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Essência do blues em 14 faixas
Por Dojival Filho
Do Diário do Grande ABC
23/06/2005 | 08:22
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No coração do delta do Mississipi, saído das lamacentas águas do Rio Yazoo, à milhas de distância da América decantada em versos patrióticos como lar dos bravos e justos. Foi nesse meio que surgiu o blues, estilo musical que nas primeiras décadas do século XX tornou-se o hino para embalar os miseráveis, os desvalidos e todas as almas sem par. Conhecida como “Cinturão Negro”, a região registrava naquele período os maiores índices de linchamentos de negros dos Estados Unidos e a atmosfera opressora certamente influenciou na concepção de uma cultura que serviu de instrumento poderoso para os clamores de justiça. O lamúrio que ecoa até os dias de hoje no universo da música popular tem seus maiores ícones representados na coletânea Blues Essentials – 14 Classic Blues Tracks from the Original Legends (EMI, R$ 35, em média), que reúne lendas como John Lee Hooker, Muddy Waters, Lightni’n Hopkins e Freddie King, entre outros.

Lançado em 2004, esse biscoito fino transporta o ouvinte para o imaginário povoado de lendas e superstições dos trovadores da ‘canção triste’. Também abrilhantam a bolachinha o gaitista Sonny Terry e seu parceiro Brownie Mcghee, George ‘Harmonica’ Smith, T-Bone Walker, Guitar Slim and his Playboys, Memphis Slim, Pee Wee Crayton, Amos Milburn, Dinah Washington, Floyd Dixon e Nina Simone.

Mais do que competência musical, esses artistas ganham aspecto quase mitológico se levarmos em conta a influência que exerceram sobre gerações de músicos que optaram por trilhar o ‘lado obscuro da encruzilhada’. Basta ouvir os primeiros acordes de Key to the Highway, em performance primorosa de Freddie King, abusando da utilização de bends (técnica em que o guitarrista pressiona a corda para cima até elevar o tom) para saber em que fonte Eric Clapton se embebedou para moldar o som do Cream, power-trio expoente da ressurreição do blues no final dos anos 60, que também contava em sua formação com os não menos memoráveis Jack Bruce (baixo) e o alucinado Ginger Baker, nas baquetas.

Nascido Freddie Christian, em setembro de 1934, King destacou-se pelo estilo agressivo, mesclando o blues com o country. Grande cantor e entertainer, T-Bone Walker concebeu a guitarra moderna, com inventividade e fraseado jazzístico peculiar. Como se não bastasse, escreveu a cartilha que serviria de base para ninguém menos que B.B.King. “Ele foi o primeiro guitarrista que escutei em disco. Aquilo foi o melhor som que eu já tinha escutado. Me fez sair e pegar uma guitarra elétrica”, declarou certa vez King sobre o guru.

Conhecidos pelo mainstream, Muddy Waters e John Lee Hooker podem ser considerados exceções na estrada do blues, por terem construído carreiras bem-sucedidas nos quesitos comercial e artístico. Longe das tormentas que aprisionaram os grandes astros do gênero, eles foram referências para as bandas de rock inglesas dos 60 (a expressão “rolling stone”, inclusive, veio de uma canção homônima de Waters) e conseguiram conciliar talento com uma conta bancária nada melancólica.



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