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Decadência gera medo sobre o futuro da Fundação Santo André

Crises administrativa e financeira instaladas no centro acadêmico preocupam alunos e funcionários

Bia Moço
Do Diário do Grande ABC
10/03/2019 | 07:00
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Nario Barbosa/DGABC


 Salas de aula fechadas, corredores vazios, queda no registro de matrículas e demissão em massa de professores. O cenário atual da FSA (Fundação Santo André), instituição de ensino superior privada sem fins lucrativos localizada na Vila Príncipe de Gales, em nada se parece com o do centro universitário dos anos 1990 e 2000, quando chegou a ter 12 mil estudantes – hoje são cerca de 3.000 alunos. A decadência, somada à sensação de abandono, já reflete na comunidade acadêmica, tendo em vista receio instaurado acerca do futuro da FSA.

Embora a grave crise financeira que assola a unidade educacional tenha iniciado em 2008, a situação tem se agravado ano a ano. Os últimos dez anos de história da Fundação Santo André foram recheados de problemas. No período, a instituição apresentou dois PRIs (Planos de Recuperação Institucional) ao MP (Ministério Público) com a promessa de realizar ações capazes de manter as portas do centro universitário abertas. O último está em vigor desde o ano passado.

O escândalo mais recente culminou na demissão de 40 professores, entre dezembro do ano passado e fevereiro deste ano, devido a problemas com a documentação dos contratos de trabalho. Após denúncia de que o atual reitor Francisco José Santos Milreu – já assumiu o cargo em meio às polêmicas, em abril de 2018, – teria ingressado na FSA sem se submeter a concurso público, o que é proibido por lei, a instituição deu início a sindicância interna para apurar a contratação de todos os funcionários. Depois de quase um ano de investigação, o pente-fino terminou sem esclarecer a situação do principal alvo do processo, o reitor, que permanece no cargo embora tenha admitido ao Diário em março do ano passado que sua admissão não se deu via concurso público.

Em meio ao caos administrativo, atrasos no pagamento de honorários e de 13º salário motivaram a realização de greve dos professores entre o fim do ano passado e início deste ano. Até abril de 2018, a folha de pagamento de funcionários da FSA custava em torno de R$ 3,3 milhões (incluindo o quadro de docentes e colaboradores do setor administrativo) e demandava cerca de 90% do orçamento do centro universitário. Questionada por meio da assessoria de imprensa sobre a situação atual, a reitoria não se manifestou até o fechamento desta edição.

Um dos principais reflexos da crise vem sendo a perda de alunos. De janeiro do ano passado para cá, cerca de 1.200 discentes deixaram a instituição de ensino superior. Em fevereiro, reportagem do Diário mostrou que apenas 7% das vagas disponibilizadas para o ano letivo de 2019, que teve início no dia 18 do mês passado, foram preenchidas – dos 6.090 postos abertos, somente 438 matrículas haviam sido feitas até 6 de fevereiro.

A justificativa da instituição de ensino superior para o baixo volume de matrículas é que os estudantes têm até 15 de março para efetuar o registro. Embora as aulas tenham início neste mês, o vestibular está com inscrições abertas até 11 de março. As rematrículas podem ser concluídas até o fim de fevereiro.

O empresário João Paulo Lopes Pacheco, 28 anos, é aluno da FSA desde 2016 e faz parte do centro acadêmico — entidade sem fins lucrativos que visa melhoria contínua para os alunos. Para ele, a situação financeira da instituição de ensino só começou a ser sentida a partir de 2017 pelos estudantes. “A situação piorou muito. O ano de 2019 começou conturbado, tendo em vista que metade dos professores não está mais em atuação.”

A equipe do Diário percorreu o centro universitário e constatou poucas salas com alunos. O prédio da Fafil (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras), por exemplo, mantinha apenas uma das 40 salas existentes em atividade. Já o da Faeco (Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas), estava fechado – os alunos foram alocados no colégio. “Nestas primeiras semanas praticamente não tivemos aula, porque a reitoria não substituiu os professores desligados. A situação preocupa”, ressalta Pacheco.

Comunidade acadêmica pede ajuda da Alesp e da Prefeitura
Diante do cenário de decadência da FSA (Fundação Santo André), parte da comunidade acadêmica e integrantes do Sinpro-ABC (Sindicato dos Professores do Grande ABC) buscam ajuda da Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo), na Capital. Além disso, os docentes enviaram carta ao prefeito de Santo André, Paulo Serra (PSDB), pedindo a destituição da atual reitoria.

O deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL) apresentou requerimento às comissões de Educação e de Relações do Trabalho da Casa para convocar o reitor da FSA, Francisco José Santo Milreu, a prestar esclarecimentos acerca da demissão de professores e funcionários do centro universitário entre dezembro e fevereiro, e da crise financeira instalada. A convocação ainda não tem data para ocorrer.

“É importante dizer que a FSA vive a maior crise da histórica da instituição. A Prefeitura tem trabalhado muito pouco neste sentido, embora tenha sido continuamente cobrada, assim como a Câmara precisaria intervir com mais energia em relação ao tema”, cobra o professor desligado Ricardo Alvarez.

Para o docente, há poucas alternativas inovadoras e criativas para salvar a vida da FSA. “O atual reitor tem plano de governo que prega a democracia, e isso não aconteceu. O reitor acabou usando de expediente um tanto quanto condenável, colocando 40 professores, de forma inadmissível, na rua.”

Questionada a Prefeitura de Santo André não se manifestou sobre o tema até o fechamento desta edição.

Docentes cobram promessas de campanha feitas pela atual reitoria
Além de elencarem série de atitudes tomadas pela reitoria atual e pelas gestões anteriores da FSA (Fundação Santo André) consideradas prejudiciais para a saúde financeira da instituição de ensino superior, professores atuantes e também docentes desligados recentemente cobram o cumprimento de promessas de campanha realizadas por Francisco José Santos Milreu para salvar o centro universitário.

Joel Pelissaro, um dos professores recém-desligados da FSA, avalia que a constituição de centro universitário foi erro. “Fomos criados com estrutura de uma federal, pois, na época, a equipe de implantação veio da Ufscar (Universidade Federal de São Carlos), mas esqueceram que a FSA dependia de mensalidades dos alunos para sustentar a estrutura, pois não tem verbas públicas”, relata.

Segundo o docente, nos “bons tempos”, com mais alunos e menor taxa de inadimplência, o sustento da instituição de ensino superior era garantido. “Com o passar dos anos e a disputa acirrada pelo mercado, a FSA começou a perder alunos e a inadimplência cresceu. A estrutura de gestão não foi alterada e as mensalidades arrecadadas não conseguiram mais cobrir os custos e as despesas”, explica Pelissaro.

Outra falha apontada pelo professor foi a necessidade de recorrer a bancos para cobrir a folha de pagamento e honrar contratos e despesas com fornecedores. “Começou o ciclo de endividamento. O quadro se agravou ainda mais em 2018, com a baixa entrada de alunos pelo vestibular. Vários cursos não foram abertos, apenas seis turmas de primeiro ano foram formadas no centro universitário inteiro. Isso terá reflexo nos próximos quatro anos.” Conforme o docente, neste ano letivo, graduações tradicionais, como é o caso de Economia e Ciências Contábeis, não formaram turmas.

Professor de auditoria da FSA, Wagner Tomazini revela que chegou a participar do Condir (Conselho Diretor). À época apresentou relatório que afirmava que a FSA estava em solvência econômico-financeira, por meio da análise de balanços apresentados. “Avisei que isso teria preço mais para frente. Consequentemente, a situação da FSA só foi se agravando face aos altos salários do reitor e vice-reitor, professores em regime de trabalho integral, queda no número de alunos, briga interna pelo poder, má gestão dos recursos e a crise financeira no País.”

Segundo docentes, a atual gestão afirmou, durante a campanha eleitoral, que tinha plano para recuperar o valor confiscado pela Receita Federal – a instituição acumula R$ 108 milhões em débitos de Imposto de Renda, INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) –, mas nenhuma ação foi colocada em prática até o momento. Devido à dívida, a FSA perdeu a CDN (Certidão Negativa de Débitos). “Sempre foi uma instituição tradicional, que prezava pela qualidade. Os alunos falavam que os professores da FSA tinham casos reais para contar, ou seja, tinham práticas a serem transmitidas”, relatou com tristeza a professora Maria Aparecida Galhardo, desligada em dezembro.




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