Cultura & Lazer Titulo
Cinema familiar
Por Luís Felipe Soares
Do Diário do Grande ABC
30/08/2011 | 07:04
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A roteirista Flavia Castro é conhecida no circuito audiovisual por seus trabalhos ficcionais e por bolar textos para documentários. Sua carreira no cinema atinge nova etapa, agora na posição de diretora. A estreia na cadeira mais importante de uma produção chega da maneira mais pessoal possível e reflete em obra que vasculha marcante momento de sua vida.

A gaúcha assina a direção de 'Diário de Uma Busca', em cartaz em São Paulo. A obra chamou a atenção por ter ganhado como melhor filme (dentro das categorias especiais de Prêmio da Crítica e Prêmio do Júri Estudantil) na edição do ano passado do prestigiado Festival de Cinema de Gramado. Atualmente, o longa-metragem também é exibido em salas da França.

O documentário leva os espectadores a acompanharem a busca de informações sobre o que realmente teria ocorrido com Celso Afonso Gay de Castro, pai de Flavia, assassinado de maneira misteriosa em 1984, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.

"Sempre trabalhei com cinema e tive vontade de fazer esse filme em especial. Nunca pensei em dirigir, mas queria e precisava contar essa história", explica a diretora. "Só eu poderia fazer esse documentário. Não vejo outro diretor para isso."

Segundo informações oficiais, a morte ocorreu quando Celso e um amigo militante invadiram a casa de um ex-cônsul do Paraguai que morava no Brasil. Os policiais que foram chamados para prender os invasores afirmaram depois que a dupla teria cometido suicídio.

Flavia aproveitou a experiência como roteirista para elaborar uma maneira de se sentir confortável na nova empreitada. "O filme é bastante estruturado na escrita para que pudesse me sentir mais segura nessa estreia na direção. Sabia o que e como contar tudo isso", afirma.

O projeto começou em 2002 e foram necessárias viagens para cinco países, entre os quais Chile, Argentina e França, onde ela e seu irmão João Paulo (o 'Joca') cresceram devido ao exílio vivido por seus pais. A infância da dupla acaba por ganhar destaque no documentário e serve como reflexo de uma rotina clandestina de militantes de esquerda durante os anos da ditadura militar. O relacionamento dos irmãos aparece durante toda a exibição, seja permeando certas lembranças ou na discussão típica entre irmão e irmã - neste caso, quanto aos rumos do projeto comandado pela filha mais velha.

Contada em primeira pessoa, a trama levou a diretora a entrevistas marcantes. Segundo ela, "a parte mais difícil do processo foi conversar com policiais e legistas. Ouvi muitas coisas que não foram fáceis." Flavia revela também que, na busca por esses entrevistados mais delicados, não se identificou como filha de Celso.

Entre as partes mais divertidas, destaca as conversas com os familiares - que se mostraram mais complicadas do que o esperado - e o contato com militantes amigos do patriarca, que lhe emocionaram muito, mas de maneira positiva.

A aproximação mais pessoal com o legado do pai ocorre por meio da correspondência dele. Os diversos documentos acabam por revelar mais sobre as ideias do homem que brigava por seus ideais políticos. "Fui selecionando cartas que ajudassem a contar a história que eu queria. Em especial, peguei aquelas que falam da época em que ele vivia." O texto direcionado especificamente a Flavia e que é lida no fim do documentário é o que mais lhe influenciou. "Ela é especial para mim e diz muito sobre o que ele pensava sobre tudo", recorda a diretora.

Apesar da fome por trazer à tona a verdade, o que se tem em 'Diário de Uma Busca' é inconclusivo. O fato de não haver o término esperado não é essencial para o filme e acaba por exemplificar como os Anos de Chumbo ainda são obscuros.

Quando questionada se a falta de informações causou insatisfação, a cineasta demonstra estar mais segura quanto à sua história pessoal. "É verdade: não descobri muita coisa além do que já sabia sobre o ocorrido. Hoje isso já não me incomoda tanto quanto já me perturbou no passado, mas ainda quero saber a verdade", diz Flavia.




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