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‘Shopping trem’ vende desde tesoura até guia de vestibular
Por William Glauber
Do Diário do Grande ABC
07/08/2005 | 11:08
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Barra de chocolate, amendoim, pastilha, tesoura, cola, guias de matemática e ortografia para vestibular ou concurso público. Cada item por apenas R$ 1. Como pagamento, aceita-se dinheiro ou vale-transporte. Para vender, preços atraentes, criatividade nos slogans e até performance teatral.

É com artimanhas como essas que vendedores ambulantes disputam o mercado informal instalado no interior dos trens da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) que cruzam o Grande ABC. Trata-se de um universo de 220 mil potenciais consumidores nos 37 quilômetros da linha D, que começa na estação da Luz, em São Paulo, e serve cinco cidades da região (São Caetano, Santo André, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra).

Em geral, os preços são inferiores aos do varejo. Refrigentes e cervejas estão no cardápio mas, nesse caso, o consumidor tem de desembolsar R$ 1,50. As barras de chocolate de 300 gramas de Nestlé, Garoto ou Lacta são vendidas por R$ 3 no “shopping trem”, expressão dos próprios vendedores. O preço da barra pode parecer alto, mas é menor que os R$ 4,50 cobrados, em média, pelos supermercados.

Os ambulantes contam que os produtos são adquiridos em lojas atacadistas nos bairros da Luz e do Brás, na região central de São Paulo. Não há organização ou articulação prévia, segundo eles. Quem chegar primeiro ao vagão, começa a vender. O diferencial entre cada um é a capacidade de criar frases de efeito – “Chocolate de bacana por preço de banana”, gritam nos vagões – ou um estilo particular.

Saltando de vagão em vagão, Abraão Evangelista, de 37 anos, e Alexander de Souza, de 26, atuam em sociedade e simulam uma “concorrência desleal”. Enquanto um oferece um jogo de minicartões Looney Tunes por R$ 1, o outro lança dois jogos por R$ 1, em resposta. Indignado, o concorrente oferece quatro conjuntos pelo mesmo preço. “Assim você me quebra!”, encena o prejudicado. “Cada um faz seu preço!”, sentencia o “desleal”.

“A estratégia se chama ‘o H’. A gente tem uma jogada para incentivar os passageiros a comprar. É tudo uma brincadeira”, explica Evangelista. Cada vendedor fatura R$ 800 por mês e, de segunda a segunda, eles trabalham 12 horas por dia.

A maioria busca nos trens alternativa ao desemprego ou complementação de renda. A ajudante de cozinha Raquel Silva, de 42 anos, trabalha das 7h às 15h em um restaurante com carteira assinada, ganhando R$ 475. Às 17h, inicia o expediente nos trens e, por mês, adiciona R$ 350, em média, à renda pessoal. O passo inicial foi difícil: “A primeira vez que entrei no trem eu olhava para as pessoas e saía. Voltei porque vi que não tinha alternativa”, recorda.

Desemprego e uma filha para criar são os motivos que levaram Cláudia Costa, de 20 anos, para a venda de biscoitos na Linha D. “Não arrumava emprego, e aqui dá para ganhar dinheiro”, explica. Das 7h às 20h, Cláudia e a irmã trabalham nos trens, e a filha de um ano e meio fica sob os cuidados da avó. Por mês, ela ganha R$ 1 mil, trabalhando de segunda a segunda.

O ambulante Antônio Pedreira, de 52 anos, também soma força a essa massa de trabalhadores. Sem carteira assinada desde 1988, o ex-bancário vende diariamente chicletes e barras de chocolate das 8h às 22h para ganhar, em média, R$ 900 mensais.

Todos eles insistem no negócio, apesar da fiscalização, que os ameaça com o confisco dos produtos. A CPTM conta com o GAM (Grupo de Apoio Móvel) para conter a prática de comércio ambulante.

Diariamente, 36 agentes à paisana (seis por linha) abordam vendedores e apreendem mercadorias, enviadas para prefeituras da região ou subprefeituras da capital e, posteriormente, distribuídas a entidades sociais.

No primeiro semestre deste ano, a empresa apreendeu 760 mil mercadorias na malha ferroviária metropolitana, das quais 282 mil nas Linhas D (Luz-Rio Grande da Serra) e A (Luz-Francisco Morato). O ambulante Antônio Pedreira confirma a repressão ao comércio nos trens. “Todo dia tem blitze. Se pegarem os produtos, acabou. Há muita violência”, reclama.

Real – O professor de Economia da Umesp (Universidade Metodista de São Paulo), em São Bernardo, Edgar da Nóbrega, destaca o surgimento de redes de lojas populares que distribuem produtos para o comércio ambulante.

Em relação ao “tudo por R$ 1”, Nóbrega explica que a moeda forte, estabilizada pelo Plano Real em 1994, criou um símbolo. “Antes do real, não existiam lojas de valores pequenos. O mercado encontrou um nicho e criou um mote. Tudo o que couber em R$ 1, as pessoas vão atrás para comprar”, diz.




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