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Pitty vai bem em ‘Anacrônico’
Por Dojival Filho
Do Diário do Grande ABC
16/08/2005 | 08:15
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"Preparar. Atirar. Fogo!". É mais ou menos esse o espírito de Anacrônico (Deckdisc, R$ 32 em média), segundo álbum da baianinha mais porreta do rock nacional, a cantora e compositora Pitty. Com menos apelo radiofônico que o disco de estréia, o multiplatinado Admirável Chip Novo, a bolachinha respinga influências de hardcore e new metal, arregimentadas pela banda de apoio composta por Duda (bateria), Joe (baixo) e o recém-chegado guitarrista Martin, que enfileiram uma série de pancadas na orelha, uma atrás da outra.

Sem dar fôlego ao ouvinte, as canções são executadas de forma quase ininterrupta, como se cada uma complementasse a violência sonora da música anterior. É o caso, por exemplo, da dobradinha entre A Saideira, que abre o disco, e a faixa-título, que já tem espaço garantido na programação das rádios e nas paradas de clipes da MTV.

Vale destacar que esta última não faz alusão ao passado somente no título. Trata-se de uma antiga composição de Pitty, produzida quando integrava a banda Inkoma, na virada dos anos 90. O termo também sintetiza o conceito do álbum, recheado de temas antiquados e, ao mesmo tempo, atuais, como decepções amorosas, hipocrisia, guerras e busca por auto-afirmação. A capa, assinada por Edinho Sampaio, traduz bem essa idéia, com desenhos de garotas chupando pirulitos e tomando milk shakes, em poses tão ingênuas quanto insinuantes. Nada mais apropriado para uma época de erotização infantil e bundalização da música.

Em paz com a gravadora e com o público, Pitty diz que o processo de produção de Anacrônico transcorreu em clima de absoluta serenidade. Nem mesmo o clássico teste do segundo disco, em que o artista deve provar que ainda tem bala na agulha depois do estouro inicial, preocupa a cantora. "Vejo que a expectativa maior é externa. Fizemos o disco do jeito que a gente queria e para mim está tudo tranqüilo", afirma a cantora que, além de empunhar a guitarra, principal instrumento utilizado por ela na hora de compor, resolveu se aventurar desta vez pelas teclas de um piano.

Mas, se há ganho em distorção, graças em parte ao trabalho de produção do ex- Baba Cósmica, Rafael Ramos, e à masterização em Los Angeles, a cargo do engenheiro de som Brian "Big Bass" Gardner (Queens of the Stone Age, Foo Fighters, entre outros) o mesmo não se pode dizer da qualidade das 13 composições (todas com a assinatura de Pitty). Se for levada em conta a produção de grande parte dos grupos que tomaram de assalto o mainstream brasileiro na última década, a conterrânea de ACM e do seminal Camisa de Vênus até que não faz feio, mas não dá para qualificar como brilhante.

Composições – As letras de Anacrônico, alternam momentos regulares e poucos achados. Algumas cheiram à poesia de diário adolescente, como Déja Vu ("Mas eu sinto que tô viva / A cada banho de chuva que chega a molhar meu corpo"). Esta última, inclusive, é a mais fácil de ser assimilada à primeira audição.

Outras letras são mais oportunas e apresentam um certo rebuscamento sem, no entanto, resvalar no esnobismo, como em Quem Vai Queimar?, que faz referência ao mundo das bruxas e da Inquisição ("Sodomizem as crianças / Escravizem os velhos / Fabriquem as armas / Destruam as casas"). Pitty se diferencia da maioria de seus pares da nova geração roqueira justamente por ter um discurso articulado e coerente. Nem mesmo a crise política que transformou Brasília em um lamaçal escapa de suas antenas. "Fiquei até 3 horas da manhã assistindo ao depoimento do Marcos Valério na CPI. Acho bacana a gente ficar ligado nessas coisas porque, afinal de contas, é o nosso dinheiro que está lá", diz a cantora.

No disco há espaço até para a primeira composição de Pitty gravada em inglês, Ignorin’ U, que, em sua ingenuidade, lembra uma adolescente emburrada que acabou de tomar um fora e pede respeito ("Eu estou ignorando você (...) / Não espero por um príncipe em um cavalo branco / Não sou uma princesa na torre"). "Essa é uma exceção. A música veio em inglês e eu quis respeitar o jeito que ela nasceu. Para mim, não importa criar em português ou em inglês, o importante é soar bem", explica.

Mas, coerente ou não, o certo é que Anacrônico não provoca alterações de rota significativas e a molecada na faixa dos 15 anos vai continuar comprando CDs e lotando shows (em média, Pitty realiza 40 apresentações por mês). A estréia do novo show ocorre nos dia 2 e 3 de setembro, no Via Funchal, em São Paulo. "Por enquanto, a gente vem fazendo um show híbrido, que é o antigo já com muita coisa do disco novo". Para o fim do ano, ela prepara o lançamento de um Dual Disc, com 80 minutos dos bastidores das gravações do álbum.




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