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‘Solucionar questão do morador de rua exige esforço integrado’

Lideranças de assistência social de Santo André e Capital iniciaram diálogo para executar políticas conjuntas de enfrentamento à questão da população em situação de rua. Conversa começou quando a primeira-dama, Ana Carolina Barreto Serra (Cidadania) ainda presidia o Fundo Social de Solidariedade, do qual se desincompatilizou para concorrer a deputada estadual.

Da Redação
08/08/2022 | 08:03
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André Henriques/DGABC


Quais são os termos deste acordo na área social entre a Capital e Santo André?

A gente está em tratativas com Santo André. Nós fomos procurados pela então secretária Ana Carolina e pelo adjunto de (Cidadania e) Assistência (Social), que é o André (Scarpino), para conversar sobre um problema comum e que envolve as duas cidades, não apenas com relação ao próprio problema como com relação ao enfrentamento, que é a questão da população em situação de rua. São Paulo e Santo André, hoje em dia, a gente nem mais enxerga a linha divisória. Somos cidades-irmãs. Os problemas que atingem a Capital são os mesmos de Santo André. A gente vem buscando, na cidade de São Paulo, a partir de determinação do prefeito Ricardo Nunes, nova forma de construção de políticas públicas para o enfrentamento dos problemas relacionados à população em situação de rua. Primeiro antecipamos o Censo da população de rua. Pela lei, deveríamos fazer daqui a dois anos. Mas antecipamos em virtude da pandemia, para avaliar melhor o impacto social da pandemia e da crise econômica.

E quais os resultados?

Percebemos aumento significativo da população em situação de rua. Aumentou 31% comparado ao último Censo, de 2019, antes da pandemia. A gente teve aporte de 7.540 novas pessoas em situação de rua em São Paulo. E outro dado nos chamou a atenção, que foi aumento de 111% de pessoas que agora dizem ter famílias ou pessoas com vínculos familiares em situação de rua, o que para nós fez com que houvesse a tomada de uma outra decisão porque esse aumento de famílias é uma mudança no perfil e, claro, tem impacto também com a maior presença de crianças e adolescentes em situação de rua.

Três mil e setecentos adolescentes e crianças...

Isso. A gente chegou a 31.884 pessoas em situação de rua na Capital e, inclusive para mostrar como esse é um problema que nos envolve a todos e precisa de um esforço cojunto com cidades do Grande ABC, e a gente fica muito honrado com o fato de Santo André ser a primeira cidade a nos procurar para a gente unir esforços neste enfrentamento, o Censo nos mostrou que 60% da população em situação de rua na Capital são de fora da cidade de São Paulo: 40% da região metropolitana e outros 20% de outros Estados. Então, toda solução, seguramente, passa por esforço integrado.

E quais são esses esforços?

O prefeito determinou para fazermos, a partir dos dados do Censo, um novo desenho de políticas públicas. Por quê? Porque as políticas tradicionais já não correspondem mais à realidade, já não respondem mais a essa nova conformação de população em situação de rua que a gente está vendo. Por exemplo, com relação à família. E aí, então, nós lançamos na Capital o Programa Reencontro, que parte de três pilares. A gente amplia as formas de acolhimento à população em situação de rua. Até não muito tempo atrás se pensava na política voltada para a população em situação de rua olhando-a como um bloco homogêneo: indivíduo adulto, sexo masculino, sem emprego, algum tipo de doença mental, uso abusivo de álcool e droga. Mas agora temos uma amplitude muito maior. Para responder a demandas específicas, estamos trazendo respostas diferenciadas. Quais? Dobramos o número de vagas em hotéis para acolhimento. Tínhamos 1.700 vagas e passamos para 3.300. Estamos requalificando a rede. Sobre aqueles antigos centros de acolhida, com 500, 600, 700 pessoas, estamos absolutamente convencidos de que não oferecem mais respostas satisfatórias às demandas da população em situação de rua. Por quê? Um espaço deste tamanho se torna praticamente inadministrável, não apenas sob o ponto de vista de gestão, mas também sob o ponto de vista humano. É muito difícil você manter qualidade da alimentação, do atendimento mais humanizado em espaço deste tamanho. O que fizemos? Diminuímos estes espaços, até 200 pessoas, e aumentamos o número de centros de acolhida na cidade. E, por último, oferecemos moradias modulares, transitórias.

Como funcionam?

É um programa baseado no conceito internacional do house first, que é o ‘moradia primeiro’, em que você, primeiro, tira a pessoa da situação de rua e oferece a ela uma moradia para, a partir daí, trabalhar as outras portas de saída integradas. É um programa com unidades modulares, que já começaram a chegar aqui no Centro de São Paulo, com 18 metros quadrados e que vai atender prioritariamente famílias com crianças e há menos de dois anos em situação de rua. A primeira fase do projeto conta com aproximadamente 1.400 vagas, mais ou menos 350 unidades modulares. Junto com a moradia a gente traz acompanhamento em saúde, criança na escola e programas de capacitação e assistência social buscando uma saída qualificada. Nosso objetivo, ao longo de 12 a 18 meses, é que essa família recupere sua autonomia, porque a dignidade é recuperada de imediato, a partir do momento em que você a tira da rua. É desafio enorme lidar com a população em situação de rua. Por quê? Porque a gente sabe que para alguém estar em situação de rua, é um processo que leva tempo, do mesmo jeito que leva tempo tirar alguém dessa situação. O nosso desafio, como poder público, é impedir que as pessoas cheguem a esta situação e, no momento em que chegam, tentar tirar o mais rápido possível, porque quanto mais tempo a pessoa passa em situação de rua, mais complexa fica a retirada. Por último, as famílias do Reencontro vão receber uma bolsa. A gente está neste momento discutindo o valor que a família deve receber neste período em que ela permanece nas moradias.

Como vai se dar essa parceria com a Prefeitura de Santo André?

No momento em que a gente estava desenhando e lançando o programa, fomos procurados pela Prefeitura de Santo André, que está buscando também respostas, políticas alternativas e inovadoras, de enfrentamento à questão da população em situação de rua. A partir daí passamos a fazer um diálogo mais próximo para a construção de um termo de cooperação técnica para troca de tecnologia social. Conforme for avançando, a gente vai fazendo.

Existe, neste termo, algum elemento que se destine a manter a população na cidade dela?

Quando falamos destes movimentos é muito semelhante ao que vemos com os fluxos migratórios. As pessoas têm liberdade de ir e vir, de escolher para onde vão, onde querem ficar e isso é absolutamente normal. Principalmente porque essas fronteiras entre cidades só existem nos mapas cartográficos, são linhas imaginárias. O fato é que esse é um problema comum que deve ser enfrentado da maneira mais articulada possível. A pandemia escancarou a desigualdade social brasileira nas ruas de São Paulo e da região metropolitana.

E a maior parte da população de rua da Capital não é de São Paulo...

Porque temos uma rede que oferece acolhimento digno. As pessoas sabem que vindo para São Paulo a chance de morrerem na rua de fome ou de não terem um espaço para se abrigar é mínima.

O que é um paradoxo, pois quanto mais se faz para resolver a questão, mais atrai pessoas das demais cidades.

Quando falamos de enfrentar o problema da população em situação de rua, temos de lembrar que os municípios atuam na ponta, e precisamos dar as mãos para melhorar as nossas redes de proteção. Mas precisamos que o Brasil volte a crescer, a ter uma política que economicamente o estabilize, de produção de empregos. Se não temos isso, São Paulo e a região metropolitana seguirão acolhendo nossos irmãos e irmãs que estão vindo de outras cidades e outros Estados em busca da possibilidade de um emprego, de melhores condições para a sua família.

Daí a importância deste diálogo intermunicipal?

Sem dúvida. Exatamente.

Qual a importância do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC neste diálogo?

Ele é muito importante porque toda política que se faz na Capital e em Santo André, mutuamente, acaba tendo eco de um lado ou de outro.

Santo André tem alguns programas sociais cujas métricas mostram que têm dado resultado, como o Moeda Verde e a Escola de Ouro. Essas ações podem ser exportadas para a Capital?

Sem dúvida. O Paulo é um cara socialmente sensível, que se destacou por algumas ações, como essas que você citou. A ideia de nos sentarmos é exatamente esta: encontrar caminhos. ‘Poxa, tenho uma ideia boa, que tem bons resultados em Santo André, vamos tentar aplicá-la em São Paulo?’ ‘Tem outra ideia boa aqui em São Paulo, vamos tentar aclimatá-la à realidade em Santo André?’

O da primeira-dama de Santo André, Ana Carolina, seria um nome para representar a política de assistência social na Assembleia?

Vejo a Ana Carolina como um dos grandes quadros desta nova geração. É uma pessoa que acumulou a experiência administrativa no Executivo com resultados concretos. Tem o que mostrar para a população, especialmente em uma eleição em que os radicalismos e a falta de propostas tentam se impor. 




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