Setecidades Titulo
Brechó atende a todos os gêneros
Por Ângela Corrêa
Do Diário do Grande ABC
07/01/2005 | 14:56
Compartilhar notícia


A rotina é sempre a mesma há cerca de três meses. Por volta das 17h, a comerciante Ione Aparecida Celestino começa a retirar as araras com indumentárias de toda procedência na calçada de sua casa, localizada na rua Marina, bairro Campestre, em Santo André. É lá também que funciona o brechó Bregas & Chiques. No entanto, o cair da tarde não significa o fim de expediente. Fechado o portão de sua casa, Ione toma um banho, veste uma roupinha alegre e começa a separar as peças penduradas nas araras, agora guardadas na garagem. É hora de pensar em modelitos bem femininos e ousados, ao gosto de uma clientela fiel que já a espera no bar da Marli, reduto de travestis na avenida Industrial, a poucos metros do brechó da rua Marina.

A “loira”, como é conhecida pelos travestis, preenche a parte traseira de sua picape cinza com jaquetas, bolsas, shorts, tops, bolsas, blusinhas, estojos de maquiagem, sandálias e até ursinhos de pelúcia. Sai de casa por volta das 19h. Em pleno mês de dezembro, quando a reportagem do Diário a acompanhou em uma dessas expedições, o pedido era para que ela levasse peças de couro. Dia atípico, segundo ela. “O que eu mais vendo mesmo são perucas, batons, sombras, biquínis e peças de crochê, que elas adoram por dar essa idéia de esconder e mostrar ao mesmo tempo”, conta.

Chegando ao bar de Marli Frias, 43 anos, por volta das 19h30, a “loira” começa a pendurar os cabides com roupas em um cabideiro que já tem lugar cativo no estabelecimento. Acomoda bolsas, bichos de pelúcia e peças mais chamativas em cima de uma mesa. “Este aqui vai sair rapidinho, tenho certeza”, diz, apontando para um corpete branco de renda.

Dois minutos depois que a comerciante chega ao bar, chega a morena Rayane, 19 anos. Vestida com um conjunto de short e top branco de lycra, mexe em tudo, fica na dúvida e protesta pela quantidade de modelos comportados. “Essas roupas estão muito discretas, loira, quero tudo mais curto.” Depois de garimpar e garimpar, confessa que procura também roupas confortáveis para os momentos de descanso. Por fim, Rayane pechinchou e levou uma camisetinha azul por R$ 5. “Deixa guardado para mim, Marli, por favor”, pede à dona do bar, saindo em seguida para um programa.

Para Ione, a descoberta da nova clientela foi uma mina de ouro. “Meus negócios cresceram em cerca de 50% depois que passei a vir para cá”, conta. Graças a seu temperamento de camaleão, como define, se entrosou com os travestis e cumprimenta a todos com beijos e abraços. Explica que começou vendendo cosméticos (sombras). “Passava na Industrial e pensava que aquelas sombras que estavam sobrando no brechó poderiam interessar a elas. Consegui a aproximação sendo eu mesma”, conta. “Eu escuto o que elas têm para dizer. Todas têm problemas, famílias e precisam disso, serem ouvidas”, diz Ione, sempre com cuidado para não cometer o equívoco de chamar os travestis por pronomes masculinos.

A partir de fevereiro, a rotina da comerciante deve ficar ainda mais atribulada. Passou no vestibular para Direito na UniABC e vai estudar à noite. “Vou dar um jeito de continuar atendendo a essa freguesia, já que elas preferem que eu venha até aqui em vez de irem até a loja. Vai ser corrido, mas dará tudo certo”, afirma.



Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;