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‘Acredito na transformação por meio da arte’

Thomaz Pacheco, fundador da OMA Galeria

Daniela Pegoraro
Especial para o Diário
15/10/2018 | 07:00
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Claudinei Plaza/DGABC


Thomaz Pacheco já foi gerente de projetos com carreira promissora em uma automobilística. Em 2013, passou a dedicar-se ao que anteriormente tinha apenas como hobby a arte. Foi assim que fundou, em 2013, a primeira galeria privada da região: a OMA Galeria. Situada em São Bernardo, hoje é responsável por representar os artistas Andrey Rossi, Bruno Novaes, Daniel Melim, Elen Braga, Giovani Caramello, Thiago Toes e Nario Barbosa – fotógrafo do Diário.


Com mais de cinco anos de atuação, o espaço tornou-se referência artística no Grande ABC, com recorrentes exposições e projetos culturais. 

Antes de fundar a galeria, o senhor era gerente de projetos da Volkswagen. O que fez com que rumasse para o caminho da arte e decidisse abrir uma galeria própria? De onde vem esse seu interesse pela arte?

Por incrível que pareça, foi um processo natural. Quando pequeno, sempre fui estimulado com práticas criativas, como pintura, bordado, cerâmica. Foi um hobby durante muito tempo para mim, pintar e desenhar. Na fábrica, estava com uma carreira em ascensão, tinha acabado de voltar dos Estados Unidos e da Alemanha pela empresa. Nesses países, a gente trabalha para viver e percebi que aqui no Brasil a coisa era contrária: a gente vive para trabalhar. Em algum momento, a Volkswagen passou a não fazer sentido para mim. Sempre quis fazer algo que deixasse um legado, ser lembrado por alguma coisa positiva e veio essa memória da pintura, das práticas manuais. Como esse foi um hobby que tive durante a adolescência, tinha vários amigos nesse meio, como o Thiago Toes, que hoje é representado pela galeria. A ideia inicial era ser um ateliê coletivo, mas, amadurecendo a ideia, vi que tinha espaço para ser uma galeria. 

Por que decidiu abrir uma galeria justamente no Grande ABC?

Sou muito bairrista e na pesquisa para empreender a galeria me via atravessando a cidade e indo para São Paulo a fim de prestigiar os conterrâneos do Grande ABC. Eu me peguei pensando: ‘Por que eu preciso ir tão longe para acompanhar o trabalho de quem está aqui do lado?’ A região tem uma veia criativa muito forte, advinda historicamente desde os estúdios Vera Cruz, na música com todo o movimento punk. Em vários âmbitos, somos um polo formador de fazedores de cultura. Não tinha local que promovia decentemente uma política contínua para a arte. Meu plano de negócio mostrava que tinha um espaço bacana para uma galeria com o perfil da OMA, e foi quando decidi investir na região. 

Qual o papel que desempenha uma galeria de arte?

O que difere uma galeria de um museu, essencialmente, é o comércio. Mas eu entendo a galeria com uma responsabilidade que vai muito além, até pelo que a gente faz aqui dentro. A OMA funciona com três braços. O primeiro deles é a comercialização e a representação do artista, que envolve a gestão da carreira, o que podemos articular para esse profissional, o planejamento do que vai ser produzido neste ano, apontar quando é hora de ir para o institucional, de ir para o privado ou de buscar coleções. O segundo e o terceiro estão diretamente associados à questão da localização, do porquê de estarmos na região. A chamada OMA Cultural se propõe a fazer uma série de atividades específicas de artes visuais. Entendi na minha pesquisa que uma das validações para uma galeria é a validação pelos próprios profissionais, então precisava tornar esse espaço um polo de circulação de artistas por meio de conversas, bate-papos, cursos e workshops. Já o OMA Educação se relaciona com instituições de ensino das mais variadas. Aqui no Grande ABC não há o hábito de consumo por cultura, então precisamos formar público desde as crianças até os professores. Todas as nossas exposições têm o conteúdo educativo disponível para a sociedade no entorno e tudo gratuito. Por mais romântico que pareça, acredito muito na transformação por meio da arte e da cultura.

Desde a abertura da galeria, como tem sido a questão de formar público e chamá-los para exposições? O senhor acha que é algo que tende a crescer na região?

Sem dúvida. Antes era uma curiosidade muito grande, se perguntando o que era uma galeria. Hoje tem pessoas que frequentam pelo repertório, de acompanhar a carreira de um artista e seccionar isso em produção, aprofundamento da pesquisa daquele profissional. Então, hoje temos o público que não conhece, porque arte também é curioso, mas tem também a pessoa que vem buscando algo a mais. O público é só crescente, não sei dizer exatamente, mas com certeza mais de 20 mil pessoas passaram por aqui em mais de cinco anos.


Qual o processo para a seleção desses profissionais que serão representados pela OMA? O que mais chama sua atenção em um artista na hora da decisão?

O processo não obedece a uma regra. O primeiro caminho é conhecer o artista, que pode chegar para nós mandando o portfólio dos trabalhos produzidos. Se virmos que as obras estão alinhadas com o projeto curatorial da OMA, com o que a gente acredita, fazemos uma aproximação com esse profissional e passamos a acompanhá-lo. É como um namoro. Vamos amadurecendo até que ele gere frutos, como a representação pela galeria, quando passamos de fato a trabalhar a carreira do artista. Com certeza o ponto de partida é analisar a obra, tem que ser potente o suficiente e autônoma, quando você olha para o trabalho e ele dá conta de responder todas as perguntas por si só. No entanto, não acredito que exista ainda aquela artista que passa um mês no divã, bebendo uísque, fumando cigarro que de repente dá um estalo, pinta e traz para a galeria. Ser artista é uma profissão, tal qual como advogado e médico. O profissionalismo também é muito importante, a seriedade que ele trata o trabalho dele, a frequência com que produz, busca por oportunidades e ambição. Aqui na OMA todas as coisas são muito horizontais, os artistas, inclusive, participam dos processos de decisões da galeria sobre coisas como quais feiras iremos participar, quais os nossos Nortes nos próximos anos. Já houve profissionais que tiveram trabalhos sensacionais, mas que não agiam com seriedade. 

O senhor também já trabalhou como curador na Pinacoteca de São Bernardo, nos anos 2015 e 2016. Qual a maior diferença entre atuar em um espaço municipal e na galeria privada? 

É a autonomia. Trabalhei dois anos na Pinacoteca com nenhum recurso. Tinha dinheiro para pagar os funcionários e oficineiros, mas não tinha nada a mais para artistas, e não dava para trabalhar assim. Durante algum tempo segui batendo na porta da secretaria e pedindo recurso, mas a minha prática corporativa me mostrou que dali não viriam respostas. Procurei auxílio em outros lugares, e consegui editais federais e estaduais que chegaram a R$ 100 mil, um valor que nos permitiu restaurar a reserva técnica, construir um laboratório de conservação. Mas o tempo de gestão é curto, e não permite amadurecer os planos. Logo vem uma outra administração com outras ideias, e o que estava sendo feito antes passa a ser descontinuado. Estou para dizer que trabalhar na Pinacoteca foi uma paixão e decepção. Paixão porque vi que tinha potencial e uma máquina para alcançar as milhares de pessoas que eu gostaria. Mas quando você vê a coisa dando o primeiro passo, finalmente tirando aquela água que está acima do nariz que você não consegue respirar, vem a onda de novo. A decepção é ver que as pessoas não estão preocupadas com políticas públicas voltadas para a Cultura. 

Como o senhor enxerga a produção artística da região? O senhor acha que existe espaço para quem faz arte?

É um ambiente muito estimulante, a começar politicamente e historicamente falando. Isso vem até mesmo do descobrimento do Brasil, o caminho até o centro passou pelo Grande ABC. É um local de muito estímulo criativo. Por outro lado, é um espaço de pouca oferta para essas pessoas. Então, pode-se criar muito na região, mas infelizmente não existe abertura para os artistas. Durante muitos anos a OMA foi a única galeria da região. Hoje, existem outras iniciativas nascendo, tem um movimento crescendo, mas ainda é muito incipiente. 

Estando no ramo desde 2013, como o senhor vê o mercado da arte no Brasil?

Hoje, a OMA Galeria atinge jovens colecionadores por termos trabalhos acessíveis, é um nicho que está muito em ativa. No entanto, ao passo que estamos há cinco anos desenvolvendo a carreira com esses artistas, eles também atingem coleções consolidadas, que são robustas. Ainda temos algumas barreiras com o institucional, que é o próximo passo que estamos dando, como, por exemplo, conseguir alcançar grandes museus com nossas obras. Não posso dizer que o mercado está desaquecido, ou fraco. Este ano, para nós, foi absolutamente incrível. Nós fomos à SP Arte e à SP Foto, e fomos a sensação porque trouxemos novidade. O desafio é manter esse frescor permanentemente, ao passo em que o artista vai se consolidando. Vejo, por outro lado, os grandes colecionadores parados. Existe, exatamente por esse motivo, um movimento de grandes galerias fazendo trabalhos mais acessíveis ao público. 

Na sua visão, qual o papel da arte?

Eu acredito muito na arte como transformadora. O que os artistas estão consumindo hoje em termos de vida, dessa convulsão social e política, está sendo refletido no que eles produzem atualmente. Passados alguns anos, a gente vai olhar para trás e ver essa arte que permanece como um registro histórico, servindo de formação para as próximas gerações, para não continuarmos a cometer os mesmos erros, para fazermos melhor. A arte tem um papel na formação integral do ser humano e é assim que vejo a concepção da cultura como um todo, não apenas nas artes visuais, mas também na música, teatro, cinema. A arte que não se conecta com o seu tempo não é arte, é vazia. Hoje tenho me debruçado muito sobre essa questão do fazer da Cultura uma política continuada e acho urgente bater nesta tecla do quão importante é a função da Cultura na sociedade. Vejo, em níveis nacional, estadual e municipal essa preferência pelos eventos, enquanto o evento vai ao vento, se esvai. As pessoas não entendem a Cultura como essencial na vida do ser humano, como um processo de educação não formal, fora da escola. Enquanto não tomarmos consciência disso, a Cultura vai ser somente eventual, algo pontual. Não temos o processo de registro histórico, artístico e patrimonial. Isso fica visível com o que aconteceu recentemente no Rio de Janeiro, com o fogo consumindo o Museu Nacional. A gente rasgou 500 anos de história. Quando que vamos evoluir em linha reta, para frente? Isso tem feito eu pensar cada vez mais no papel social que a OMA tem como galeria.


RAIO X

Nome: Thomaz Henrique Pacheco

Estado civil: Solteiro

Idade: 33 anos

Local de nascimento: Santo André

Hobby: Sair com os amigos

Local predileto: Berlim, na Alemanha

Livro que recomenda: Isto é Arte? – Will Gompertz

Artista que marcou sua vida: Antony Gormley

Profissão: Galerista

Onde trabalha: OMA Galeria




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