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Poemas de William Blake são publicados em edição bilíngüe
Por Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
05/02/2006 | 08:22
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O poeta William Blake (1757-1827) disse ter visto o rosto de Deus quando criança, e anjos voando em uma árvore, aos 8 anos, quando manifestou sinais de vidência. Na maturidade, escrevia sobre os decaídos, sobre a perda da inocência e do otimismo, como se um choque de realidade tivesse varrido seu espírito. Mas as imagens de anjos e outras oriundas da religião cristã sempre tiveram em sua vida poética e familiar uma constante presença, transformadas em letras de poemas ou em gravuras, as quais ele desenhava e produzia por encomenda ou para ilustrar suas obras. Fundador do romantismo em língua inglesa, Blake pôs a imaginação a serviço da construção de uma mitologia particular, que parodiava as mitologias religiosas existentes e apontava na alma humana aquilo de menos angelical que podia perceber.

Seus livros mais comentados são Canções da Inocência (1789) e Canções da Experiência (1794), e deles, os poemas O Cordeiro e O Tygre, respectivamente, cujas gravuras estão reproduzidas nesta página. São espelhos um do outro no que têm de complemento e contradição, enquanto opostos da alma humana cantados em verso pelo bardo inglês. Vale conferir os comentários que os professores de inglês Gilberto Sorbini e Weimar de Carvalho fazem na edição bilíngüe Canções da Inocência e Canções da Experiência (Disal Editora, 158 págs., R$ 32,50), que eles mesmo traduziram. São dois fãs de Blake, pelo que deixam evidente nos prólogos, e com a veia de professores saltando a cada estrofe, fica evidente também o tom didático dos comentários.

Tomando como exemplo os dois poemas citados, os dois dão boas e iniciais introduções aos símbolos usados por Blake – ele considerado um poeta do romantismo e não do simbolismo por mera classificação periódica. O Cordeiro, publicado no mesmo ano da eclosão dos ideais liberais da Revolução Francesa em Canções da Inocência, tem a forma de canção infantil e perguntas com um certo tom que as crianças fazem (leia trecho). Mas as indagações do bardo, que certamente se referem a Jesus Cristo como o Cordeiro, pergunta e responde como que aceitando os aspectos positivos do cristianismo. Sua contraposição é O Tygre, publicado cinco anos depois em Canções da Experiência.

O Tygre escrito com y (grafia mantida na tradução assim como a musicalidade dos versos) preserva uma aura de mistério que este animal provocava (no século XVIII pouquíssimos notáveis haviam visto um ao vivo). A beleza e o terror emanados do tygre de Blake são ressaltados, aludindo a um Criador capaz de fazer o bem e o mal ao mesmo tempo, e com alusões também aos aspectos físicos e morais desta metáfora da alma humana.

Sorbini e Carvalho são didáticos em seus comentários sobre Blake e suas poesias (O Limpa-Chaminés, O Pequeno Vagabundo, A Mosca) a partir de observação das transformações a sua volta. À euforia liberal da Revolução Francesa seguiu-se um pessimismo com a Revolução Industrial e suas mazelas sociais. Talvez a didática predominando sobre análise em profundidade tornem este livro um ponto de partida, mas não de finalidade.

Influências – Carl Gustav Jung, psicólogo suíço que teorizou o inconsciente coletivo, analisou as mitologias da gravura de Blake O Livro de Jó. Aldous Huxley, de Admirável Mundo Novo e As Portas da Percepção, título inspirado em uma passagem do poema O Matrimônio entre o Céu e o Inferno, e poetas da geração beat norte-americana (Allen Ginsberg musicou  seus poemas), são escritores influenciados pelo bardo inglês.

Jim Morrison batizou a banda The Doors graças ao mesmo poema que iluminou Huxley. Em Dragão Vermelho (2002), que integra a série de quatro filmes com o personagem doutor Hannibal “canibal” Lecter, outra gravura de Blake, O Grande Dragão Vermelho e a Mulher Vestida de Sol integra a trama. Blake não passou impune pelo século XX.



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