei meus tempos de repórter e do impacto de sair de uma Araraquara que tinha apenas dois cinemas e conhecer a noite paulistana, seus cabarés, boates, boca do lixo e boca do luxo. O livro é um documento de como era o jornalismo nos anos 60 e como eram socialites, malandros, vagabundos, boêmios, prostitutas, modelos. Na segunda parte mostro como pessoas normais podem ser personagens, com fotos inclusive. É como uma oficina de literatura.

DIÁRIO: Em quatro décadas, quem mudou mais, o autor ou o país?

LOYOLA: Tudo mudou. O país não é mais o mesmo. Escrevo desde os 10 anos, mas comecei a publicar debaixo de uma ditadura, de censura. O país atingiu a abertura, a democracia, abriu-se para o mundo nos anos 80, sofreu crises, atingiu a maturidade. Teve a esperança do PT, que mentiu a todo mundo com Lula alheio à realidade, cego e mentiroso. O país está globalizado, é outro. Quando comecei tinha esperança em outro país, no futuro do socialismo, não existia aids, a fome era menor, as pessoas tinham mais possibilidades de estudo e emprego. Hoje, vivemos numa gangorra, sem certeza de nada.

DIÁRIO: O sr. acredita que Não Verás País Nenhum foi premonitório?

LOYOLA: Infelizmente, sim. Quando escrevi em 1981, imaginei uns 50 anos para frente. Mas parece que foram só 25. O Amazonas de Não Verás é um sertão, o calor aumenta e os rios secaram, São Paulo tem 60 milhões de habitantes cheia de guetos. Hoje, há seca na Amazônia, São Paulo tem mais de 20 milhões de pessoas e está dividida em favelas, condomínios fechados, carros blindados, classes privilegiadas impunes e imunes. E tem o congestionamento infernal. O livro está acontecendo página a página, infelizmente. Esses furacões excessivos, mudanças climáticas, nada disso é gratuito. Mexemos muito com a natureza.

DIÁRIO: Escrever é sofrimento ou diversão?

LOYOLA: Diversão. E prazer. Às vezes, é sofrimento quando resgato momentos de agonia. Escrevo por vingança, contra minhas limitações, contra o adolescente rejeitado, contra um complexo de feiúra. Nunca fui aceito, não tive namoradas. Escrevo contra os maus-tratos da vida. Escrever é catarse, terapia. Por exemplo, Zero foi uma forma de repudiar a ditadura. Não Verás foi meu grito ‘onde vamos parar?. Mas escrevo com gosto, com prazer. Quem tem de escrever, escreve sempre. O escritor pode ser provocado, as situações podem provocar a criatividade. Mas literatura é o autor, não é período. No fundo, o tema é sempre o homem, a condição humana.

DIÁRIO: O que o sr. acha de Lula, Fidel Castro e George W. Bush?

LOYOLA: São a prova mais fiel da idiotia no mundo. Fidel destruiu sonhos e ideais, cumpridos até certo ponto. Mas se deixou embalar pelo poder, assim como Lula, que foi um grande engano, um medíocre que se julga estadista embalado pelo poder. Bush é simplesmente um idiota. A esperança acabou, temos de buscar outro projeto. Lembra aquela música dos anos 70? Pelo amor de Deus, para o mundo que eu quero saltar.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;