Memória Titulo História
Segunda lição: convivendo com a fauna
Ademir Medici
11/01/2016 | 07:00
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 "Porco-do-mato ou cateto (Tayassu tajacu). Usa como habitação natural as moitas, fendas de troncos de árvores ou grutas sem umidade, sendo que procura se afastar o mínimo possível dessas moradias, adotando uma vida sedentária" [08.ASSINA_PE]

(cf. Dicionário Sócioambiental Brasileiro).

 

NOTA

Num dos pontos mais afastados de São Bernardo, no Distrito de Riacho Grande, o bairro Tatetos, palavra derivada do cateto na dificuldade da língua dos primeiros imigrantes, de naturalidade polonesa

(cf. Newton Ataliba Madsen Barbosa, historiador de São Bernardo).

 

Mucuta, definições:

"S. f. (Bras., São Paulo). Bolsa de carregar a tiracolo; bornal" (Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa).

"Bolsa de pano para carregar a tiracolo" (Dicionário Informal).

"F. Bras. de Minas. O mesmo que embornal" (Dicionário Online de Português).

Mas, em Diadema, a definição de mucuta é outra - e ai está para ser incorporada à linguistica nacional. Consideramos que seria algo inédito em termos de Grande ABC. O que o senhor acha, prefeito?

 

Então, prefeito Michels, preparado para a segunda aula do professor João Gava? Ontem ele nos contou sobre a qualidade das madeiras de lei que havia em Diadema, várias das quais transformadas em toras e usadas na nascente indústria moveleira de São Bernardo. Tudo isso muitos anos antes da formação da Represa Nova ou Billings. Hoje continuamos com o Sr. João Gava na mata virgem que cobria o território de Diadema 100 anos atrás.

Ele era menino de tudo. Até aos seis anos, só brincava e acompanhava o pai. Às vezes ia levar o almoço. Com seis anos passou a ajudar o pai em várias atividades extintas - mas que estão muito presentes na memória deste homem mais que centenário.

E com que naturalidade ele conta as idas, em carroça, até São Paulo, onde descobriu outra profissão que caiu em desuso: a de apagar os lampiões a gás nos postes das ruas paulistanas.

Aos que não leram a matéria de ontem, vamos relembrar: João Gava, aos 102 anos, quis contar essas histórias todas ao prefeito de Diadema, cidade onde passou a primeira infância. Ocupado, o prefeito não deu muita trela. Assim, iniciamos esta série de reminiscências para que as novas gerações, em especial os diademenses, fiquem sabendo que a sua cidade foi, um dia, um grande espaço rural de caçadas e trabalhos artesanais, como a da produção de carvão vegetal.

Repetimos: prefeito, o senhor não sabe que oportunidade perdeu em não ouvir o Sr. João Gava. A gravação com a fala do nosso professor está à disposição, sua e do Serviço de Memória de Diadema – e de quem mais se interessar.

 

Diário há 30 anos

Sábado, 11 de janeiro de 1986 - ano 28, nº 6029

MANCHETE – Horário de verão será prolongado.

TELEFONES – CTBC abre campanha de expansão.

ÁGUA – Sabesp intensificará racionamento.

POLÍCIA – Irmão de Pixote fuzila investigadores em Diadema.

 

Em 11 de janeiro de...

1916 – Dentro de alguns dias será inaugurada uma grande fábrica de vidros construída pela Matarazzo em São Caetano.

Comentário da época – A nova fábrica representa mais um passo gigantesco para o progresso e desenvolvimento de São Caetano, que fatalmente dentro de pouco tempo será um grande centro industrial.

A guerra. Do noticiário do Estadão: ''aeroplanos inimigos bombardeiam Sofia – na Bulgária – causando prejuízos consideráveis''.

1931 – Sociedade Portuguesa de Beneficência de Santo André recebe, por doação de Bernardino Queirós dos Santos, um terreno na Rua General Glicério para a construção da sua sede própria.

1946 – Em assembléia geral extraordinária, é aprovada a transformação em sindicato da Associação Profissional dos Trabalhadores na Indústria de Fiação e Tecelagem de São Bernardo.

1956 – Fundado o EC Curuçá, no Bar do Cachimbo, na Rua Anhanguera, 61, Vila Curuça, em Santo André.

Delegacia de Polícia de Santo André apreende 40 bicicletas que percorriam a Rua Coronel Oliveira Lima na contramão.

 

Santos do Dia

São Teodósio, "um presente de Deus" (Capadocia, Turquia, 423 - Palestina, 529). Preferia a vida solitária da comunidade monástica do deserto, como era usual naquela época. Foi habitar numa caverna. Ali se entregou a duras penitências e orações, passando a pregar com um senso de humildade que contagiava aos que por lá passavam. Recebeu discípulos e monges, formando uma nova comunidade religiosa. Faleceu com 105 anos.

Colaboração: Padre Evaldo César de Souza

Sálvio

Honorata

 

Macacos e bugios. Carvão e mucuta. Os lampiões a gás

Depoimento: João Gava

 

Muita gente hoje dá risada, não acredita. Mas havia muitos animais silvestres em Diadema. O macaco. O bicho preguiça. O serelepe. O porco-do-mato. O cachorro-do-mato. Animais que atraíam os caçadores.

Aos domingos, vinham sempre quatro caçadores de São Paulo. Eles armavam um laço. Faziam a seva para atrair um porco-do-mato. E quando matavam um, era uma festa. Limpavam o porco lá no mato mesmo. Punham aquele porco nas costas e levavam até o rancho. Cortavam em pedaços e cada um levava uma parte. Era assim a vida naquele tempo.

Hoje estive na cidade. Me surpreendi. Diadema está bonita. Antigamente o pessoal vinha para caçar veado. Às vezes chegavam no sábado. Armavam a barraca. Ali esperavam de madrugada com a lanterna. Se um bicho aparecia, atirava e matava com espingarda.

Havia bandos de macacos e bugios, lagartos. Acho que os bichos sentiam o faro da comida que eu levava pro almoço do meu pai. E quando sobrava comida, meu pai punha na beirada do mato. O macaco vinha comer um pedaço de pão. Sempre sobrava alguma coisa.

Eu levava um caldeirão de comida. O bugio adorava. Eu ficava olhando. Pra mim, era uma brincadeira. Meu pai fazia uma balança com cipós. Eu ficava me balançando, isso até os seis anos.

- João, agora você precisa trabalhar.

- Fazer o quê?

- Vai me ajudar.

Eu ajudava ele a ensacar carvão. Segurava o saco pra ele pôr o carvão. E depois cortar lenha fina pra fazer a tal de mucuta, que era um pequeno feixe de lenha como os caipiras chamavam. Mucuta para vender em São Paulo, com o carvão. Todos tinham fogão a lenha e precisavam da mucuta.

Eu tinha que fazer cinco mucutas por dia. Cortar a lenha na altura de um metro. Achar cipó no mato. Amarrar. Fazer cinco feixes iguais pro meu pai vender.

Meu pai punha tudo na carroça, em cima dos sacos de carvão, 15, 20 mucutas. A carroça saía às 11h da noite de Diadema pra chegar às 3h da madrugada ao Parque Dom Pedro II. Eu dormia na carroça. Ao acordar, já em São Paulo, cheguei a ver os homens que apagavam os lampiões a gás dos postes.

Lembro da primeira vez. Meu pai amarrou os burros lá no Parque Dom Pedro II, numa árvore.

- Vamos tomar café.

Foi então que vi um homem com uma vara comprida.

- Pai, o que esse homem tá fazendo?

- Tá apagando as luzes, João.

 

Amanhã em Memória

A terceira aula do Sr. João Gava: A abertura das primeiras ruas de Diadema

 




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