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Suzano nunca mais será a mesma após massacre na EE Raul Brasil

Ex-alunos mataram comerciante, cinco estudantes e duas funcionárias; ginásio recebe velório coletivo

Por Marcela Munhoz
Do Diário do Grande ABC
14/03/2019 | 07:00
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Denis Maciel/DGABC


 Apesar de fazer parte da Região Metropolitana de São Paulo e ter área pouco maior do que Santo André (são 206.236 km² de lá contra 174.840 km² daqui), Suzano parece interior. Escolas, igrejas e hospitais ficam perto do Centro. Vizinhos ainda têm o costume de sair para conversar nos portões das ruas estreitas. 

Embora muitos tenham relatado medo pelo aumento da violência urbana, ontem o que se viu foi pânico nos olhos de quem saía de casa para saber mais sobre o massacre da EE Raul Brasil, no Parque Suzano, por volta das 9h30. “Nunca passa pela nossa cabeça que algo do tipo vai acontecer no Brasil, na nossa cidade e, principalmente do nosso lado”, resume Mayara Diaciunas, 22 anos, vizinha da escola. 

Mayara acolheu sete estudantes que fugiram após dois atiradores – Guilherme Taucci Monteiro, 17, e Luiz Henrique de Castro, 25 – assassinarem oito pessoas, deixarem outras 11 feridas e se matarem. Os dois eram ex-alunos da tradicional e concorrida escola, que completou 60 anos em 2018, e tem 1.058 alunos dos ensinos fundamental e médio, além de 1.534 que fazem curso de idiomas. 

Após matar o tio Jorge Moraes, 51, em uma locadora de veículos, Guilherme e o amigo de infância, Luiz, roubaram um carro, foram até a escola onde encontraram o portão principal aberto e começaram a matar aleatoriamente. Eles portavam um revólver calibre 38 com numeração raspada, um machado, uma besta (item medieval, como arco e flecha), coquetel molotov (arma química incendiária) e mochila com fios. 

Morreram os estudantes Claiton Ribeiro, 17, Douglas Celestino, 16, Kaio Limeira, 15, Samuel Melquiades, 16, Caio Oliveira, 15, a funcionária Eliana Xavier, 38, e a coordenadora pedagógica Marilena Umezo, 59. Até o fechamento desta edição, eram 11 feridos, sendo ao menos dois em estado grave. Segundo General Campos, secretário de Segurança Pública, após policiais chegarem ao local, Guilherme – que saiu da escola em 2018 – atirou em Luiz e se matou em seguida. 

Ainda não se sabe a motivação do ataque, mas há informações de que eles o estariam planejando há mais de um ano. Em um dos materiais apreendidos pela polícia na casa de Guilherme – ele morava com a avó, que morreu há três meses – está um caderno. Na contracapa, a mensagem: “Quando caminhando em território aberto, não aborreça ninguém. Se alguém lhe aborrecer, peça-o para parar. Se ele não parar, destrua-o”. Pessoas próximas aos atiradores descrevem os dois como pessoas quietas, acima de qualquer suspeita.

RECREIO

Os assassinos entraram na escola no intervalo. Muitos alunos se esconderam na cozinha. Caso de Marina Sousa Vilela, 16. A estudante do 2º ano do ensino médio relatou ao Diário os momentos de tensão que passou. “Era 9h40 quando ouvimos o primeiro disparo, mas não demos importância. Achamos que era uma bomba. Em seguida vieram os gritos e gente correndo. Cerca de 70 alunos entraram na cozinha e abaixaram. Começamos a ligar para avisar os pais”, diz a garota, que pensava nos amigos. “Só passava pela minha cabeça que meus colegas estavam do lado de fora, foi horrível.”

Um dos melhores amigos da estudante, Caio Oliveira, está entre as vítimas fatais. “Uma amiga o reconheceu nos vídeos que colocaram na internet. Um dia antes de o Caio morrer, nós fomos até uma sorveteria comemorar meu aniversário, que foi na sexta-feira. Não dá para acreditar que ele não está mais aqui”, diz. Marina é enfática ao falar sobre o futuro. “Só sei que não quero mais entrar naquela escola, nunca mais.” 

RECONHECIMENTO

“Ela amava o que fazia, estar com os alunos”. Foi assim que Vinícius Umezo, 32, descreveu a mãe, a coordenadora pedagógica e professora Marilena Umezo. “Fiquei sabendo pelas redes sociais, mas a gente nunca pensa que nossa mãe é uma das vítimas”, lamenta. Segundo Vinícius, que tem dois irmãos, a mãe lecionou filosofia por décadas e, há cinco anos, coordenava a unidade. Marilena e os outros mortos no ataque serão velados na Arena Suzano. 

A Secretaria da Educação do Estado afirmou que vai revisar a segurança das unidades escolares. As aulas na rede estadual da cidade estão suspensas até amanhã.

Bolsonaro lamenta tragédia no Twitter e classifica como ‘desumano atentado’

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) postou mensagem de solidariedade às vítimas do massacre que resultou em dez mortes em Suzano no Twitter. “Presto minhas condolências aos familiares das vítimas do desumano atentado ocorrido hoje (ontem)na Escola Professor Raul Brasil. Uma monstruosidade e covardia sem tamanho. Que Deus conforte o coração de todos!.”

O governador do Estado, João Doria (PSDB), destacou estar impactado com o massacre. “É a cena mais triste que vi na minha vida.” Ele cancelou a agenda e se dirigiu à escola assim que recebeu a notícia, ainda pela manhã. 

O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, afirmou que é preciso entender por que tragédias como a de Suzano estão ocorrendo com mais frequência. “Essas coisas não aconteciam no Brasil, aconteciam em outros países.”

O ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro classificou o episódio como “terrível”. Já o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, destacou que “não podemos aceitar que o ódio entre em nossa sociedade”.

Um dos expoentes da Bancada da Bala, o senador Major Olimpo (PSL-SP) disse, em reunião da CCJ (Comissão de Constituição de Justiça) do Senado, que, se algum funcionário da escola portasse arma de fogo, a tragédia seria minimizada. “Não podemos deixar que os aproveitadores se utilizem da tragédia para falar que o desarmamento é solução.”

A prefeitura de Suzano decretou luto oficial de três dias. Na região, Diadema seguiu o exemplo. O Consórcio Intermunicipal do Grande ABC emitiu nota de pesar. “É estarrecedor. Nossos sentimentos e solidariedade às famílias”, afirmou Paulo Serra (PSDB), prefeito de Santo André e presidente do colegiado. 

Especialistas condenam cultura da violência

A facilidade para a compra de armas, cultura da violência e ausência de políticas públicas são listados como motivadores para tragédias em escolas, como a que ocorreu em Suzano.

Rafael Paiva, advogado, professor de direito penal e constitucional e presidente da comissão de direito constitucional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) Santana, ressalta que duas das armas utilizadas pelos assassinos não têm uso regulamentado no Brasil: o arco e flecha e a besta. “Apesar de não ser arma de fogo, é tão perigosa e fatal quanto.” Segundo o especialista, o governo precisa de olhar criterioso para a regulamentação do uso de armas. “Já tivemos a flexibilização em relação à posse e há fortes indícios de que o porte também será facilitado, o que vejo com extrema preocupação”, ressalta.

Cláudio Edward dos Reis, vice-coordenador do núcleo de estudos sobre violência e relações de gênero da Unesp (Universidade Estadual de São Paulo) em Assis, ressalta a importância do combate à cultura da violência, estimulada pelas políticas armamentistas. “Deveria haver reflexão profunda da real necessidade de se armar mais a população.”

Ariel de Castro Alves, advogado especialista em direitos da infância e juventude e conselheiro do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), considera que a segurança nas escolas públicas é precária. “Não há obrigatoriedade de uso de uniforme, nem controle de entrada. Muitas vezes não há funcionários nas portas das escolas.” 

Aluno atirou em professora e se matou em São Caetano

O ano de 2011 ficou manchado na história da Escola Municipal Professora Alcina Dantas Feijão, no bairro Mauá, em São Caetano. Em setembro, o aluno do 4º ano do ensino fundamental David Mota Nogueira, 10 anos, feriu a professora Rosileide Queiros de Oliveira, 38, a bala e atirou contra a própria cabeça. O revólver calibre 38 usado pertencia ao pai, o GCM (Guarda Civil Municipal) Milton Evangelista Nogueira.

Era por volta das 15h50 e o intervalo do período da tarde havia terminado há pouco. Parte dos estudantes e docentes se acomodava em suas salas quando David pediu a Rosileide para ir ao banheiro e voltou, já com o revólver calibre 38 em punho, e disparou contra a professora. Rosileide foi atingida na região lombar, do lado esquerdo do corpo – 25 alunos estavam na sala. Após o primeiro tiro, David andou poucos metros até escada, apontou a arma contra a cabeça e puxou o gatilho. A criança foi levada com vida para o hospital, mas não resistiu a paradas cardíacas.

Em período de 15 anos, foram pelo menos oito episódios de ataques em escolas em todo o País com 18 mortes. 




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