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Responsáveis por mutirão que cegou 18 seguem sem condenação

Procedimento contra catarata em S.Bernardo há quase três anos resultou em duas mortes

Por Aline Melo
Do Diário do Grande ABC
08/12/2018 | 07:00
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Denis Maciel/DGABC


 “Eles acabaram com a nossa vida.” O lamento foi feito pela dona de casa Janete Sueli de Oliveira, 59 anos, viúva do eletrotécnico Anísio Augusto de Oliveira, que faleceu em março deste ano, aos 70 anos. O aposentado foi uma das 22 pessoas infectadas pela bactéria Pseudomonas aeruginosa, após mutirão de cirurgia de catarata realizado em janeiro de 2016 pelo Instituto de Oftalmologia da Baixada Santista no HC (Hospital de Clínicas) de São Bernardo, em convênio com a Prefeitura. Quase três anos depois, ninguém foi condenado pelas ocorrências.

Ao todo, 27 pacientes foram atendidos no mutirão. Entre as 22 infectadas, 18 ficaram cegas, dez precisaram retirar o globo ocular e até março deste ano uma havia morrido em consequência da infecção. Anísio Oliveira foi a segunda vítima fatal.

“Ele já tinha uma deficiência no olho direito, com o qual enxergava 20%, e tinha catarata nos dois. A primeira cirurgia foi um sucesso. Quando fez a segunda, meses depois, começou o nosso tormento”, relembrou a viúva. Assim como os demais pacientes infectados, o aposentado passou a sentir fortes dores no dia seguinte ao procedimento. Em atendimento de urgência, Oliveria foi encaminhado para uma clínica especializada e posteriormente para o HC, onde se submeteu a outra cirurgia e à remoção do globo ocular esquerdo. “Colocou uma prótese e passou a ter apenas 20% de visão”, explicou a mulher.

As viagens de carro e os trabalhos que ainda realizava acabaram. O hobby de colecionar rádios e frequentar feiras de vinil também. “Não podia mais dirigir e isso o deixava muito triste”, afirmou Janete. O óbito em março ocorreu após série de episódios de dor de cabeça, inicialmente diagnosticados como cefaleia. Um exame identificou o rompimento de veias no cérebro, que causaram um hematoma subdural não traumático. Após uma nova cirurgia, 15 dias de internação, o aposentado morreu. “Ninguém me convence de que quando tiraram o olho dele não mexeram em alguma coisa lá dentro que causou esse rompimento”, completou, aos prantos.

O processo movido contra a Prefeitura pelo incidente do mutirão foi passado para o nome de Janete, que também está processando um médico que o atendeu este ano na rede pública. Na sua opinião, houve erro no atendimento, mas queixa feita à ouvidoria foi arquivada. Após a retirada do globo ocular, o aposentado passou a fazer acompanhamento psicológico uma vez por mês e a administração municipal disponibilizava um veículo para consultas e exames. A assistência foi considerada insuficiente por Janete. “Não nos deram nunca o real apoio que precisávamos. Agora que ele morreu, eu não participo mais de reunião, de atendimento, de nada”, concluiu, emocionada.

A equipe de reportagem entrou em contato com outros pacientes e familiares, mas ninguém quis dar entrevista. Para Janete, as vítimas têm receio de perder a assistência prestada pela Prefeitura. “Eu já perdi tudo. Meu marido, meu companheiro de uma vida toda, 40 anos de casamento. Não tenho mais medo de nada.”


Processo aberto pelo MP segue em segredo de Justiça

 

Em julho de 2016, o MP-SP (Ministério Público de São Paulo) ofereceu denúncia contra o médico Paulo Bariçao e a atendente Verônica Maria da Conceição – profissionais que atuaram no mutirão pelo Instituto de Oftalmologia da Baixada Santista, contratado pela Prefeitura de São Bernardo – por terem causado lesões corporais de natureza grave em 22 pessoas. O processo segue em segredo de Justiça e os acusados não foram localizados pela equipe do Diário até o fechamento desta edição.

Na denúncia, o MP afirma que a contaminação ocorreu porque os pacientes foram atendidos sem que no intervalo entre uma e outra cirurgia fosse efetuada qualquer esterilização de instrumentos, troca de avental, troca de campo cirúrgico e lençóis, ou qualquer outra assepsia.

Os profissionais também são investigados pelo Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) e pelo Coren-SP (Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo). O Coren informou que processo ético aberto para apurar os fatos permanece em andamento. “Até a conclusão, não é permitido fornecer informações sobre os fatos”, relatou, em nota. O Cremesp não respondeu até o fechamento desta edição.

O mesmo aconteceu com o advogado José Luiz Macedo, que representava o Instituto à época do mutirão. Ele foi contatado e confirmou ser defensor da empresa – que está fechada –, mas não se posicionou sobre o processo.

 

Prefeitura ainda presta atendimento especializado a 19 vítimas

 

A Prefeitura de São Bernardo informou que ainda presta atendimento a 19 das 22 vítimas que foram infectadas pela bactéria Pseudomonas aeruginosa após o mutirão de cirurgia de catarata realizado em janeiro de 2016. Um munícipe optou por tratamento particular. Todos são acompanhados no CER (Centro Especializado de Reabilitação) por equipe multiprofissional, com médicos oftalmologistas, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, assistentes sociais, entre outros. Também são realizadas reuniões mensais com os pacientes para esclarecimentos e manutenção de óculos e próteses oculares desses usuários.

Quanto a Janete Sueli Oliveira, mulher de Anísio Augusto de Oliveira, a Secretaria de Saúde salientou que a munícipe recebeu assistência psicológica durante o tratamento e após o falecimento de seu marido. “Todos esses atendimentos estão sinalizados em prontuário médico. Após a morte do munícipe, sua mulher recebeu suporte durante o enterro, missa de sétimo dia e por mais quatro vezes nas dependências do CER. Sendo atendida com ou sem horário marcado. O último atendimento foi realizado em 3 de setembro. Por não ser paciente do CER, foi sugerido acompanhamento psicológico na UBS (Unidade Básica de Saúde) Rudge Ramos. Porém, Janete recusou o tratamento e disse que entraria em contato. Após essa data, ela não procurou mais a unidade de Saúde.”

Atualmente, o município possui contrato com a Fundação ABC para atendimentos e acompanhamentos de oftalmologia terciária. O serviço engloba consultas, exames e procedimentos cirúrgicos.

 




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