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Ressurreição?
Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
16/03/2007 | 20:27
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Junte o cineasta e dublê de historiador James Cameron, diretor de Titanic e O Exterminador do Futuro, e o documentarista e dublê de arqueólogo Simcha Jacobovici e lá vem pedra na cruz em forma de suposta descoberta arqueológica: a identificação do túmulo da família de um tal Jesus, onde teriam sido enterrados ele, sua mãe Maria e Mariamne – esta supostamente Maria Madalena. E mais: esse Jesus teria um filho chamado Judas. A conclusão de que se trata de Cristo não é científica. É do filme O Sepulcro Esquecido de Jesus, com duas horas de duração, que o canal pago Discovery Channel (Vivax, Sky, Directv) exibe neste domingo, às 20h. Argumento exterminador do futuro cristão e um ‘Titanic’ para a Igreja Católica.

Uma voz cavernosa abre o documentário citando a história da morte mais famosa dos últimos 2 mil anos e passagens dos Evangelhos de São Marcos e São Mateus, que afirmam que o corpo de Cristo não foi encontrado em seu sepulcro e teria ressuscitado. Segundo um costume judeu ancestral, um corpo pode ter ossos removidos por parentes e depositados em urnas funerárias, ou ossários, para depois ser sepultado em um jazigo.

Os cineastas investigaram um achado arqueológico de 1980, em Israel, a Tumba Talpiot, encontrada durante a construção de um condomínio nos arredores de Jerusalém. Havia dez ossários, seis deles com inscrições, e crânios no interior da tumba. O filme afirma ser o sepulcro de Jesus.

Cameron, produtor executivo, e Jacobovici, diretor, produtor e roteirista, atingem nada menos que o principal dogma da cristandade, a ressurreição de Cristo. Filmaram e pesquisaram em segredo – em 2005, Jacobovici teve acesso à tumba, selada sob o condomínio, e descobriu outra intacta, contígua à primeira –, e divulgaram o trabalho em uma coletiva de imprensa em fevereiro passado, em Nova York.

Os cineastas tentam provar que os ossários pertenciam à família de Jesus. Devagar com o andor. O filme parte de uma suposição e procura especialistas que a corroborem. Lembre Dan Brown e o Código da Vinci, ficção baseada em hipóteses, lendas e teses refutadas travestidas como história do suposto casamento de Jesus e Madalena, e da filha de ambos nascida na França, para onde Madalena teria fugido da perseguição aos cristãos. Se O Sepulcro Esquecido de Jesus fosse obra científica, só após uma série de investigações poderia apresentar alguma conclusão.

É o que faz o arqueólogo israelense Amos Kloner. Ele supervisionou as escavações e foi pouco ouvido no filme. Para Kloner, os nomes nos ossários eram comuns há 2 mil anos em Israel, mas seria impossível pertencer ao Jesus fundador do Cristianismo. “É uma ótima história para um filme, mas é bobagem. Jesus e seus parentes eram uma família pobre da Galiléia, sem laços com Jerusalém. A tumba de Talpiot pertencia a uma família de classe média alta do primeiro século”, afirmou ao jornal Jerusalem Post no mesmo dia em que Cameron e Jacobovici divulgaram suas descobertas.

Se a fé cristã afirma que o corpo de Cristo ressuscitou depois de sua morte na cruz e subiu intacto aos céus, não haveria sentido haver ossos enterrados. De fato, só há resíduos. Testes de DNA nos restos encontrados nos ossários que seriam de Jesus e Mariamne verificaram que não havia parentesco entre eles. Conclusão dos cineastas: ambos estavam na tumba por serem casados.

Sem os restos mortais de Cristo, o dogma da ressurreição permanece. Mas se foram encontrados resíduos de um corpo enterrado, fica a dúvida. Stephen Pfann, professor da Universidade de Holy Land, em Jerusalém, um dos entrevistados no documentário, afirmou no mesmo Jerusalem Post que a hipótese é válida, mas ele tem dúvidas quanto a grafia de “Jesus” no ossário, que ele acha parecer “Hanun”.

Sendo especulativo, o documentário gera calor suficiente para incendiar ânimos quietos. Na coletiva de imprensa, Jacobovici disse não saber que reações essas revelações produzirão. “Nunca estive em uma situação dessas, mas uma vez que transcenda, não estará mais em minhas mãos”.

O maior argumento da tese do filme está na probabilidade da coincidência dos nomes. James Cameron só não mencionou outra coincidência entre as iniciais de seu nome e as de Jesus Cristo. JC cineasta assina prefácio do livro do arqueólogo forense e ficcionista Charles Pellegrino, The Jesus Family Tomb, lançado em fevereiro nos Estados Unidos, coladinho com a exibição do documentário por lá. Outra coincidência?

Curiosidades

Coincidência
Seis dos dez ossários extraídos da Tumba Talpiot tinham inscrições em hebraico. “Yeshua bar Yosef” (Jesus, filho de José), “Maria” (assim mesmo, como na versão latina, e não Miriam, seu nome hebreu mais comum), “Matia”, forma hebraica de Mateus (na genealogia de Maria havia muitos Mateus), “Yose” (Zé ou Zezinho, diminutivo hebreu para Yosef, nome daquele que seria um dos quatro irmãos de Jesus), “Yehuda bar Yeshua” (Judas, filho de Jesus). Apenas um estava em grego, “Mara Mariamne” (sendo Mara, mestra, e Mariamne, o verdadeiro nome de Maria Madalena, segundo o Evangelho apócrifo Atos de Filipe).

Probabilidade
Andrey Feuerverger, professor de Estatística e Matemática da Universidade de Toronto, no Canadá, levantou a probabilidade de estes nomes agrupados na Tumba Talpiot pertencerem a Jesus Cristo e sua família. São de 600 a favor e uma contra. Significa que, do ponto de vista da estatística, esta conclusão funciona 599 vezes em 600.

Ossário de Tiago
Para tornar a história mais misteriosa há o ossário descoberto em 2002 num antiquário de Jerusalém com a inscrição “Yaakov bar Yosef Ahi Yeshu” (Tiago, filho de José, irmão de Jesus), datado em 2003 como sendo do século I da era cristã, menos a inscrição, mais recente pela caligrafia e revestimento. Ainda não há conclusões científicas para afirmar qualquer coisa sobre a autenticidade da inscrição e principalmente a quem ela se refere. Sabe-se, porém, que um dos dez ossários da Tumba Talpiot desapareceu em 1980. Incluindo-o na Tumba Talpiot, a probabilidade estatística de que a famíla ali enterrada seja a de Cristo subiria para 1 em 30 mil.

Evangelhos
Passagens dos Evangelhos citadas no documentário (a tradução pode variar conforme a edição), em que os cineastas se amparam para justificar que Judas, “filho de Jesus” seria o “discípulo amado”. Na Última Ceia, citada em São João (capítulo 13, versículo 23): “Ora, um de seus discípulos, aquele a quem Jesus amava, estava reclinado no colo de Jesus”. O mesmo São João, na Crucificação (cap. 19, vers. 25 a 27), escreve: “E junto à cruz de Jesus estava sua mãe, e a irmã de sua mãe, Maria de Cleofas, e Maria Madalena. Ora Jesus, vendo ali sua mãe, e que o discípulo a quem ele amava estava presente, disse a sua mãe: Mulher, eis aí o teu filho. Depois disse ao discípulo: eis aí tua mãe.”



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